Das cinematografias com presença rara em Portugal, a de Hong Kong será um caso óbvio. Quem consegue citar nomes de realizadores para além de Wong Kar Wai e Johnnie To?
É neste deserto de referências que surge a Mostra Making Waves – Navigators of Hong Kong Cinema, uma iniciativa que vai trazer esta semana ao Cinema Ideal um robusto aperitivo para aquilo que poderá vir a ser um projeto a longo prazo.
De dia 26 a 29, a sala lisboeta recebe sete filmes inéditos, entre ficção contemporânea, um clássico e um documentário, que dão ao público português a chance de tomar contacto com um cinema que tem tanto de específico como de universal.
Ainda mais apresentado aqui numa seleção que privilegia a diversidade de olhares, como forma de conhecer as diferentes pulsações de Hong Kong. Não faltarão também convidados para acompanhar algumas sessões.
E afinal, de onde vem este gesto de partilha cinéfila? “Esta mostra surge na sequência de um trabalho que temos estado a desenvolver, na Associação Blue Lotus Lisboa, no sentido de fazer um Festival de Cinema Asiático em Lisboa.
No decurso desse trabalho, e resultado dos vários contactos que temos a Oriente, surgiu a possibilidade de fazermos a primeira edição do Making Waves em Lisboa – o Making Waves é um programa que existe desde 2022 e tem viajado por várias cidades do mundo, com o objetivo de promover junto do público internacional o cinema de Hong Kong produzido mais recentemente”, explica ao DN Vanessa Pimentel, responsável pela mostra.
Com efeito, esta iniciativa vem contrariar um notório vazio de oferta, sendo a prioridade garantir que não se fica com uma visão limitada da cinematografia em causa: “Julgo que este conjunto de filmes traz ao público uma boa amplitude de géneros, passando por temas diversos que darão uma ideia mais concreta de Hong Kong, de quem lá mora e da sua cultura”, reforça Pimentel.
Entre os destaques mais evidentes deparamos com The Goldfinger, de Felix Chong (dia 28, 21h15), que segue a tradicional linha espetacular dos filmes de ação de Hong Kong, através de dois rostos bem conhecidos do cinema de Wong Kar Wai, Tony Leung e Andy Lau.
Mas há também um êxito de artes marciais estreado e aplaudido no último Festival de Cannes, Twilight of the Warriors: Walled In, de Soi Cheang (dia 26, 18h45, a abrir a mostra com a presença do ator e mestre de artes marciais Philip Ng ); e o documentário Keep Rolling, de Man Lim Chung (dia 29, 18h45, com a presença do realizador), sobre Ann Hui, uma das mais proeminentes cineastas da região.
Num registo mais discreto, e talvez por isso mais propenso a passar despercebido, encontramos obras de sensibilidade social, como In Broad Daylight, de Lawrence Kan Kwan-Chun (dia 28, 18h45), em torno do funcionamento das instituições de terceira idade e do jornalismo de denúncia; Fly Me to the Moon, de Sasha Shuk (dia 27, 21h15), um belo conto de crescimento, que envolve a adaptação de duas irmãs à realidade de Hong Kong nos anos 1990, ao mesmo tempo que testemunham a dependência de drogas do pai.
Time Still Turns the Pages, de Nick Cheuk (dia 27, 18h45), um comoventíssimo olhar sobre as feridas que nos definem, aqui focando-se num professor do ensino secundário que revisita memórias de infância enquanto investiga uma nota de suicídio encontrada na sala de aula. É realmente um filme de toque delicado e impacto profundo, que valerá a pena descobrir também pelo testemunho do ator Lo Chun Yip, que estará em Lisboa.
Por falar em suicídio, a única obra “clássica” exibida nesta mostra, Rouge, de Stanley Kwan (dia 29, 21h15), datada de 1987, é um filme de culto que parte de um pacto de suicídio entre dois amantes e se converte numa encantadora história de fantasmas, entre os anos 1930 e a contemporaneidade de então. Um drama romântico, para ver em cópia restaurada, que tem como protagonista o grande ator Leslie Cheung (1956-2003), eternizado por Adeus Minha Concubina.
Depois da passagem pelo Cinema Ideal, o programa Making Waves pretende, futuramente, avançar para o projeto do festival, como esclarece Vanessa Pimentel:
“Temos consciência de que é um objetivo ambicioso e, embora já tenhamos o apoio de um conjunto de diretores/programadores ligados aos maiores festivais de cinema no leste asiático (bem como às redes de distribuição), é também fundamental que haja abertura e vontade políticas em Portugal, demonstradas na atribuição dos financiamentos a este tipo de projeto, que deveriam talvez englobar o turismo, as autarquias e o ICA.
Por exemplo, neste momento, no ICA, são considerados prioritários ciclos de cinema, mostras ou festivais que divulguem o cinema português e europeu, aqui ou no estrangeiro – compreendo o protecionismo, mas não consigo perceber como se fecham portas à cultura, ao conhecimento e às relações com outras regiões. Acho que se deve encontrar um equilíbrio.” Fica o apelo.
Fonte e crédito da imagem: Diário de Notícias / Portugal