O HOMEM DE BRONZE
Que tal começar com o primeiro atleta nativo americano a vencer medalhas nos Jogos Olímpicos? Aconteceu em 1912, em Estocolmo.
Jim Thorpe sagrou-se campeão nas provas de pentatlo e decatlo, foi recebido em festa nos Estados Unidos, com direito a desfile em carro aberto pela Broadway.
Mas no início do ano seguinte o Comité Olímpico Internacional retirou-lhe as medalhas, considerando retroativamente o seu estatuto como profissional: à época, as regras ditavam que os atletas olímpicos tinham de ser amadores, e segundo informações trazidas à luz do dia por uma reportagem do Worcester Telegram, Thorpe teria recebido pequenos pagamentos por participar em jogos de basebol.
Foi uma grande injustiça histórica dirigida ao “maior atleta da primeira metade do século XX”, que se corrigiu só em 1983 (três décadas passadas sobre a morte de Thorpe!), numa cerimónia que visou restituir os títulos ao campeão olímpico, devolvendo as medalhas aos filhos.
Conhecido pela sua versatilidade desportiva – para além do referido basebol, destacou-se ainda no futebol americano e basquetebol, entre outras modalidades –, Thorpe surgiu representado por Burt Lancaster num filme de Michael Curtiz, em 1951. O Homem de Bronze, ou no original Jim Thorpe – All American, é um biopic que nos aproxima dos eventos de 1912, enquanto enfatiza o talento e a proeza do homem que não se deixou derrotar pela discriminação racial. Uma questão, aliás, muito cara ao próprio Lancaster, que fora das telas foi uma voz ativa na luta pelos direitos civis.
1924
Amplamente tido como o melhor dos “filmes olímpicos” – não por acaso, venceu o grande prémio dos Óscares em 1982 –, Momentos de Glória é daqueles títulos cuja simples evocação nos põe a cantarolar uma certa banda sonora. Com efeito, a partitura de Vangelis, reconhecível mesmo para quem nunca tenha visto o filme, estabelece uma ligação automática com a imagem de homens a correr à beira-mar num dia encoberto.
E entre esses homens estão os atletas Harold Abrahams e Eric Liddell, interpretados respetivamente por Ben Cross e Ian Charleson, que protagonizam uma belíssima história em torno dos Jogos Olímpicos de Paris de 1924. Portanto, eventos ocorridos há precisamente 100 anos.
Por muito que crie desconforto lembrar o trabalho de Leni Riefenstahl, a cineasta da propaganda nazi, não se pode simplesmente ignorar a sua importância no que à história do cinema diz respeito.
E Olimpíadas (Olympia, 1938) – documentário estreado em duas partes, com os subtítulos Os Deuses do Estádio e Vencedores Olímpicos – é um excelente exemplo da sua mestria como realizadora, aqui a assinar as imagens dos Jogos Olímpicos de Berlim de 1936. Um filme com tanto de controverso, pelo contexto político, como de notoriamente artístico, ou não entrasse em listas dos melhores de todos os tempos (entre elas, uma da revista Time).
Como se percebe pela data de estreia, o processo de montagem demorou dois anos a ficar concluído, e os resultados são nada menos que admiráveis: Riefenstahl alcançou um nível de sofisticação na linguagem visual, com ângulos inovadores e uma clara prioridade cinemática, que não se deixam ofuscar pela discussão sobre o valor de propaganda.
E aí entra o caso do afro-americano Jesse Owens a baralhar as contas, já que a câmara da realizadora alemã não larga este “homem mais rápido do mundo”. Fê-lo à revelia de Hitler? Há quem defenda que sim.
A RAINHA DO MAR
Não se trata de um filme diretamente relacionado com os Jogos Olímpicos, mas é uma forma de abordar a memória de Esther Williams. Considere-se A Rainha do Mar (Million Dollar Mermaid, 1952) como o jóquer desta pequena cronologia cinéfila, ou uma curiosidade para guardar na algibeira.
Nele, a nadadora feita atriz, Williams, interpreta a nadadora australiana, que também fez filmes, Annette Kellerman. Em jeito de biografia exuberante, como só em Hollywood se fazia nos Anos 50, este drama musical de Mervyn LeRoy, com coreografias do mítico Busby Berkeley, retrata a pioneira do fato de banho e a sua entrada no show business – para registo, importa também referir que Kellerman foi a primeira mulher a tentar atravessar a nado o Canal da Mancha (façanha atribuída a Gertrude Ederle, sobre quem se estreou há pouco no Disney+ o filme A Jovem e o Mar) e, não tendo vingado nesse desafio, ganhou a corrida das 7 milhas do Sena, em que derrotou 16 homens.
Mas o caso que nos interessa particularmente é o de Esther Williams. Digamos que a atriz de A Rainha do Mar só enveredou pela carreira do cinema, enquanto nadadora profissional, porque perdeu o comboio do Jogos Olímpicos: era já uma atleta de alta competição, com campeonatos nacionais ganhos e um lugar na equipa olímpica norte-americana, quando, em 1939, o eclodir da Segunda Guerra Mundial impôs o cancelamento dos Jogos.
A sua graciosidade aquática foi posta então ao serviço dos grandes estúdios, e do Technicolor, ficando as Olimpíadas como um sonho longínquo.
Em 1984, porém, recuperou um brilhozinho nos olhos ao ser convidada para comentar, na NBC Sports, os Jogos Olímpicos de Los Angeles, na qualidade de especialista em natação sincronizada – a modalidade tinha sido introduzida nesse ano.
A propósito, sobre esses Jogos, recomenda-se o documentário 16 Days of Glory, de Bud Greenspan, um olhar humano e intensivo que mistura histórias individuais dos atletas com o quadro amplo da competição. Está disponível no site oficial dos Jogos Olímpicos.
1972
VENCEDORES E VENCIDOS
Em Portugal chamou-se Vencedores e Vencidos, e estreou-se no ano da graça de 1974, mas o título original Visions of Eight (1973) é menos genérico, refletindo a natureza do projeto. Trata-se de um brilhante documentário composto por oito segmentos realizados por diferentes cineastas, que ofereceram as suas visões dos Jogos Olímpicos de Munique de 1972.
Do checoslovaco Miloš Forman à sueca Mai Zetterling, passando pelo francês Claude Lelouch, o americano Arthur Penn, o japonês Kon Ichikawa, o russo Yuri Ozerov, o alemão Michael Pfleghar e o inglês John Schlesinger, o espírito da competição, os triunfos e as derrotas pessoais desse ano foram captadas pelas lentes de realizadores com estilos próprios, uns mais humorísticos, outros mais focados na glória humana, e outros ainda à procura da abstração do movimento dos corpos – tal como 16 Days of Glory, é um dos documentários acessíveis na plataforma oficial dos Jogos.
É preciso lembrar que 1972 foi o ano da tragédia de Munique: o atentado terrorista palestino de 5 de setembro que resultou na morte de 11 membros da equipa de Israel.
Em Visions of Eight essa fatalidade histórica só integra o segmento de Schlesinger, mas a sua sombra não deixa de pairar sobre todos os outros, seja a parte lúdica de Forman ou o estudo cinematográfico de Penn, à maneira de Riefenstahl.
Quem recuperou depois a memória traumática foi Steven Spielberg, com Munique (2005), um dos seus filmes de ação mais hábeis e complexos (estranhamente mal interpretado por algumas vozes de Israel), que segue a retaliação israelita na figura de um jovem oficial dos serviços secretos, Avner (Eric Bana), requisitado para a missão de apanhar e eliminar os responsáveis pelo ataque de Munique.
Um drama que, não contando uma história desportiva dos Jogos, não deixa de conter algo da grande narrativa do evento. Da mesma forma que O Caso de Richard Jewell (2019), magnífico filme de um veterano Clint Eastwood, sendo sobre um herói improvável que acabou por virar suspeito, é um ângulo alternativo dos Jogos Olímpicos de Atlanta de 1996. Afinal, há muitas maneiras de organizar a memória coletiva, entre vencedores e vencidos.
Fonte e crédito da imagem: Diário de Notícias / Portugal