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“Precisamos ter na UE um poder dissuasor que seja credível, fiável, mas acima de tudo que dependa de nós”

Sofia Moreira de Sousa, representante da Comissão Europeia em Portugal, explica os objetivos do Livro Branco sobre a Defesa Europeia.

Este Livro Branco sobre a Defesa Europeia agora apresentado, ou seja estes novos objetivos da União Europeia para a área da Defesa, surgem neste momento porquê?

Bom, todo este objetivo da necessidade e a consciência da necessidade que temos de investir em Defesa não surge só agora. Já existe há bastante tempo e relembro em 2022 que com a Bússola de Segurança e de Defesa já nos alinhávamos e que esta tinha sido trabalhada mesmo antes da invasão da Rússia à Ucrânia, identificando que era realmente necessário a União Europeia avançar no investimento na Defesa.

Mas agora, com a situação que nós vivemos nos tempos presentes e que é extremamente volátil todos os dias com eventos novos a acontecer, está claro, claríssimo, para todos, para os 27, que a melhor forma de manter a paz – e é para esse propósito que a União Europeia foi criada, não nos podemos esquecer que foi para assegurar a paz no continente – é ter a capacidade de defesa necessária para evitar a guerra.

Precisamos garantir e desenvolver a nossa defesa contra ataques atuais e futuros. Precisamos ter um poder dissuasor que seja credível, fiável, mas acima de tudo que dependa de nós, para que sejamos capazes de assegurar a nossa segurança, porque é a única forma que temos para proteger a nossa democracia e a nossa prosperidade.

Nós temos de ser capazes de defender aquilo que somos, que são os valores que estão na base da criação da própria União Europeia, onde temos vindo a investir até hoje, e também aquilo que queremos continuar a ser.

A Rússia é claramente o rival, o competidor, neste caso mesmo o inimigo, do ponto de vista da União Europeia. Nós sabemos que a Rússia tem uma economia de guerra, é uma autocracia, consegue mobilizar recursos de uma forma diferente. Não há o perigo de haver aqui uma competição armamentista com a Rússia, que pode ser demasiado custosa, em todos os sentidos, para a União Europeia?

Não, e a necessidade da União Europeia apostar na sua Defesa não se prende apenas com a Rússia. Nós temos de ser capazes de defender aquilo que temos e que queremos guardar e proteger. E é verdade que a Rússia investe muito mais em Defesa do que em Educação, em Saúde ou em qualquer tipo de política social, mas não é este o modelo europeu, não é de todo este o nosso modelo.

O nosso modelo é investir em coesão, o nosso modelo é investir na melhoria da qualidade de vida das pessoas. Mas para isso, vamos ter de ser capazes de proteger estas nossas escolhas, escolhas nos investimentos sociais, escolhas na prosperidade económica, escolhas na defesa da democracia. E portanto, para podermos proteger estas escolhas, nós temos de ser capazes de nos defender. Defender de ataques, defender de mísseis, mas defender também da desinformação, da ingerência em eleições, do corte de cabos submarinos de fibra óptica, do corte de informações, por exemplo, que obriguem a que os aeroportos sejam fechados ou façam com que os hospitais não funcionem, da proliferação da abertura e publicação de dados privados das pessoas, da ingerência da Inteligência Artificial nos dados privados das pessoas.

Enfim, há toda uma série de ameaças que nós enfrentamos hoje e de que precisamos ser capazes de nos defender. Por exemplo, de que é que nos serve lançar satélites que façam uma análise das condições atmosféricas e que nos indiciem se vem aí uma tempestade ou um incêndio, se depois não tivermos capacidade de tratar estes dados ou nem sequer recebermos o sinal destes dados, porque temos uma interferência por entidades estranhas que visam precisamente causar prejuízo e arrasar o sistema democrático da Europa.

Portanto, aquilo de que nós estamos a falar é de termos que ser capazes de nos defender e não tem que ser, obviamente, só armamento. Termos capacidades de investir na Defesa é importantíssimo, porque nós temos um déficit na Europa, mas não é só nesta área, nós temos de ser capazes de nos defender de todo o tipo de ameaças híbridas que pairam e que podem ser concretizadas contra a Europa.

Quando fala de ameaças híbridas, está, por exemplo, a falar de situações como aconteceu na Roménia, em que as eleições presidenciais foram claramente influenciadas por redes sociais e atores externos?

Por exemplo. Ou como quando alguns atores não se coíbem de dizer publicamente em quem votariam e tentam influenciar o voto individual de pessoas em certos países, na Alemanha ou noutros países, para condicionar o seu voto nas eleições. E, portanto, se nós queremos proteger a nossa democracia, tem que haver condições para que esta democracia possa ser praticada. A democracia não são só eleições.

As pessoas têm que estar informadas, ter acesso à informação, haver media independente, haver todo um tipo de condições necessárias para que a democracia seja real. E nós temos democracia nos 27 Estados membros, mas temos que a defender.

Existe, neste contexto geopolítico atual, claramente a noção de que os países mais próximos da Rússia, e falo dos Bálticos, da Finlândia, da Polónia, sentem esta necessidade de Defesa de uma forma diferente do que sentem os países do Sul da Europa, como Portugal, Espanha, Itália, e isso, inclusive, nota-se no investimento militar que fazem. Mas, neste momento, os 27 conseguem falar a uma voz só? Ou, pelo menos, os 26, já que a Hungria tende a ter uma posição um pouco diferente em relação à Rússia?

A Hungria não tem posição diferente quanto à necessidade da União Europeia de investir em Defesa. Aliás, basta ver as conclusões do Conselho Europeu do dia 6 de março, em que está claro que os 27 concordam plenamente na necessidade de investir em Defesa e também de usar estes investimentos para alavancar a competitividade e a economia europeia.

Atualmente, nós gastamos mais de 320 mil milhões de euros em compras, ou seja, os 27 Estados membros, gastam 320 mil milhões em produtos de Defesa, mas destes 320 mil milhões cerca de 250 mil milhões compramos fora. E, portanto, estamos a engrossar a economia de atores exteriores à própria União Europeia.

Então, a ideia é, então, comprar europeu e também haver cooperação em projetos industriais militares?

Sabemos que muitas das invenções e inovações que contribuíram para a melhoria de condições de vida das pessoas, até a própria internet, foram graças a investimentos feitos em pesquisa de aperfeiçoamento de técnicas militares. E, portanto, temos que continuar a apostar na inovação, no desenvolvimento de novas tecnologias, de preferência, obviamente, sempre que possível, de todas aquelas que tenham dupla utilização. A mesma coisa em termos de infraestruturas, enfim.

Nós temos que investir nessa área, mas temos que, em conjunto, sermos capazes de investir na Europa, de produzir europeu e de controlarmos nós, não estarmos dependentes de parceiros externos que vão decidir o que e quando é que vão atuar em nossa Defesa.

A Comissão Europeia aqui assumiu o protagonismo, mas, ao mesmo tempo, podemos dizer que o famoso eixo Paris-Berlim, neste caso, está em sintonia e, portanto, isso é muito importante em termos de fazer a Europa mover-se nesta direção de aposta na Defesa?

Os 27 estão em sintonia. Os 27 reconhecem a importância do investimento em Defesa, a importância do investimento para melhorarmos a competitividade europeia, a necessidade de mobilização de investimento financeiro para isso e, portanto, daí uma série de documentos que foram apresentados, de orientações estratégicas por parte da Comissão Europeia, a serem discutidos e, presentemente, a serem debatidos já pelos líderes no Conselho Europeu, para realmente, em conjunto, e com a urgência que a situação exige, sermos capazes de dar resposta a todo este desafio. E eu não podia deixar de fazer aqui um paralelismo com aquilo que vivemos há cinco anos.

Tivemos uma pandemia brutal que nos deixou a todos surpreendidos, com dificuldades de ação, mas que nós conseguimos vencer porque houve uma união por parte dos 27. A União Europeia uniu-se, houve uma compra conjunta de vacinas e houve a clara perceção de que o investimento em vacinas para cada um dos Estados-membros e até mesmo para fora da Europa era um investimento para todos, porque enquanto houvesse pessoas com o vírus, ninguém estava seguro.

Ora, agora aquilo que nós enfrentamos a nível dos 27 é que o investimento por parte de um país na sua Defesa, na Defesa nacional, porque a Defesa é uma prerrogativa, é um direito e é um dever nacional, não é comunitário, enquanto competência da Comissão Europeia. Quem tem a competência é cada Estado-membro, mas o investimento que cada um faz na Defesa beneficia todos os outros da União Europeia.

Estamos a aumentar o nosso poder dissuasor perante ameaças externas. Nesse sentido, o que é que faz a Comissão? Tenta criar uma moldura onde seja possível cooperar, trabalhar em conjunto, de forma que possamos investir mais e melhor no investimento na área da Defesa.

Tem havido muita cooperação nos últimos tempos entre a União Europeia e o Reino Unido no apoio militar à Ucrânia. É uma área em que o efeito do Brexit pode ser ultrapassado de certa forma, ou seja, o Reino Unido é um parceiro essencial?

Sim, o Reino Unido está no continente europeu, é um parceiro com o qual nós partilhamos muitos valores, muitas preocupações e muitos interesses, e seguramente queremos continuar a cooperar.

Agora, sendo um país que está fora da União Europeia, por sua própria decisão aliás, mas que assim acontece, nós, quanto aos mecanismos que foram agora apresentados pela presidente Ursula von der Leyen, mecanismos de financiamento deste investimento extra em defesa, o Reino Unido não está incluído neste pacote.

Isto é para os Estados-membros e eventualmente também para os Estados com quem nós temos parcerias na área da Defesa e para os Estados da EFTA. Mas há todo um conjunto de outras molduras de cooperação em que obviamente estamos a trabalhar em conjunto.

Aliás, não é por acaso que o primeiro-ministro britânico esteve presente num dos últimos conselhos europeus. Não é por acaso que temos também o Fórum da European Political Community, que se reúne frequentemente para olhar obviamente para os desafios comuns que afetam o continente europeu. Iremos seguramente continuar a trabalhar com o Reino Unido.

Este esforço de Defesa da União Europeia não é uma substituição da NATO por causa das posições do novo presidente americano?

Não, de forma alguma. O reforço da União Europeia na área da Defesa e o reforço nacional, o aumento das capacidades a nível nacional de cada um dos Estados-membros na Defesa, vai só reforçar a capacidade da NATO. Vai só ajudar a que a NATO possa cumprir com os seus objetivos, porque vai ajudar os Estados-membros, aqueles que são membros da NATO, a cumprir com os objetivos que se propuseram no âmbito das capacidades na NATO e de fazê-lo de uma forma mais rápida, mais barata e ainda com maior interoperabilidade perante os outros Estados-membros.

E, por outro lado, o reforço das capacidades de Defesa europeias dos países NATO e dos países não-NATO também reforça, obviamente, a NATO e contribui para este poder de dissuasão.

Portanto, aqui estamos claramente a falar de uma situação win-win, ou seja, em que ganha a União Europeia, obviamente, mas também sai a NATO muito reforçada com o seu poder de dissuasão, que é para isso que a NATO foi criada.

Fonte: Diário de Notícias / Portugal

Crédito da imagem: www.portugal.representation.ec.europa.eu