A “coisa mais inesperada” que Manuel António Pina podia esperar naquele 12 maio de 2011, assim o definiu então o próprio poeta, vai passar a estar “no sítio onde deve estar”, a Casa dos Livros – Centro de Estudos da Cultura em Portugal, da Universidade do Porto.
O histórico diploma que atesta a atribuição do Prémio Camões ao escritor e jornalista, um ano antes da sua morte, juntar-se-á assim ao acervo digital de Pina que já faz parte da coleção da Casa dos Livros, juntamente com os acervos documentais de outros grandes nomes da cultura portuguesa, de Vasco Graça Moura a Herberto Helder, Eugénio de Andrade ou Ana Luísa Amaral, entre outros.
Até aqui na posse da família, o diploma do Prémio Camões de Manuel António Pina foi recentemente adquirido pela Fundação Ilídio Pinho, do destacado empresário português que fundou o grupo COLEP, que o vai ceder, em regime de comodato, à Universidade do Porto.
O contrato é assinado oficialmente amanhã, na mesma Casa dos Livros, no Palacete Burmester, situado no Campo Alegre, onde o documento ficará à guarda.
Ao que o DN apurou, o empresário Ilídio Pinho – cuja Fundação, situada no Porto, possui uma das mais importantes coleções de arte contemporânea do país – confrontado perante a possibilidade, quis “salvaguardar um documento histórico para a cultura portuguesa”, manifestando desde logo a intenção de o colocar em depósito na Casa dos Livros, espaço gerido pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) que visa conservar, promover e divulgar os acervos documentais de algumas das principais figuras da cultura e literatura em Portugal.
“Ficámos muito felizes quando a Fundação Ilídio Pinho nos contactou e perguntou se estaríamos interessados em tomar conta deste diploma e pensámos desde logo que a Casa dos Livros, sítio por excelência da cultura portuguesa, seria o local próprio para o receber”, diz ao DN Fátima Vieira, vice-reitora da Universidade do Porto, responsável pela área da Cultura.
Instalada no renovado Palacete Burmester, pode-se dizer que a “Casa dos Livros” nasceu com a doação do acervo de Vasco Graça Moura à FLUP, pelos seus filhos, em regime de comodato, em 2016, dois anos depois da morte do antigo escritor, tradutor e político falecido em 2014.
O nome alude à designação que Vasco Graça Moura dera ao seu espaço de escrita, na propriedade rural Eira do Catavento (concelho de Almeirim). Outros nomes, e importantes acervos de grandes figuras da literatura portuguesa, juntam-se neste espaço a que chega agora o diploma do Prémio Camões 2011.
“O contrato de comodato é válido por 25 anos e a Universidade do Porto fica com essa responsabilidade de preservar o diploma, preservar a memória e, sobretudo, expô-lo, que é o que acontecerá na Casa dos Livros, em diálogo com outros nomes e documentos importantes da cultura portuguesa e do próprio acervo informático do Pina”, sublinha Fátima Vieira, que realça ainda a feliz coincidência desta celebração numa altura em que a Universidade lança “um grande projeto de divulgação da poesia entre os estudantes, não só ao nível da fruição como da própria criação, com o lançamento da revista Pá, Poesia & Outras Artes“.
Curiosamente, este é um prémio que Manuel António Pina nunca chegou a receber em mãos. Decidido de forma unânime em cerca de meia hora, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, no Brasil, por um júri composto pela ensaísta e poetisa Rosa Martelo e pelo ensaísta e professor Abel Barros Baptista (portugueses), pelo o poeta António Carlos Secchim e pela ficcionista Edla Van Steen (brasileiro) e ainda pela poetisa e ficcionista angolana Ana Paula Tavares e pela ensaísta são-tomense Inocência Mata, naquela que é considerada a mais curta reunião para atribuição deste prémio literário instituído pelos Governos de Portugal e do Brasil em 1988, o Prémio Camões 2011 apanhou Pina já numa fase marcada pela doença que levou à sua morte pouco mais de um ano depois, em outubro de 2012, aos 68 anos.
O diploma, assinado por Cavaco Silva e Dilma Rousseff, à data presidentes das Repúblicas de Portugal e do Brasil, só seria entregue um ano após a morte de Manuel António Pina, à viúva e às filhas do escritor, pelo então secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, numa cerimónia de homenagem na Cooperativa Árvore, no Porto.
Nascido na paisagem serrana do Sabugal, na Beira Alta, foi no Porto que o escritor “se nasceu a si mesmo”, como ele gostava de descrever a sua relação com a cidade onde começou a assentar raízes aos 17 anos, depois de um percurso de constantes mudanças de residência com os pais. “Há cidades que nos ficam justas, e há cidades que nos ficam grandes, e outras que nos ficam muito apertadas, como se fossem uma roupa que não nos pertencesse. O Porto está-me justo, está à minha medida”, escreveu um dia Manuel António Pina, que este ano foi justamente o escritor celebrado na Feira do Livro do Porto.
Poeta, cronista, jornalista (passou mais de três décadas no Jornal de Notícias), também tradutor, revisor de dicionários ou criativo de publicidade (é dele o slogan “O primeiro gesto é seu”, da campanha de lançamento do número de emergência 115, agora 112), foi um mestre das palavras que cedo deixou de lado o curso de Direito tirado em Coimbra para se dedicar ao jornalismo e à literatura, apesar de também ainda ter exercido advocacia durante uns anos.
Estreou-se na poesia em 1974 com o livro Ainda Não É o Fim nem o Princípio do Mundo, Calma, É Apenas Um Pouco Tarde. No ano anterior publicara o seu primeiro livro para crianças, O País das Pessoas de Pernas para o Ar.
Numa obra vasta e diversificada, entre poesia, ficção ou literatura infantil, o último livro de poemas inéditos de Manuel António Pina, Como se Desenha uma Casa, foi publicado em 2011, ano em que ganhou o Prémio Camões, cujo diploma, considera Carlos Magno, jornalista, antigo presidente da ERC, amigo de Manuel António Pina e conselheiro do empresário Ilídio Pinho, vai agora “para o sítio onde deve estar”.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Leonel de Castro / Global Imagens