Convocando para esta terça-feira uma reunião do Conselho de Estado, na véspera da rentrée de António Costa e da reunião da conferência de líderes que definirá a agenda dos deputados no regresso pós-férias, o Presidente da República (PR) dá o tiro de partida num ano político que pode transformar a atual legislatura em algo muito diferente do que foi até agora.
A reunião dos conselheiros do Presidente será na verdade o segundo round de uma outra que ocorreu em 21 de julho – e que terá terminado mais cedo do que se previa porque o primeiro-ministro tinha um avião para apanhar.
A agenda deverá então ser a mesma (“análise da situação económica, social e política em Portugal”), tendo Marcelo acrescentado nos últimos dias que quer também discutir a questão da Ucrânia.
O Presidente tem passado a mensagem de que o próximo ano terá de ser de tudo ou nada na aplicação dos fundos do PRR. E, além disso, decisivo para a sua avaliação sobre a capacidade de Luís Montenegro se afirmar como alternativa a António Costa.
A coabitação entre o Presidente da República e o primeiro-ministro entrou numa nova fase quando o chefe do Governo recusou demitir João Galamba de ministro das Infraestruturas. Esperam-se portanto de Marcelo mais ações de desgaste à maioria – alguns comentadores até acham que foi sinal disso mesmo o veto presidencial em agosto ao decreto contendo o programa “Mais Habitação”.
O PS já respondeu que repetirá no Parlamento a aprovação do diploma sem lhe alterar uma vírgula – mas para Marcelo a história não vai acabar aqui.
Por via do veto do Presidente, o programa “Mais Habitação” será o primeiro tema da nova sessão legislativa na Assembleia da República. Amanhã, a mensagem de Marcelo justificando a sua decisão será lida aos deputados numa reunião da Comissão Permanente (versão reduzida do plenário).
Depois, o diploma propriamente dito deverá ser discutido provavelmente no plenário já marcado para o próximo dia 15, seguindo-se a votação. Se o decreto for aprovado sem alterações, o PR terá de o promulgar, querendo ou não. Aconteceu o mesmo em maio passado, na fase final do processo legislativo da eutanásia.
Preliminares para o OE 2024
O inicio da nova saison parlamentar 2023-24 será também marcado pela discussão do Orçamento do Estado para o próximo ano (a proposta do Governo chegará ao Parlamento em meados de outubro, como acontece todos os anos) e por discussões prévias que servirão de aquecimento para esse momento.
O PSD quer agendar com urgência, até usando mecanismos regimentais potestativos se necessário for (agendamento forçado, quer a maioria concorde quer não), a sua proposta de diminuir o IRS ainda este ano, mobilizando-se para isso as folgas criadas na coleta fiscal.
A maioria PS anunciou que chumbará o projeto mas não é isso que levará os sociais-democratas a recuar. Na discussão do OE2024, o PSD terá oportunidade de voltar à carga – mas aqui já em competição com o próprio Governo:
“O que nós apresentaremos é uma proposta de desagravamento do IRS, fundamentalmente focado nas classes médias”, disse o ministro das Finanças, Fernando Medina, numa entrevista à RTP em julho passado.
Habitação (por causa do veto do Presidente da República) e impostos (devido à iniciativa do PSD) deverão ser assim duas questões relevantes a marcar o início do novo ano parlamentar. Mas não só.
Uma novidade ainda em setembro deverá ser o regresso dos debates quinzenais com o primeiro-ministro, na sequência da aprovação em julho do processo de revisão do Regimento da Assembleia da República.
Assim, os deputados, em vez de terem o primeiro-ministro no Parlamento uma vez de dois em dois meses voltarão a tê-lo de duas em duas semanas, com aconteceu de 2008 até 2020 (quando Costa e Rio concordaram em alterar as regras, adotando a periodicidade bimensal dos debates).
Quatro anos de eleições
Mesmo não havendo em perspetiva o início de um novo ciclo eleitoral, isto representaria por si só um poderoso instrumento de intensificação do combate político. Mas de facto esse ciclo eleitoral está mesmo quase a começar e assim o regresso dos debates quinzenais só potencia ainda mais essa inevitável intensificação.
O novo ciclo eleitoral começará dentro de 20 dias com a realização das eleições regionais da Madeira. As sondagens apontam para uma vitória clara da coligação PSD-CDS, reconduzindo Miguel Albuquerque como presidente do Governo Regional.
Contudo, se essa vitória ocorrer sem maioria absoluta, Albuquerque poderá sentir-se tentado a chamar o Chega – situação que criará um indesmentível embaraço a Luís Montenegro no continente (como o entendimento PSD-Chega nos Açores embaraçou Rui Rio).
Dentro de um ano já terão decorrido as eleições europeias (maio-junho de 2024) e nessa altura, em função dos resultados, o cenário poderá ser completamente outro, eventualmente com a maioria socialista em crise ou eventualmente com o PSD em crise, se Luís Montenegro não vencer.
A seguir às eleições europeias de maio-junho de 2024 ocorrerão, em setembro-outubro do mesmo ano, as eleições regionais dos Açores.
Um ano depois (setembro-outubro de 2025) serão as eleições autárquicas; a seguir, em janeiro de 2026, as eleições presidenciais; e em setembro-outubro do mesmo ano, concluindo este ciclo eleitoral, as eleições legislativas.
O calendário é portanto claro: Marcelo Rebelo de Sousa só poderá condicionar a próxima solução governativa se determinar eleições antecipadas. Se a legislatura for até ao fim, já não será Presidente nessa altura.
Agenda
Hoje. Reunião do Conselho de Estado.
6 de setembro (1 ). Conferência de líderes para fazer agendamentos, nomeadamente do chamado “pacote” da Habitação, vetado pelo Presidente da República. À tarde, reunião da Comissão Permanente da AR.
6 de setembro (2). Às 21h00, discurso de rentrée de António Costa, na “Academia Socialista”, em Évora.
9 de setembro. Rentrée do CDS-PP, na sede do partido em Lisboa. Participam três ex-líderes (Manuel Monteiro, Paulo Portas e Assunção Cristas) para discutir a renovação programática do partido, processo que está a ser conduzido por António Lobo Xavier.
10 de setembro (1). Carlos César, presidente do PS, encerra a “Academia Socialista”, em Évora.
10 de setembro (2). Rentrée do Bloco de Esquerda. Mariana Mortágua encerra um Viseu mais uma edição do “Fórum Socialismo”.
10 de setembro (3). Rentrée do PAN, em Oeiras, com intervenção da deputada única do partido, Inês Sousa Real.
10 de setembro (4). Quinto e último dia, em Fátima, do “Campus da liberdade 23”, promovido pelo Instituto + Liberdade, ligado aos liberais. Participam personalidades como Marques Mendes, Carlos Moedas, Cecília Meireles, Paulo Macedo (CEO da CGD), Francisco Assis e Sérgio Sousa Pinto, Maria Luís Albuquerque e Miguel Poiares Maduro. Encerra, dia 10, o deputado da IL (e ex-líder do partido) Carlos Guimarães Pinto.
15 de setembro. Primeira sessão plenária da nova sessão legislativa na Assembleia da República.
24 de setembro. Eleições regionais na Madeira.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Leonardo Negrão / Global Imagens