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UE. Aprovado mega pacote de reforço das indústrias de Defesa

Ao todo, são 300 milhões, com um objetivo comum: reforçar a indústria de Defesa na União Europeia (UE), através de contratos públicos comuns, até ao final de 2025.

A intenção é preencher as lacunas que existem no setor – e que ficaram mais patentes com o envio de equipamentos, munições e veículos para a Ucrânia, depois da invasão. E, ao mesmo tempo, garantir mais autonomia à UE e aos Estados-membros neste setor.

“Apesar de não ser um projeto pioneiro, o modelo de contratação e de compras é inovador. Essa metodologia é interessante”, destaca ao DN o eurodeputado português Carlos Zorrinho (PS), que foi relator-sombra da proposta.

A forma de contratação, diz, “é uma lição que se retirou da pandemia, quando a UE optou pelas compras conjuntas e correu bem, sendo criada uma cultura de articulação”. “Espero, também, que possa inspirar o Programa Europeu de Defesa, que será apresentado em breve. Isto cria uma cultura de articulação. É um passo, se quisermos, na direção daquilo a que se podia chamar uma união de Defesa”, acrescenta.

Um dos correlatores da proposta, o alemão Michael Gahler, eleito pela CDU (de centro-direita), refere que “é, na verdade, a primeira vez que se dá a possibilidade a Estados-membros de, em conjunto, adquirirem produtos de Defesa em conjunto”.

Assumindo, no entanto, que 300 milhões de euros na área de Defesa “não é muito”, o alemão espera que “as verbas sejam utilizadas” pelos países. Carlos Zorrinho acrescenta: “Mais do que as verbas, o significativo aqui é o teste de uma metodologia colaborativa, que envolve as empresas europeias de Defesa – não só as grandes, mas também as PME. Cria uma rede que será uma base para uma possível união de Defesa”.

Segundo a proposta aprovada, cada aquisição conjunta tem de envolver pelo menos três Estados-membros, devendo estar também abertas à participação de membros da Associação Europeia de Comércio Livre e de países do Espaço Económico Europeu. Além disso, os contratantes e o subcontratantes têm de estar localizados na União Europeia ou num país associado que não esteja sob controlo de terceiros ou uma entidade não-associada.

Para cada ação, a União Europeia só poderá contribuir financeiramente com 15% do valor estimado do contrato comum. Mas há uma exceção: se a Ucrânia e a Moldávia foram beneficiárias de quantidades adicionais de produtos de Defesa a percentagem de participação da União Europeia poderá vir a aumentar, passando para os 20%.

“Infelizmente, precisámos desta guerra bárbara e descabida para perceber que eram necessárias aquisições conjuntas que, até do ponto de vista operacional e logístico, acabam por beneficiar os Estados-membros”, considera Michael Gahler, eurodeputado alemão eleito pela CDU.

Há uma semana, a proposta foi aprovada com 530 votos a favor, 66 contra e 32 abstenções.

Decisão influenciada pela guerra na Ucrânia

Apesar de só ter sido viabilizada no passado dia 12 de setembro, a proposta tem a sua origem em maio deste ano, quando começou a ser negociada juntamente com o Conselho Europeu. E, como assumem os eurodeputados ouvidos, a decisão, foi, naturalmente, uma consequência do início da invasão russa”.

“Até porque, desde o início do conflito, a União Europeia já enviou diversos equipamentos militares, como tanques e carros de combate. À Ucrânia, Bruxelas prometeu também o envio, até início de 2024, de um milhão de munições de grande calibre.

Além disso, alguns Estados-membros, como a Alemanha, aumentaram os gastos em Defesa para tentar chegar ao objetivo delineado pela NATO (2% do Produto Interno Bruto, PIB, deve ser para gastos de defesa). Em 2022, o governo de Scholz decidiu aumentar o valor total para a Defesa, passando a gastar quase 52 mil milhões de euros no setor. No caso português, o valor-referência dos 2% do PIB só deverá ser alcançado em 2030.

“É óbvio que a UE precisa ter voz no contexto da parceria com a NATO. Até para defender a paz, é necessária mais capacidade de intervenção, mais voz e autossuficiência, nas várias alianças em que participamos”, afirma Carlos Zorrinho, eurodeputado português, eleito pelo PS.

Ainda assim, assume Michael Gahler, a aprovação deste pacote de Defesa pode dar uma imagem de força aos parceiros internacionais. “Estou convencido que temos de ser melhores dentro da UE e, também, junto dos Estados Unidos. Não podemos continuar a ser vistos como parceiros inúteis, pelo contrário”, afirma. O eurodeputado relembra que “com a adesão próxima da Suécia, 95% da União Europeia fará, também, parte da NATO”. Isto, defende, “beneficia a convergência” entre as partes.

Carlos Zorrinho concorda: “É óbvio que a UE precisa ter voz no contexto da parceria com a NATO. Até para defender a paz, é necessária mais capacidade de intervenção, mais voz e autossuficiência, nas várias alianças em que participamos. Para que, nesses contextos, possamos aplicar a nossa mensagem de não-aplicação da força e de procurar caminhos para a paz.”

Ao que tudo indica, também, com este modelo de contratação – e as respetivas regras -, as empresas europeias de Defesa podem sair beneficiadas. Olhando para o panorama internacional, só três das 15 mais poderosas empresas do setor pertencem a Estados-membros.

Mais 500 milhões para produção de munições

Praticamente ao mesmo tempo, os eurodeputados trabalharam noutra proposta – a Ação de Apoio a Produção de Munições (ASAP, na sigla em inglês). Neste caso, o valor será mais alto: 500 milhões de euros.

Aprovada pelo Conselho da União Europeia desde julho (já na presidência espanhola), a proposta foi confirmada pelos eurodeputados. Aguarda, agora (tal como o pacote de 300 milhões), luz verde do Conselho Europeu para entrar em vigor.

Não obstante a diversidade de opiniões e interesses geopolíticos dentro da União, a negociação foi relativamente fácil, diz o eurodeputado alemão:

“A Comissão já tinha a legislação pronta desde o ano passado, o Conselho foi também relativamente rápido. No Parlamento, as coisas aconteceram um pouco mais devagar. Não sabíamos muito bem quem devia pegar no tema, se a comissão de Defesa, se Indústrias ou, até, tendo em conta que se trata de aquisições conjuntas, a comissão de Mercados Internos e Direitos do Consumidor. Perderam-se meses, aí. Mas, por outro lado, a negociação, em termos de conteúdo da proposta, não foi difícil.”

“Não há nenhuma intenção de ser neutral [na Ucrânia]”

Com a produção de munições e de mísseis a ser reforçada – juntamente com as verbas destinadas ao reforço das indústrias de Defesa – pode então haver discursos dissonantes dentro da União, apelando à paz e acusando a UE de instigar o conflito?

“Não podemos ser neutros neste conflito. É um tipo de conflito em que nenhuma neutralidade é possível. É um conflito entre a soberania e a invasão, de valores e de princípios. Infelizmente, a paz, muitas vezes, tem de ser conquistada através da capacidade de dissuasão. E essa capacidade, juntamente com a de contraofensiva da Ucrânia, é absolutamente fundamental para os princípios, os valores e continuidade da União Europeia”.

“Não há nenhuma intenção de ser neutral neste conflito. Se houvesse uma forma de conseguir a paz que não tivesse de ter esta capacidade militar, acho que todos nós preferiríamos. Mas, perante isto, teve de ser um procedimento excecional, com um apoio enorme de todo o Parlamento”, diz Carlos Zorrinho.

Para Michael Gahler há, também, outra lição que se deve retirar: a de que “uma União Europeia unida é mais forte”, tal como na pandemia. “É um exemplo de como juntos somos mais fortes. Se durante a covid-19 tivéssemos adotado a filosofia de cada um por si, a União ter-se-ia desintegrado”. 

“O mesmo acontece agora. Espero que, agora, com o apoio popular dado às medidas tomadas na UE após a invasão da Ucrânia, possamos mostrar que, por um lado, estamos mais unidos e que, por outro, somos parceiros confiáveis”.