Por volta de 30 dias da extinção do SEF, os seus inspetores foram surpreendidos com o facto de a nova Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) – que herdaria apenas as funções administrativas – afinal também precisar destes polícias para a instrução dos pedidos de asilo, uma vez que ainda não foi dada formação nesta matéria aos funcionários civis que para ali vão transitar a 29 de outubro.
Se o dia de extinção do SEF fosse hoje, a nova Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) teria já para decidir, pelo menos, cerca de 270 mil pedidos de visto de residência.
De acordo com inspetores e pessoal administrativo que acompanham esta matéria, será este o número aproximado – o SEF não revela com rigor esta informação – de manifestações de interesse (MI) registadas no portal SAPA (Sistema Automático de Pré-Agendamento) e que dizem apenas respeito aos regimes de exceção (artigo 88 e 89 da Lei de Estrangeiros) que permitem a obtenção de uma autorização de residência para trabalhar a quem apresente um contrato e descontos de um ano para a segurança social, mesmo a quem entrou ilegalmente no país.
Fonte oficial do SEF reconhece que o volume destas manifestações de interesse sucedem a um ritmo “médio diário de 1000 pedidos de apresentação de MI no portal SAPA” e embora boa parte (o SEF também não diz que percentagem) não seja concluída por falta de entrega dos documentos requeridos, desde que esta norma entrou em vigor em 2017, tem sido esta a principal fonte dos atrasos nos agendamentos do SEF.
Ainda assim, a população estrangeira com a situação legalizada em Portugal, duplicou desde 2016, alcançando no final de 2022, mais de 700 mil residentes.
Por altura do início da pandemia, em 2020, recorde-se, havia mais de 300 mil manifestações de interesse paradas, de estrangeiros que se tinham começado a registar em 2017/2018 logo que a nova lei entrou em vigor.
30 mil manifestações de interesse por mês
“Nessa altura, o SEF começou a fazer agendamentos por ordem cronológica de registos e limpou a lista até, pelo menos, fevereiro de 2022, tendo sido chamados os que tinham feito o seu pedido até essa data e ainda se encontravam no país. Conseguimos regularizar cerca de 150 mil e cerca de 140 mil aproveitaram os novos vistos de mobilidade CPLP”, sublinha uma das fontes referidas.
Perante a cadência média de mil novas MI por dia (30 mil por mês), assumidas oficialmente pelo SEF, é possível que a 29 de outubro, quando a transição para a AIMA se concretizar, o volume de processos pendentes seja ainda superior aos atuais 270 mil, “cuja análise e decisão”, afirma fonte oficial, “ocorre em momento posterior e através do agendamento para atendimento presencial”
“É nesta altura, acrescenta, “que é realizada a recolha de dados biométricos” e “no momento da análise e decisão pelo SEF, esses documentos são verificados pelo Serviço e, caso não esteja reunida toda a documentação necessária, o requerente é notificado para a apresentar mais tarde”.
No âmbito desta regra de exceção, a dos artigos 88 e 89, que uma recente investigação judicial – que desmantelou uma rede de auxílio à imigração ilegal da Índia – identificou como fator agravante de fluxos migratórios irregulares para o nosso país, o porta-voz oficial do SEF não revela quantos imigrantes foram, de facto, regularizados.
Numa resposta pouco clara refere apenas que “a implementação, em março deste ano, do novo modelo de concessão de Autorização de Residência a cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (AR CPLP) permitiu recuperar cerca de 150 mil das MI pendentes.
A par da resolução das situações, cujos requerentes optaram pelo modelo de AR CPLP, já foram notificados mais de 160 mil dos cidadãos que efetuaram os respetivos pedidos de MI”.
Completa ainda a mesma fonte oficial que “o SEF já disponibilizou, para efeitos de recuperação dos pedidos pendentes de MI, mais de 278 mil vagas para atendimento nos seus vários balcões – havendo 13 500 vagas livres para as várias modalidades de Autorização de Residência e serviços conexos”.
As perguntas sobre o número total de processos (autorizações de residência e pedidos de asilo, principalmente) que transitarão para a AIMA, a percentagem de MI que são excluídas de agendamentos e o aumento provocado pela entrada em vigor dos novos vistos CPLP e dos vistos para procura de trabalho, ficaram sem resposta.
O ministério dos Negócios Estrangeiros também não revela o número destes últimos tipos de visto que foram pedidos nos consulados portugueses destes países.
Afinal AIMA terá ainda polícias
Entretanto, quando faltam apenas cerca de 30 dias para a extinção do SEF, os seus inspetores foram surpreendidos com o facto de AIMA – que herdaria apenas as funções administrativas – afinal também precisar destes polícias para a instrução dos pedidos de asilo, uma vez que ainda não foi dada qualquer formação nesta matéria aos funcionários civis que transitam para a agência.
Uma situação que o presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização, Rui Paiva, que representa a maioria dos inspetores, considera um “paradoxo face aos propósitos políticos” desta reforma (separar as funções policiais das administrativas) e nem sequer tem, na sua opinião, enquadramento legal (ver entrevista aqui).
Por seu turno, o presidente do Sindicato dos Funcionários do SEF, que representa os quadros não policiais deste serviço de segurança, lamenta que não tenham dado ouvidos aos seus apelos há mais tempo.
“Várias vezes alertámos que as questões do asilo não deviam estar só nas mãos de inspetores e que era preciso fazer a formação para essa transição. Foi-nos garantindo que ia acontecer, que ia mudar, mas o Conselho Diretivo da AIMA só tomou posse há cerca de um mês e não houve tempo”, sublinha Artur Jorge Girão.
Estima ainda que esta formação, que implica a aprendizagem de um vasto conjunto de legislação nacional e internacional, diretivas europeias, conhecimento da situação dos países de origem, entre outros, “terá uma duração de seis meses a um ano”, sendo que, neste período de tempo, pelo menos, a AIMA terá de contar com inspetores (já da PJ nessa altura) para a continuidade deste trabalho.
Para isso deverão ser afetados transitoriamente à Agência cerca de uma dezena de inspetores que neste momento estão afetos ao Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF.
Segundo a lei orgânica do serviço, entre as várias responsabilidades que assumem compete-lhes “organizar e instruir os processos de asilo; os processos de concessão de autorização de residência por motivos humanitários; emitir parecer sobre os pedidos de reinstalação de refugiados e sobre os pedidos de concessão e prorrogação de documentos de viagem para refugiados, apresentados nos postos consulares portugueses; emitir cartões de identidade e títulos de viagem para refugiados, bem como conceder as autorizações de residência previstas na lei de asilo e renovar ou prorrogar os referidos documentos; e assegurar a ligação do SEF com o Gabinete Europeu de Apoio em Matéria de Asilo (EASO)”.
Segundo o SEF, em 2022 foram recebidos e tratados 1991 pedidos de proteção internacional e 1547 em 2023, até final de agosto.
Questionado pelo DN, o gabinete da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, que tutela a AIMA, sobre o número de inspetores que iriam ainda prestar serviço na Agência, bem como sobre o plano de formação e a articulação com o Sistema de Segurança Interna (SSI), deu a seguinte resposta:
“A instrução dos procedimentos administrativos atribuídos à AIMA serão da competência dos trabalhadores da AIMA, que serão, sempre que isso se revele necessário, devidamente formados para a execução das suas tarefas, designadamente as relacionadas com as medidas a adotar no caso de a Unidade de Coordenação de Estrangeiros e Fronteiras (SSI) detetar factos que exijam uma ação especial.
A AIMA manterá os inspetores que, nos termos da lei e da estratégia que presidirá à ação deste organismo, devam continuar a exercer funções na nova agência. A AIMA privilegiará a prestação de serviços num modelo omnicanal em que os diversos canais, digital, presencial e telefónico funcionem de forma integrada e complementar.
A melhoria dos procedimentos, o investimento no canal digital e a gestão integrada da procura permitirão, rapidamente, melhorar a qualidade do serviço prestado aos utentes dos serviços da AIMA”.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Gerardo Santos / Global Imagens