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O Cinquentenário da Revolução dos Cravos

Artigo de autoria de José Augusto do Rosário – Técnico Superior do Escritório Consular de Portugal em Santos e presidente da Escola Portuguesa de Santos

Em abril de 1974 era um menino de 14 anos que estava contratado na função de contínuo no Consulado de Portugal em Santos. Nessa condição, tive o privilégio de acompanhar de muito perto, com os olhos de um pré-adolescente, esse momento de importante mudança na história de Portugal.

Nessa altura, o momento político em Portugal efervescia. Havia uma insatisfação, antes velada, depois explícita, com o regime salazarista que já durava mais de quatro décadas.

O Salazarismo empurrava para o estrangeiro muitos dos seus filhos. Na sua grande maioria, cidadãos mais humildes, aldeões que não conseguiam o suficiente para fazer desenvolver a família, normalmente numerosa, quase todos ligados ao trabalho da terra ou de cuidado dos animais do sítio.

Esse fenômeno não afetou só as gentes das aldeias, mas também os habitantes das vilas e até mesmo da metrópole que, acometidos por dificuldades, quer financeiras, quer políticas, saíram de Portugal nesse período.
Depois, o receio da convocação para a “tropa”, serviço militar obrigatório, recrutados que eram para as forças armadas portuguesas, causava verdadeiro pavor aos rapazes, que tinham que sair de Portugal antes dos 16 anos para não ir servir nas colônias.

Após essa idade ou fugiam pelas fronteiras ou embarcavam clandestinamente no primeiro navio com vigilância desatenta. Qualquer porto estrangeiro deveria ser melhor que um destino incerto em Angola, Moçambique ou Guiné Bissau.

Dessa forma milhares de jovens deixaram Portugal com destino ao Brasil.

O Brasil era um destino natural pois havia imigração aberta, oferecia a facilidade da língua, para além de ser reputado como o país do futuro e onde quase todos tinham um familiar ou um amigo que lhes pudessem enviar uma carta de chamada, instrumento largamente usado, indispensável que era para a imigração.

Nesse momento, outro instrumento que se tornou muito popular para permitir a imigração de portuguesas para o Brasil foi o casamento por procuração. A antiga namorada que ficou lá na aldeia só lhe era permitido vir na condição de casada, portanto o noivo aqui enviava uma procuração a um parente ou amigo que o representava na cerimônia civil. E assim muitas outras senhoras imigraram e vieram ter com seus noivos no Brasil.

Em 1974 eram poucos da nossa comunidade que percebiam o momento político em Portugal. Não me parecia ser uma comunidade politizada. Até porque os efeitos do regime político em Portugal já não os afetavam aqui no Brasil.

Eu era apenas uma criança, que por acaso estava num ambiente onde a história naquele mês de abril passaria diante dos meus olhos. Um abril que determinaria mudanças imediatas e profundas e que entraria a para a história como o 25 de Abril de 1974, a Revolução dos Cravos.

A comunicação não era imediata, uma carta levava meses para chegar com informações. Os jornais, que recebíamos pela mala diplomática, chegavam de quando em vez, quando as notícias já não eram novidade.

Mas naquele o 25 de abril de 1974, após uma chamada telefônica urgente, atendida naquele telefone preto preso à parede da chancelaria do consulado, imediatamente fora transferido para a secretária do Cônsul. Percebi claramente que trouxe alguma novidade importante.

Em seguida as portas do Consulado foram fechadas. Nos dias que se sucederam não houve expediente. Telegramas chegavam a todo momento com instruções vindas diretamente de Portugal. Havia caído o Governo, haviam tropas nas ruas, não se ouviu relato de disparos, não houve conflitos, só cravos vermelhos, só cravos… como se todos já ansiavam pelas mudanças que a revolução provavelmente traria.

Durante uns pares de meses chegaram pela mala diplomática os jornais com as manchetes e imagens do ocorrido. Chegavam também cartazes, dentre eles, o mais emblemático, da criança depositando um cravo na boca de um fuzil, cujo cartaz ficou exposto na chancelaria do Consulado por anos. Traziam também mensagens de esperança para novo tempo que se avizinhava.

A Revolução hoje comemora 50 anos. Quis o destino que novamente eu estivesse no mesmo Consulado de Portugal, agora Escritório Consular, a comemorar com a minha comunidade esse Jubileu. Agora não mais com o olhar do pré-adolescente, mas sim com o olhar maduro e consciente de que aquele momento histórico do 25 de abril de 1974, inegavelmente fez de Portugal um país melhor.