O problema não é novo no Algarve, mas a situação atual é a “pior de sempre”, alertou esta semana o vice-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), José Pimenta Machado.
Com o conjunto de albufeiras da região a 25% da sua capacidade, contabilizando menos 90 hectómetros cúbicos (hm3) face há um ano, o Algarve debate-se, uma vez mais, com escassez de água e o inverno que ainda agora alvoreceu, não se crendo em milagres, pode vir a fazer-se de medidas mais restritivas no que toca ao consumo deste recurso, um cenário que está a preocupar os mais diversos setores da economia ouvidos pelo DN / Dinheiro Vivo.
De acordo com os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2021, a região algarvia registou um Produto Interno Bruto (PIB) na ordem dos 9,2 mil milhões de euros, refletindo 4,3% do resultado nacional, enquanto o Valor Acrescentado Bruto (VAB) – que desconta o valor dos bens e serviços utilizados para consumo intermédio na produção – ascendeu aos oito mil milhões: 83% foram gerados pelos serviços, 12% pela indústria e 5% pela agricultura. Note-se que o peso da primeira rubrica contrasta com a média nacional de 75%, em resultado do forte desempenho da atividade turística.
Com um extenso contributo para a economia, o turismo responsabiliza-se por 12% do consumo de água em todo o Algarve, segundo as estimativas da APA. Perante a “situação difícil” que o território atravessa, causada pela “falta de resolução do problema nas últimas décadas”, o setor não se tem escusado a fazer o seu trabalho, assegura o presidente da Região do Turismo do Algarve (RTA), André Gomes, revelando que, fruto dos investimentos realizados pelos empresários nas suas unidades, mais de 73% da hotelaria da região tem hoje medidas implementadas para uma melhor gestão da água, seja por via de campanhas de sensibilização contra o desperdício ou até mesmo de equipamentos.
Ainda que, com dificuldade e apreensão, aponta o responsável, os agentes turísticos terão cumprido com as determinações impostas pelo Governo em junho passado, nomeadamente a indústria do golfe, que viu as quotas de rega reduzirem-se para 20% – ou 50%, no caso de propriedades com capacidade para reutilização de águas residuais, as denominadas APR.
Dos cerca de 90 campos que compõem a oferta nacional, praticamente metade estão concentrados no Algarve, eleito este ano o melhor destino de golfe do mundo. Isoladamente, a atividade regista um consumo anual de 6%, pelo que, aos olhos de Frederico Brion Sanches, membro da direção do Conselho Nacional da Indústria de Golfe (CNIG), “considerá-la o elefante na sala não faz sentido”.
“Logicamente, todas as poupanças que possam ser feitas são importantes e os proprietários dos campos são quem mais se preocupa com o consumo de água, até porque é um custo relevante nas despesas [cerca de 30%, considerando todo o sistema, estima], mas os cortes foram dramáticos”, aponta o dirigente.
O caso mais gritante é o de Palmares, que já rega abaixo do mínimo há meses e todos os dias tem de explicar aos clientes o porquê de o campo estar em condições atípicas. “Ainda não foi afetado financeiramente, mas se falarmos daqui a um ano, provavelmente a conversa será outra.”
O défice hídrico nos campos de golfe algarvios tem sido constante e está em contraciclo com a conjuntura espanhola, que tem apostado cada vez mais na qualidade dos relvados e nos preços competitivos. Frederico Brion Sanches deixa o alerta:
“Se tivermos de fechar a torneira, todos os setores vão sofrer”, os adjacentes ao golfe – como a restauração, hotelaria e rent-a-car – inclusive, tendo em conta que a estada média de um jogador se situa entre as quatro e as sete noites. O risco de os clientes fugirem para o país vizinho já no próximo verão, assevera, é real.
Confrontado com a possibilidade de novos cortes em janeiro, o dirigente admite que a indústria que representa não tem capacidade para suportar mais restrições, encontrando-se já “no borderline, praticamente a ir para o fundo” – o golfe, assim como o restante setor turístico, acrescenta, tem dado o seu contributo, acatando “reduções [de quotas] muito maiores” do que outras áreas de atividade.
O turismo, garante André Gomes, está preparado para os cenários atuais e futuros. No entanto, o líder da RTA não deixa de assinalar que, a acontecer, o impacto da falta de água na operação do próximo verão “seria e será sempre enorme”.
O que esperam estes responsáveis, registam, é ver os pares, “que representam o maior consumo de água na região” – entenda-se o campo doméstico e a agricultura – “a fazerem o mesmo trabalho”. José Apolinário, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, concorda, em parte, porquanto diz ser necessário aumentar a informação junto dos cidadãos, isto é, “reforçar as campanhas de sensibilização de gestão inteligente da água”.
Confiando que a região está preparada para adotar medidas mais restritivas, a entidade aguarda que a APA, em articulação com os diferentes setores, tome as rédeas do problema para, o quanto antes, “salvaguardar o acesso à água de consumo humano e a atividade económica” algarvia.
A agricultura, pela voz de Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), por seu turno, lamenta o inevitável “extermínio” de uma atividade tão significativa por um só único motivo: “Falta de vontade política”. A escassez de água, segundo o seu depoimento, tem causado incontáveis prejuízos às pessoas que se dedicam à produção agrícola, nomeadamente às culturas fortes da região, como é o caso da laranja, dos frutos vermelhos e do abacate – que terão registado uma quebra da quantidade produzida equiparada à redução da quota para rega (50%).
“O Governo limita-se a responder a esta situação da única forma que conhece: com a redução do consumo de água. A alternativa seria aumentar a disponibilidade deste recurso. Houve anos em que faltou dinheiro, mas, agora, com a disponibilidade de verbas provenientes do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), só há falta de vontade política”, nota o representante dos agricultores. Para a resolução do problema, o que afincadamente defende é uma rede nacional de distribuição de água, que permita “trazer água de onde chove, para onde há falta dela”.
Com um consumo médio de água a rondar os 60% no Algarve, segundo indicação da CAP, o setor agrícola antecipa improvável a sua sobrevivência ou sustentabilidade, caso o cerco estreite. Desde logo, por não ser possível “ter condições de competitividade com os espanhóis para produzir ao mesmo preço e quantidades”, depois “por sem água não se produzirem alimentos sequer”. As perspetivas deixadas por Luís Mira não são, de facto, as mais positivas: o impacto económico ao nível regional vai ser grande e, lamentavelmente, empresas terão de fechar. “Quando não se criam condições para a atividade agrícola, a opção que resta é abandonar”, remata.
José Pimenta Machado já fez saber que o plano de contingência, que deverá ser apresentado ainda no decorrer deste mês, vai penalizar mais a agricultura.
Embora as quotas ainda estejam a ser definidas em conjunto com os atores locais, o presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), António Miguel Pina, apontou à agência Lusa cortes na ordem dos 70% para o setor agrícola e dos 15% para os consumidores urbanos – os últimos, a quem a prioridade de consumo será dada, segundo a APA.
Diria Frederico Brion Sanches que este é um problema que não se resolve “com medidas avulsas”, devendo ser enfrentado com projetos de fundo, que produzam resultados no longo prazo. Sem exceção, os representantes dos diversos setores, aos quais se junta Vítor Neto, presidente do NERA – Associação Empresarial da Região do Algarve, pedem “respostas urgentes” e recordam a “oportunidade única de mudar alguns paradigmas” em Portugal, nomeadamente ao nível da concretização de investimentos além da dessalinizadora em Albufeira, como é exemplo uma ligação ao Alqueva.
O tempo é escasso e o atraso na execução do PRR a todos preocupa, nomeadamente a capacidade de utilização dos fundos.
Fonte e crédito da imagem: Diário de Notícias / Portugal