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Nova Agência de Migrações fica com poder de admitir estrangeiros sem pedir verificação de segurança

O artigo 82º do decreto-lei que cria a Agência para a Integração, Asilo e Migrações (AIMA) parece claro sobre os procedimentos de “instrução, decisão e notificação” em matéria de “concessão ou de renovação de autorização de residência”.

Além de os seus funcionários poderem “proceder à consulta direta e imediata das bases de dados” do Sistema de Informações Schengen (SIS), também vão poder “sempre que julgar necessário e justificado, solicitar e obter da UCFE informação com vista à verificação da inexistência de razões de segurança interna ou de ordem pública, bem como de prevenção da imigração ilegal e da criminalidade conexa”.

A UCFE é a Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros, uma espécie de mini-SEF que vai funcionar no Sistema de Segurança Interna (SSI) sob a égide do secretário-geral Paulo Vizeu Pinheiro, com acesso a múltiplas de bases de dados policiais, competências para avaliações de risco relacionadas com fluxos migratórios e verificações de segurança.

Poderes discricionários?

Mas este artigo está a suscitar algumas dúvidas a inspetores do SEF que falaram ao DN, preocupados com as implicações práticas na segurança.

“A separação de funções administrativas e policiais não pode significar a atribuição de poderes discricionários a entidades administrativas nestas matérias”, sublinhou um desses quadros.

Esta eventual “discricionariedade” da AIMA, implícita no poder de decidir quando é “necessário e justificado” pedir apoio à UCFE, é vista também com apreensão por outro inspetor que ainda trabalha nesta área.

“A AIMA não é uma polícia, mas as questões que trata, em alguns casos, são de natureza policial. Por exemplo, a decisão de emitir uma residência a uma pessoa que, em tese, pode representar um perigo para a segurança pública. Ou tomar decisões relativamente à proteção de vítimas no âmbito de crimes de Tráfico de Seres Humanos (TSH)”.

“Ora, a AIMA vai analisar, tem poder discricionário e os funcionários não são polícias, não têm formação nestas áreas. Esse poder discricionário deixa, como é óbvio, muito a desejar. Devia ser clarificado a bem de todos”, adverte.

Confrontada com o facto de os funcionários não policiais já terem atualmente acesso à base de dados SIS e poderem também fazer essa avaliação, esta fonte retorque lembrando que o “faziam num serviço de segurança, acompanhados por polícias. Os responsáveis pelos postos de atendimento eram polícias e essas indicações eram transmitidas na hora. Em muitos dos postos eram também polícias que chefiavam”.

Assinala ainda que quem estiver a fazer este atendimento na AIMA, “devia ter formação, por exemplo em indicadores de TSH, falsificação de documentos, cumprimento de medidas cautelares, tudo o que é trabalho policial associado a emissão de documentos”.

Havendo, por exemplo, “uma vigilância discreta como é que se faz? Aquilo é na hora para ser feito. O SSI não pode, em Lisboa, analisar in loco uma potencial situação de tráfico de menores, por exemplo, quando se está a obter uma residência com indícios de haver documentos falsos. Quem vai fazer isso são administrativos com poder discricionário que não têm formação, fora de uma entidade policial. O trabalho policial é hoje feito na hora por polícias”, assevera.

“Ninguém fica sem verificação”

A lei aprovada para a AIMA prevê que a UCFE “disponibiliza a informação” referida no artigo “no prazo de 15 dias” e caso o prazo não seja cumprido será entendido como correspondendo “à inexistência de razões de segurança interna ou de ordem pública, de prevenção da imigração ilegal e da criminalidade conexa que não admitam a concessão ou renovação da autorização de residência”.

O Sindicato da Carreira de de Investigação e Fiscalização, que representa a maior parte dos inspetores, não quis comentar, por entender que este assunto “não está na sua esfera de competências laborais”.

Da parte do Sindicato dos Funcionários do SEF, que representa os trabalhadores não policiais, o presidente Artur Jorge Girão, não vê que haja “discricionariedade”, salientando que “hoje em dia as consultas são automáticas, é uma ferramenta informática e deverá, do que percebemos, ser usada da mesma forma”.

No entanto, o facto de agora o fazerem dentro de uma polícia, leva este dirigente sindical a admitir que há ainda esclarecimentos a fazer.

“Nós não temos acesso ao conteúdo total do que está na base de dados, para saber se o que a pessoa tem sinalizado é ou não impeditivo da renovação dos documentos. É preciso esperar para ver o que a definição do estatuto dos trabalhadores vai definir nesse âmbito”, sublinha.

Mas a haver discricionariedade isso contraria, de alguma forma, a posição que tem sido assumida pelo secretário-geral do SSI. Em entrevista ao DN, o embaixador declarou que “temos as portas abertas à imigração, mas não fica ninguém no país sem verificação de segurança”.

O DN pediu ao gabinete da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, que vai tutelar a nova Agência, para explicar o que quer dizer o “sempre que julgar necessário”, quais os critérios definidos pela AIMA, e como isto se conjuga com as palavras de Paulo Vizeu Pinheiro.

“O Decreto-Lei n.º 41/2023 deve ser visto como um todo, assim, o artigo 82, nº2, prevê a consulta direta e imediata das bases de dados do SIS (Sistema de Informação Schengen), bem como a promoção da realização de consultas de segurança à UCFE, nos termos previstos na Lei”, respondeu.

Questões idênticas foram enviadas ao gabinete do secretário-geral do SSI, que ainda recentemente, conforme noticiou o DN, afiançou que a UCFE “irá intervir sempre nas situações em que estiver legalmente prevista a emissão de informações ou pareceres de verificação de segurança, designadamente no âmbito de pedidos de concessão, renovação de documentos, reconhecimento de direitos e atribuição e aquisição da nacionalidade a estrangeiros e de concessão de passaportes, com vista à apreciação de ameaças à segurança interna, ordem ou segurança públicas ou prevenção da imigração ilegal e da criminalidade conexa interna”, demonstrando a dimensão abrangente da sua ação, no seguimento das afirmações feitas por Paulo Vizeu Pinheiro.

O SSI reforça que “a informação da UCFE com vista à verificação da inexistência de razões de segurança interna ou de ordem pública, bem como de prevenção da imigração ilegal e da criminalidade conexa, é emitida sempre que julgado necessário, com base em critérios que decorrem de uma apreciação casuística da situação do requerente, e que poderá ter origem em qualquer documentação apresentada, em especial o registo criminal”.

“algum alerta que possa constar sobre o requerente, ou informação obtida nas bases de dados consultadas, em especial o Sistema de Informação Schengen, bem como do resultado de uma apreciação baseada em critérios gerais estabelecidos em análise de risco definidos pela UCFE que obrigarão a todos os requerentes nessas condições serem objeto de verificação adicional por razões de segurança interna ou de ordem pública”.

MAI acredita no reforço de segurança

Explica que “essa análise de risco poderá basear-se em inúmeros fatores, tais como a origem, condenações penais inferiores a um ano, residências anteriores, rotas de viagem, etc.”.

Salienta que que “as verificações da UCFE respeitam a razões de segurança interna ou de ordem pública, e não excluem outras verificações que a AIMA deve legalmente efetuar, nomeadamente nos termos gerais do artigo 77.º”.

“Onde se incluem, entre outros, a ausência de condenação por crime que em Portugal seja punível com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano; não se encontrar no período de interdição de entrada e de permanência em território nacional, subsequente a uma medida de afastamento; ausência de indicação no Sistema de Informação Schengen; ausência de indicação no SII UCFE para efeitos de recusa de entrada e de permanência ou de regresso, nos termos dos artigos 33.º e 33.º-A”.

Garante, de novo, o secretário-geral que “nenhum cidadão fica sem verificação de segurança, sendo objeto dessa verificação em vários momentos, seja por efeito dos requisitos previstos para a instrução do seu pedido junto da AIMA ou do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), nos consulados, mas igualmente pela UCFE no momento da emissão de um visto para residência, estada temporária ou procura de trabalho”.

“E ainda, uma vez em Portugal, quando solicita a concessão ou a renovação de uma autorização residência e os critérios atrás referidos justifiquem uma verificação de segurança adicional por razões de segurança interna ou de ordem pública.

Assim, todos os cidadãos estrangeiros são objeto de uma primeira verificação de segurança no momento em que solicitam um visto para entrar em território nacional, são verificados novamente na fronteira quando solicitam a entrada em espaço Schengen, são também verificados quando solicitam a concessão ou renovação de uma autorização de residência ou a prorrogação de um visto em território nacional”.

Da parte do ministro da Administração Interna a confiança é absoluta na que vai levar ao fim do SEF, marcado para 29 de outubro, a qual, no seu entender, vai permitir “reforçar os níveis de segurança de controlo e fiscalização de fronteiras”.

Em declarações na abertura do ciclo de conferências sobre a transição de competências e atribuições do SEF, uma iniciativa que este serviço de segurança, organizou na PSP e vai organizar nos dias 09 e 10 de outubro na GNR, José Luís Carneiro defendeu que “existem claros ganhos de eficiência”.

“É verdade que a reestruturação do SEF e a consequente transição de competências para a GNR e para a PSP em matéria de controlo das fronteiras e da atividade de estrangeiros em Portugal lançam desafios à gestão integrada das fronteiras. Mas são desafios que nos planos estrutural e organizacional pretendem, designadamente, garantir a eficácia e aumentar o controlo das fronteiras”, precisou o Ministro.

Para o governante, “a cooperação vai ditar o sucesso das dimensões organizacionais e funcionais desta nova arquitetura de segurança e o empenhamento das direções e comando vai determinar se necessitaremos de um ano a 100% e 50% no segundo ano ou se conseguimos, antes dessa meta, cumprir este objetivo. Se conseguimos cumprir este objetivo estamos também a contribuir para que mais cedo os funcionários possam transitar para a PJ”, disse.

Em relação aos meios humanos disponíveis para esta reforma – os quais, tal já noticiou o DN, na PSP estão, segundo os sindicatos, em elevado défice nos aeroportos – José Luís Carneiro afirmou que, independentemente de serem “muitos ou poucos”, o importante é “procurar avaliar” como se consegue tornar os meios de que se dispõe “mais eficientes no desempenho das funções e das missões atribuídas”.

A reestruturação do SEF foi decidida pelo anterior Governo e aprovada na Assembleia da República em novembro de 2021, tendo sido adiada por duas vezes.

Fonte: Diário de Notícias / Portugal

Crédito da imagem: Gerardo Santos / Global Imagens