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Rendas, benefícios fiscais e uma revolução no licenciamento: as medidas do governo para a habitação

Com o problema do acesso à habitação a assumir grandes proporções no país, o governo avançou ontem com um pacote de medidas de 900 milhões de euros para tentar mitigar as crescentes dificuldades dos portugueses para arrendar ou garantir o pagamento do empréstimo da casa.

Num pacote que inclui apoios mais diretos (e limitados) às rendas ou ao pagamento de juros, e benefícios fiscais aos senhorios, surgem também medidas mais inesperadas como o fim das autorizações camarárias aos licenciamentos ou um regime de “arrendamento compulsivo” de casas devolutas.

António Costa, que apresentou o plano no Palácio da Ajuda, ladeado pela ministra da Habitação, Marina Gonçalves, e pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, chamou-lhes “medidas disruptivas”. Já a oposição guardou outros adjetivos para o programa apresentado pelo primeiro-ministro, com o PSD a falar em medidas “estatizantes”, o Chega num “modelo de atraso” e a Iniciativa Liberal numa “agressão insustentável” à propriedade privada”.

À esquerda, o PCP apontou o programa do governo como um conjunto de “borlas fiscais para os grandes detentores do património imobiliário”. Também para o BE trata-se de uma “transferência de rendimentos para os bancos e para os interesses imobiliários”.

Intitulado “Mais Habitação”, o programa apresentado por António Costa vai agora a consulta pública, pelo período de um mês, e voltará a Conselho de Ministros para aprovação final a 16 de março. Mas boa parte das medidas segue para aprovação parlamentar, dado serem matérias da competência da Assembleia da República.

Apoios às rendas e o regresso de juros bonificados

Dividido em cinco eixos estratégicos, o plano do Executivo propõe-se aumentar o número de imóveis afetos a uso habitacional; simplificar os processos de licenciamento de construção, aquisição e utilização de habitação; aumentar a oferta de fogos para arrendamento habitacional; combater a especulação; e apoiar as famílias.

É neste último eixo que cabem os apoios mais diretos a inquilinos e titulares de empréstimos à habitação. Segundo avançou ontem António Costa, o governo vai bonificar a taxa de juro dos créditos à habitação até 200 mil euros, de agregados familiares tributados até ao sexto escalão do IRS (rendimentos coletáveis até aos 38 632 euros) e que tenham registado um aumento que supere os testes de stress realizados aquando da contratação do empréstimo – a bonificação será de 50% sobre o montante “que esteja acima do valor máximo” registado nos testes.

Uma medida temporária limitada a um benefício máximo de 720 euros. Prevista fica ainda a obrigatoriedade de os bancos oferecerem empréstimos a taxa fixa aos clientes. E a isenção de mais-valias para amortização do crédito à habitação do próprio ou de descendentes – até agora as mais-valias não eram sujeitas a imposto desde que usadas, num período de três anos, para adquirir casa própria, o que passa a ser extensível à compra de casa dos filhos.

Ainda neste capítulo, mas em relação às rendas, é criada a possibilidade de uma comparticipação mensal até um máximo de 200 euros, quando os inquilinos tenham uma “taxa de esforço superior a 35%” e a renda da casa esteja dentro dos valores fixados pelo IHRU para o respetivo concelho e para agregados familiares com rendimentos até ao sexto escalão do IRS (os mesmos 38 632 euros).

Estado paga rendas de inquilinos incumpridores

No terceiro eixo de ação, que visa aumentar o número de casas no mercado de arrendamento, estão algumas das medidas mais emblemáticas – e mais polémicas – do pacote ontem apresentado pelo governo. A começar pelo facto de o Estado se substituir aos proprietários no despejo de inquilinos que não paguem a renda por um período de três meses. 

Nestas circunstâncias será o Estado a garantir o pagamento das rendas ao senhorio e o posterior despejo – se for caso disso – do arrendatário.

Ou seja, se as razões para o incumprimento no pagamento de renda se prenderem com uma razão “socialmente atendível” o inquilino poderá ser apoiado ou mesmo realojado. Caso contrário será despejado pelo Estado. Uma medida que António Costa justificou com a necessidade de dar confiança aos senhorios, ainda que sublinhando que a “taxa de incumprimento no pagamento da renda é extremamente diminuta”.

Para além desta medida e com o mesmo objetivo de colocar mais casas no mercado, o governo “propõe-se arrendar casas” aos proprietários “dentro de preços normais, pelo prazo de cinco anos” e pagando um ano de rendas antecipadamente, para depois as subarrendar a rendas acessíveis. No mesmo eixo está também prevista isenção do imposto de mais-valias para quem venda imóveis ao Estado ou às autarquias.

Outra medida que promete polémica será a criação de um regime de “arrendamento compulsivo” das casas devolutas, em que as autarquias pagarão ao “proprietário a renda devida”, e farão depois subarrendamento a preços acessíveis.

Fim de novas licenças de AL

No âmbito do pacote de medidas para a habitação, o governo vai também proibir a emissão de novas licenças de alojamento local, uma medida generalizada que terá como exceção um conjunto de concelhos do interior do país.

As atuais licenças serão reavaliadas em 2030 e, posteriormente, de cinco em cinco anos. O setor do Alojamento Local ficará ainda sujeito a uma contribuição extraordinária que reverterá a favor do IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana), para apoiar as políticas de habitação. Por outro lado, os proprietários de alojamento local que transfiram imóveis para o arrendamento tradicional beneficiarão de taxação zero em rendimentos prediais até 2030.

Decisões que já vieram merecer a contestação do setor, que alega que “todas estas medidas irão criar não só uma enorme incerteza perante o investimento privado como torná-lo inviável”. Queixando-se de “perseguição do Governo”, a ALEP – Associação do Alojamento Local em Portugal sustenta que este setor é “usado como bode expiatório” quando é o “menor dos problemas do Executivo no que toca à habitação”.

Revolução nos licenciamentos

No capítulo da simplificação dos licenciamentos está a caminho uma verdadeira revolução: os projetos de arquitetura deixam de estar sujeitos ao licenciamento municipal. Em vez disso, as câmaras passam a emitir a licença com base num termo de responsabilidade dos projetistas.

Costa chamou-lhe uma “grande inovação” e prometeu um “quadro sancionatório muito duro” para quem não respeitar as normas. Com o mesmo objetivo de acelerar os projetos, o primeiro-ministro adiantou também que, nos casos em que os processos impliquem uma consulta a entidades da administração central, estas sofrerão uma “efetiva penalização financeira” quando não respeitarem os prazos previstos na lei.

Outras medidas do plano “Mais habitação”

Limitado aumento de rendas nos novos contratos
António Costa defendeu que é chegada a altura de criar mecanismos para limitar o aumento das rendas nos novos contratos, que passarão a ficar sujeitas a um teto em função da inflação dos anos anteriores e do objetivo de inflação a médio prazo do BCE (Banco Central Europeu).

Taxa autónoma de IRS sobre as rendas baixa
A taxa autónoma de IRS sobre as rendas vai baixar de 28% para 25%. A taxa de IRS aplicada a contratos com duração entre cinco e 10 anos baixa dos atuais 23% para 15%, no caso de contratos entre 10 e 20 anos recua de 14% para 10%. Já nos contratos com duração superior a 20 anos a taxa do imposto recua de 10% para 5%.

Obras coercivas em casas devolutas
Será criada uma linha de crédito de 150 milhões de euros, dirigida aos municípios, para que possam realizar obras coercivas em casas devolutas.

Terrenos de comércio e serviços podem passar a habitação
Terrenos ou imóveis autorizados para comércio e serviços vão poder ser utilizados para construção ou convertidos em habitação sem alteração de planos de ordenamento do território ou licenças de utilização.

Fim dos vistos Gold
Vai acabar a concessão de vistos Gold, nas suas diversas modalidades. Quanto aos já concedidos “só haverá lugar à renovação se forem habitação própria e permanente do proprietário ou descendente, ou se o imóvel for colocado duradouramente no mercado de arrendamento”.

Fonte: Diário de Notícias / Portugal

Crédito da imagem: Leonardo Negrão / Global Imagens