Visivelmente emocionada, Margarida Rosário, 59 anos, traz uma mensagem ao peito: “59 anos, 28 de serviço, 4.º escalão”. Em três linhas, a professora – natural de Braga, leciona em Guimarães – resume aquele que é um dos principais pedidos dos professores, e que levou este sábado vários milhares de docentes a marcharem pela educação em Lisboa: a progressão mais rápida e o fim das quotas nos 5.º e 7.º escalão.
Vindos de norte a sul do país, os professores que este sábado se manifestaram, reivindicavam, de forma praticamente unânime, mais dignidade, menos burocracia e, acima de tudo, respeito pela profissão.
No caso de Margarida Rosário, havia também outro fator que a levava a manifestar-se com uma das filhas: a centralização de poderes na figura do diretor. “É uma tristeza nós fazermos uma greve e haver diretores a ameaçarem-nos dizendo que podíamos ter um processo disciplinar”, comenta por entre os cânticos entoados pelos manifestantes junto à praça do Rossio.
Esta não foi a primeira manifestação da professora bracarense, mas sentiu-se mobilizada desta vez, sobretudo devido à lógica de auto-organização que acabou por existir, com professores a juntarem-se em grupos de WhatsApp e noutras redes sociais.
Uns metros acima, a meio da Avenida da Liberdade, Ricardo Jordão, professor de Geografia, trazia um cartaz ao pescoço, dirigido a Marcelo Rebelo de Sousa (“Sr. Professor, Sr. Presidente, esqueceu-se do ensino?”). Para o professor de Geografia, a lógica “de organização independente” foi a grande vantagem deste protesto. “A força deve-se precisamente a isso: é praticamente independente. Claro que é movida pelo STOP (Sindicato de Todos Os Profissionais de educação), mas não estão todos ligados à Fenprof ou a outros sindicatos mais partidários”, considera o docente.
Por outro lado, Tânia, professora de Educação Especial com 13 anos de carreira, já tinha deixado pedidos ao ministro João Costa: “Precisamos que nos reponham o tempo de serviço e que facilitem a progressão nas carreiras. É impossível haver pessoas durante anos a fio à espera da vinculação. Isso tem de mudar.”
“Perante a intimidação, esta mobilização é a resposta. Estão aqui muitos pais, alunos, auxiliares, técnicos. A luta será cada vez mais forte.”
No entanto, não só de profissionais da educação se fizeram a luta e os protestos deste sábado. Houve também sindicatos de outros setores (como o dos trabalhadores da Autoeuropa), que se juntaram em solidariedade e por forma a mostrar apoio aos professores, auxiliares e técnicos de educação. Exemplo disso foram as intervenções feitas por Garcia Pereira, advogado, Raquel Varela, professora universitária, ou André Freire, politólogo, que discursaram publicamente num trio elétrico deixando o seu apoio à causa.
Também a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, esteve na marcha. Em declarações antes do início do desfile pela Avenida da Liberdade, até ao Terreiro do Paço, Catarina Martins considerou que este protesto – e a forma como os professores se organizaram – representava “uma grande lição de democracia”.
“Certamente mais de 100 mil”
Já com o protesto na Praça do Comércio – onde estava um palco montado para serem feitos discursos pela organização -, chegavam relatos da magnitude da manifestação: “Ainda há colegas a começar a descer o Marquês de Pombal”, anunciava um dos responsáveis do STOP, pedindo que as pessoas ali presentes se agrupassem melhor “para caber toda a gente”.
Numa breve declaração à imprensa, André Pestana, rosto maior do STOP, afirmava que, até aquele momento, seriam “certamente mais de cem mil” – a PSP, a meio da tarde, falou em 20 mil – as pessoas “a lutar pela escola pública” numa manifestação que classificou como “histórica”.
“Perante a intimidação, esta mobilização é a resposta. Estão aqui muitos pais, alunos, auxiliares, técnicos”, revelou, dizendo que “a luta será cada vez mais forte”. Isto, disse, dá um novo alento ao sindicato para as reuniões negociais com o Ministério, que acontecem de 18 a 20 de janeiro.
“É uma tristeza nós fazermos uma greve e haver diretores [de escolas] a ameaçarem-nos, dizendo que podíamos ter um processo disciplinar.”
Durante todo o protesto chegaram também relatos de eventuais operações de fiscalização dirigidas especificamente a autocarros que traziam manifestantes – algo que foi merecendo sempre muitos apupos e contestação por parte dos manifestantes. Esta informação foi, no entanto, negada pelas autoridades.
Já com o sol posto e a luz artificial a iluminar a Praça do Comércio, chegava então a vez do discurso mais aguardado. André Pestana, professor contratado há 21 anos, que já passou por dezenas de escolas desde que se formou em Biologia, dirigiu-se aos manifestantes durante mais de uma hora, recapitulando todas as reivindicações dos profissionais de educação e deixando também a garantia de que, já esta semana, haverá nova ronda de greves.
Entre as exigências que apresentou está um aumento de 120 euros para todos os profissionais da educação e a demissão do ministro João Costa que, no entender do sindicalista, “faz parte do problema e não da solução”.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Gerardo Santos / Global Imagens