Augusto Santos Silva foi esta terça-feira ouvido pelos deputados que integram a comissão parlamentar de inquérito (CPI) em torno do caso das gémeas luso-brasileiras, numa sessão que não chegou a uma segunda ronda de perguntas e muito marcada pelas diferenças entre o antigo ministro dos negócios estrangeiros e o presidente do Chega, André Ventura.
A insinuação de que Augusto Santos Silva, ao deslocar-se ao Parlamento, por prescindir da prerrogativa que lhe permitia responder à CPI por escrito, que é seu direito por ser ex-presidente da Assembleia da República, seria motivada pela intenção de “extrair algum tipo de posição política” foi avançada pelo deputado do PSD António Rodrigues.
O deputado social-democrata lembrou as posições de Augusto Santos Silva no Parlamento face ao Chega e questionou-o nesse sentido.
“Não sou capaz desse maquiavelismo”, respondeu Augusto Santos Silva, que antes afirmara que tinha decidido ir pessoalmente ao Parlamento para responder na CPI por “curiosidade”.
“O meu depoimento era obrigatório e se não o prestasse ocorreria num crime”, completou o ex-presidente da Assembleia da República, acrescentando que não ocupa “nenhum lugar institucional”.
“Sou um simples particular”, continuou.
António Rodrigues, por seu turno, acabou por dizer que a curiosidade de Augusto Santos Silva também motivou a curiosidade dos deputados em ouvi-lo sobre o caso das gémeas.
“Não houve qualquer interferência política no meu tempo em que fui ministro dos Negócios Estrangeiros”, reafirmou Augusto Santos Silva, depois de, no seu depoimento inicial, ter confirmado, de acordo com os registos do Ministério dos Negócios Estrangeirios, que solicitou ao gabinete do atual ministro, que não há “qualquer documento que refira” o seu “nome ou a intervenção do seu gabiente no consulado geral de São Paulo.
“A partir do momento em que se constituiu uma comissão de inquérito, não fiz nenhum contacto com ninguém acerca deste assunto, a não ser com o gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros para solicitar a documentação”, reforçou Augusto Santos Silva, que também já tinha esclarecido que não teve nenhum contacto com Nuno Rebelo de Sousa sobre o caso.
Sobre a reação de Augusto Santos Silva a este caso nas redes sociais, António Rodrigues questionou o antigo governante socialista sobre que sentido faria estar a pronunciar-se a propósito desta matéria.
“Liberdade. Posso pronunciar-me acerca deste assunto ou de qualquer outro que queira”, disse Augusto Santos Silva, parafraseando as suas declarações anteriores numa rede social. “O doutor Lacerda Sales é uma das pessoas mais íntegras que conheci ao longo de toda a minha vida pública”, lembrou.
Augusto Santos Silva ainda lembrou António Rodrigues que não lhe tinha sido feita nenhuma pergunta sobre o caso das gémeas, em concreto, e questionou a importância da sua presença na CPI.
Depois de o deputado do PS João Paulo Correia ter destacado que esta “acaba por ser uma audição com uma motivação política”, e que “não é a primeira vez que esta comissão parlamentar de inquérito tem sido vítima de uma agenda política”, Augusto Santos Silva disse que não lamenta “estar presente no Parlamento depondo numa comissão parlamentar”.
“Faz parte das obrigações” de qualquer cidadão, concluiu.
Na sua vez de inquirir o depoente, André Ventura começou por dizer que Augusto Santos Silva “deu uma lição” a António Costa por não não recorrer à prerrogativa que lhe permitiria responder por escrito.
“Na minha opinião o presidente do Conselho Europeu eleito não é um simples particular”, respondeu Augusto Santos Silva.
Sobre o objeto da audição, o líder do Chega questionou o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros sobre queixas que chegaram ao consulado geral de São Paulo, de onde terá partido o pedido de nacionalidade das crianças luso-brasileiras, relativas à venda de senhas para marcações, feitas por redes criminosas.
“Sim, claro, e não só recebi as queixas como procurei responder a essas queixas”, justificou Augusto Santos Silva, explicando que “os procedimentos para acelerar os prazos motivaram eles também queixas, nomeadamente de funcionários”, que por sua vez originou uma investigação, da qual surgiu um conjunto de recomendações que o antigo cônsul Paulo Lourenço aplicou.
Como o antigo governante disse que não tinha pedido essa documentação ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, André Ventura pediu à mesa que os serviços da CPI solicitasse essa documentação.
André Ventura, lembrando que Augusto Santos Silva dissera, no início da audição que só teve conhecimento do caso através da reportagem que passou na televisão, questionou o antigo governante sobre os contactos que fez para perceber o que tinha acontecido.
Nenhum, confirmou Augusto Santos Silva. “Não, porque confio em mim próprio, confio no gabinete, confio nos colaboradores e acima de tudo confio nas instituições”, acrescentou.
“Não é um bom princípio”, retorquio o deputado do Chega.
“Por causa da convocatória, tive acesso a documentação e não encontrei qualquer irregularidade”, justificou ainda o antigo ministro, acabando por dizer a André Ventura que “é esta confiança nas instituições que” os distingue.
“O senhor deputado procede assim, imagina coisas”, continuou o ex-presidente do Parlamento.
“Não cura de saber se são verdadeiras ou são falsas”, afirmou.
“Eu não procedo assim”, concluiu.
Augusto Santos Silva foi ouvido esta terça-feira a propósito do caso das gémeas luso-brasileiras tratadas em 2020 no Hospital de Santa Maria com o medicamento Zolgensma, que custou, na totalidade, quatro milhões de euros.
Augusto Santos Silva, na altura dos factos, era ministro dos Negócios Estrangeiros.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Paulo Spranger