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Na minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá

na minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá.

ele passava os dedos na água do mar imaginando o que teria do outro lado daquele oceano que lhe parecia infinito. imaginava as palmeiras balançando com o vento e os sonhos servidos com cocos gelados em praias de areia branca. será que estaria enganado? será que tudo era uma ilusão?

diversos amigos já haviam partido para a terra prometida. não a bíblica, árida e seca. mas uma nova fértil e com tantos recursos e colheitas quanto se podia imaginar. árvores com frutos a se perder de vista e pastos dos mais verdes a engordar a criação. será que tudo era alegria?

olhava as mãos ainda calejadas de um trabalho cada dia mais escasso, imaginando o quanto estava disposto a ver novamente o sangue da enxada entre as uvas amassadas pelos próprios pés. será que aquela terra daria uvas? quem se importava? com tantas frutas e abundância, não faltariam opções de grãos e esperanças. crianças de barriga cheia brincando nos montes e correndo pelo gramado recém-cortado da casa tão sonhada.

bateu com a mão na água como se pudesse dissipar os próprios pensamentos. o navio estava próximo de partir. a mala jogada no ombro era leve, não havia muito o que levar, a não ser a memória da escassez e da luta. a saudade já lhe doía, travando uma luta de esgrima contra a fé de um sol que parecia brilhar diferente. os desafios não seriam nada com tanto desejo por dias melhores.

sentiu um puxão na camisa e lembrou de todos os motivos ali alinhados a sua volta. seus 3 filhos a lhe chamar, ansiosos pela aventura de um novo e inédito passeio que lhes esperavam a alguns metros a sua frente. o imenso navio a vapor visto agora tão de perto, para aqueles que haviam saído de tão modesto interior. tudo lhes parecia tão imenso quanto em seus mais absurdos sonhos.

fizeram fila como se estivesse para receber um prêmio nunca sonhado. e estavam prontos como jamais pensaram estar. o frio na barriga parecia lhes contorcer até a alma. mas nada poderia parar aqueles que já estavam decididos há muito tempo. Inebriados, quase trôpegos, foram engolidos naquele mar de pessoas atravessando a ponte que os levariam aos mesmos sonhos. ouviram o primeiro apito como quem escuta uma mãe chamando para o jantar. acenaram para desconhecidos que deixavam, agora, para trás, se despedindo da terra natal como se nunca tivessem pertencido àquele lugar.

quando avistaram o primeiro sinal de terra, choraram. não pela terra que viram, mas pelo sonho que enxergaram. era como se uma nova vida estivesse se aproximando. sentiram o ar como se fosse a primeira vez. se abraçaram e sabiam que estavam prontos. ao desembarcarem, ainda levados pela horda de pessoas apressadas por uma vida sonhada, procuraram sair da multidão o mais rápido possível em direção a fila da imigração. mas antes se juntaram a um canto, e em um abraço caloroso e apertado, choraram, ele beijou o chão deixando os pequenos e a esposa em silêncio e agradeceu a deus. era o primeiro dia de uma nova vida. o sonho estava começando.

enrico pierro