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Um “navegador” com “o motor avariado” que se “banalizou” e tem culpas da “instabilidade”: sete anos de Marcelo na Presidência da República

24 de janeiro de 2016. Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Marcelo Rebelo de Sousa promete tudo fazer “para unir aquilo que as conjunturas dividam” e avisa que o país “a sair de uma crise económica e social profunda, não se pode dar ao luxo de desperdiçar energias e de alimentar crispações desnecessárias e contraproducentes”.

Segunda promessa: “Estarei tendo a relação entre todos os portugueses, fazendo pontes, cicatrizando feridas, aproximando posições”.

E depois um apelo: “Quanto mais coesos formos mais fortes seremos no combate às injustiças e na promoção da credibilidade e da esperança no futuro”.

2.411.925 portugueses tinham acabado de votar em Marcelo. Os restantes nove candidatos somavam 2.328.633 votos. Cinco milhões de portugueses não votaram nesse domingo.

Marcelo deixou, nessa noite, o alerta de que só havia um caminho, uma “opção clara” para o país: “ou crescemos economicamente de forma sustentada, criando justiça social, combatendo a exclusão, a pobreza e a desigualdade, ao mesmo tempo que moralizamos a vida pública e atalhamos as corrupções, ou só contribuiremos para agravar as tensões sociais e os radicalismos políticos”.

2558 dias depois – e tendo convivido com um único primeiro-ministro entre crises, avisos, eleições antecipadas, “casos e casinhos” e demissões de ministros de secretários de Estado -, o que mudou nestes sete anos? O que se tornou evidente do primeiro para o segundo mandato?

@Pedro Sarmento Costa / LUSA

“É muito ambicioso. Quer ter um lugar na história do país e na memória coletiva dos portugueses”. É assim que Viriato Soromenho-Marques enquadra o primeiro e o segundo mandatos de Marcelo Rebelo de Sousa em Belém. A quem reconhece “uma personalidade de grande independência face aos partidos e às forças externas”.

O professor universitário entende que o apoio dado ao governo “frágil”, a geringonça de acordo parlamentar com o PCP e BE, no primeiro mandato foi feito nessa “visão de interesse nacional, muito além da sua origem partidária e contribuiu para que o Executivo tivesse um desempenho positivo”.

Já neste segundo mandato, marcado pela dissolução da Assembleia da República e consequente maioria absoluta do PS e sucessivos casos e casinhos no Governo, Viriato Soromenho-Marques considera que a crítica que se pode fazer ao inquilino de Belém é a da “incontinência verbal”.

“Nesta fase crítica acaba por ser difícil distinguir o comentário normal da advertência séria. Seria importante que houvesse parcimónia no uso da palavra”, frisa.

Viriato Soromenho-Marques lembra que a revisão constitucional de 1982 eliminou a possibilidade de governos de iniciativa presidencial, o que “nesta altura dava muito jeito”. “O Presidente da República tem imensa responsabilidade, mais do que poder: Neste momento o Presidente da República não é o problema que o país tem, mas também não tem a capacidade de ser a solução”, afirma.

E estabelece uma analogia: “Marcelo é um navegador numa tempestade, que tem o leme nas mãos, mas o motor esta avariado. Vai navegando mas precisa que alguém na casa das máquinas arranje o motor”. Pelo que considera imprevisível o que irá acontecer nestes próximos três anos e últimos no anos de mandato.

Um "navegador" com "o motor avariado" que se "banalizou" e tem culpas da "instabilidade"

José Adelino Maltez reforça a ideia do “Presidente dos afetos”, que “em vez do silêncio optou pela provocação ao povo, integrando-o no sistema através do bom coração”. As mudanças de atitude de Marcelo entre o primeiro e o segundo mandato deriva, afirma, “dessa temperatura elevadíssima” que tem de manter e em que os estudos de opinião influenciam o seu comportamento”.

O politólogo admite que Marcelo poderá chegar à dissolução do Parlamento pela segunda vez, apesar da maioria absoluta socialista. “É impossível prever porque começou a arder toda a confiança no Governo, nos partidos e na oposição”.

Este segundo mandato em Belém é agitado por uma grande instabilidade, afirma, e “estamos num momento de incerteza estrutural”.

Também Adelino Maltez faz um paralelo com a navegação, desta feita com o jogo da batalha naval. “Está-se a ver um governo como um jogo de batalha naval. Se os porta-aviões explodirem [leia-se, por exemplo ministro das Finanças] há uma condenação prática”, que diz, poderá levar Marcelo a endurecer a sua posição.

E os políticos?

João Torres, secretário-geral adjunto dos socialistas, afirma que a “avaliação” de sete anos “é positiva” sublinhando que Marcelo Rebelo de Sousa, como Presidente, “tem contribuído para um contexto positivo de diálogo e de cooperação institucionais”.

“O PS considera que os mandatos presidenciais do Professor Marcelo Rebelo de Sousa têm acompanhado, em cada momento, as preocupações essenciais dos Portugueses, contribuindo decisivamente para aproximar os cidadãos da política, tal como temos vindo a assinalar ao longo dos últimos anos”, acrescenta.

Margarida Balseiro Lopes, vice-presidente do PSD, que destaca a “proximidade” estabelecida por Marcelo com os portugueses, facto “importante” para “humanizar a política”, diz que a “cooperação institucional” existe, mas que “o governo não se pode queixar do presidente, o presidente porém tem, sobretudo nos últimos tempos, muitas razões de queixa do governo”.

A maior “intervenção” de Marcelo, “esse papel de vigilante”, justifica-se porque “os casos têm sido tantos” tal como “o caos governativo”. E mais até, assegura, porque “aquela garantia de Costa de que a maioria absoluta não seria poder absoluto esfumou-se”.

O que “parece existir é um certo sentido de impunidade” e uma “guerra aberta no governo pela sucessão no PS, ministros contra ministros, contradições, dizem uma coisa hoje e outra amanhã”.

E, acrescenta, um “rolo compressor do Parlamento” que “chumba e ignora a grande maioria das propostas da oposição”.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (E), e o primeiro-ministro, António Costa,
@António Cotrim / LUSA

Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP, por seu lado, considera que “mais do que uma avaliação concreta sobre o exercício do mandato, o que importa é que se desenvolva no que é exequível quanto a defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República e ao papel que lhe incumbe de defesa dos interesses e da soberania nacionais”.

Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do BE, mais crítico, atribuiu culpas a Marcelo pelo que se passa hoje no país porque, considera, “o mandato do Presidente da República fica inevitavelmente marcado pelo contributo para a instabilidade que o país hoje vive.

A crise política, provocada pelo Partido Socialista e potenciada pelas declarações do Presidente da República, conduziu o país a uma maioria absoluta que prometia estabilidade”.

Só que, acrescenta, “aquilo a que hoje assistimos é precisamente o contrário: à instabilidade do próprio Governo, que soma casos atrás de casos, soma-se a instabilidade na vida de quem trabalha e vê o salário engolido pela inflação”.

André Ventura, líder do Chega, afirma que “a atuação de Marcelo Rebelo de Sousa” com “constantes intervenções no espaço público sobre os mais variados temas” tem “banalizado a palavra do Presidente e retirado força aquela que devia ser uma voz de autoridade, firmeza e estabilidade” numa altura em que “vemos um governo a desfazer-se aos bocados e a degradar-se a cada dia que passa”.

E depois a crítica: “Temos tido um Presidente sempre pronto a dar a mão ao primeiro-ministro e ao Partido Socialista, e pouco fiscalizador da atuação do Governo, o que é mau para a democracia”.

Inês Sousa Real, líder do PAN, diz que Marcelo “apesar de dizer que não pretende ser um fator de instabilidade para o país, é inevitável olhar para 2021 e não assumir como uma precipitação o facto de ter dissolvido o governo, alegando que o país não podia esperar por um orçamento de estado, que só veio a entrar em vigor em finais de junho de 2022, sobretudo perante o atual quadro de instabilidade política”.

“O mandato e Marcelo Rebelo de Sousa (…) fica ainda marcado pela ida ao Qatar ou declarações menos felizes no que respeita aos abusos cometidos no seio da Igreja Católica (…) e aquém em matérias como o ambiente (…) e também em matéria de proteção animal não compreendemos a quase ausência de referência no discurso do Presidente”, acentua.

Rui Tavares, do Livre, diz que se no primeiro mandato “Marcelo Rebelo de Sousa mostrou ser capaz de acompanhar a novidade da Geringonça com compreensão e sentido de imparcialidade”, já neste segundo “a tarefa é muito mais difícil, entre uma maioria absoluta do PS mais instável do que os dois governos anteriores do mesmo partido e uma direita cada vez mais cooptada pelo seu extremo”.

Tradução? Há “uma crise de representação democrática, pela polarização e por desequilíbrios do sistema em particular quando os antigos partidos do centro se deixam cooptar por uma extrema-direita autoritária”.

Fonte: Diário de Notícias / Portugal

Crédito da imagem principal: Jorge Amaral / Global Imagens