A oferta de casas nas duas principais cidades do país está muito longe de se adequar ao rendimento da classe média portuguesa. Só 5% dos imóveis à venda em Lisboa estão no mercado a preços comportáveis para estas famílias. No Porto, são 11%.
Estas estatísticas são da rede imobiliária Century 21, que concluiu que o preço de uma habitação acessível a esta franja populacional está entre os 120 mil e os 190 mil euros. É a confirmação do desajustamento entre as necessidades da generalidade dos portugueses e a aposta das promotoras nos últimos anos, mas também da parca carteira imobiliária existente.
Os dados não dão margem para dúvidas. Em Lisboa, 77% das casas que estão à venda só estão acessíveis a famílias com um rendimento anual líquido superior a 32 500 euros. São residências com preços a partir dos 330 mil euros.
No Porto, a dimensão da oferta para os agregados mais ricos não é tão significativa como na capital, mas, ainda assim, é quase metade do número de imóveis à venda (49%).
Segundo Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal, este quadro tem origem na “crise financeira global e no período de intervenção da troika”, que “levou os promotores imobiliários e investidores a apostar num segmento de mercado e perfil de clientes com rendimentos mais elevados, que não estariam tão dependentes do acesso ao crédito habitação”.
Como recorda, nesses anos, a banca restringiu fortemente a concessão de empréstimos. E, logo depois de passada a tempestade, registou-se “uma procura robusta”, já num enquadramento de maior qualidade e valor dos edifícios e das áreas urbanas dos centros das cidades.
Os ativos continuaram assim a valorizar, num movimento que foi ainda agravado pelo aumento dos custos de construção e reabilitação dos últimos anos.
Baixos salários
Sem sentenças definitivas, Ricardo Sousa admite que a forte relevância da oferta no segmento premium “pode ser um reflexo tanto da presença de stock de imóveis não escoado como da atratividade contínua destas áreas urbanas para um nicho de mercado específico”.
Mas, para o gestor, a problemática nestas duas cidades não é apenas a estrutura da oferta. Há que notar que “o rendimento médio líquido mensal do agregado familiar aumentou muito pouco nos últimos anos”, aponta.
“Em 2023, eram 1973 euros e 1775 euros em Lisboa e no Porto, respetivamente, que comparam com 4327 euros em Madrid e 4068 euros em Barcelona.”
Neste panorama, a classe média portuguesa continua a ser empurrada para a periferia dos grandes centros urbanos, onde se concentra o emprego.
Mas sem grandes respostas. O estudo da Century 21 conclui que, na Área Metropolitana de Lisboa (AML), 33% da oferta enquadra-se nos rendimentos deste segmento populacional. Na Área Metropolitana do Porto (AMP), 41% das casas têm preços adequados à classe.
Este ajustamento entre o valor do imóvel e os rendimentos anuais, tem conduzido cada vez mais famílias a encontrar uma solução nas zonas periféricas e suburbanas.
São áreas onde o custo de vida é mais compatível com os seus salários, mas que implicam “compromissos em termos de tempo de deslocação e conveniência devido as limitações de mobilidade urbana atuais”, diz Ricardo Sousa.
Mobilidade difícil
Na sua opinião, “este fenómeno reforça a necessidade de uma abordagem mais integrada ao planeamento urbano e de transportes, visando uma maior coesão territorial e a sustentabilidade das cidades e suas periferias”, pois existem “grandes ineficiências na mobilidade urbana” na AML e AMP.
Como revela, “são os concelhos com um serviço mais ineficiente de transportes públicos os que apresentam uma oferta superior de imóveis com valores mais baixos, como por exemplo o Concelho de Loures e outros da Margem Sul do Tejo”.
As mesmas debilidades são identificadas na AMP, mas na “Região Norte existe um serviço de comboios urbanos mais completo e abrangente, permitindo às famílias e jovens ter mais opções e mais acessíveis de habitação – seja para sul até Aveiro, a norte até Braga, Guimarães e Marco de Canavezes -, bem com linhas de metro de superfície que ligam a cidade do Porto a diferentes concelhos, como Póvoa de Varzim, Maia, Gondomar, Gaia e Valongo”, considera o CEO da Century 21.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Gerardo Santos / Global Imagens