António Costa passou uma tarde inteira, esta quinta-feira, no Parlamento, a defender que a nova secretária de Estado da Agricultura tinha condições para se manter no governo (“vou demitir a mulher de alguém porque o marido é acusado?”) e de um momento para o outro todo o seu argumentário ruiu, por via de uma intervenção do Presidente da República, acabado de chegar a Lisboa vindo de Roma, onde foi participar nas cerimónias fúnebres de Bento XVI.
“O problema não é jurídico nem para já ético, é um peso político negativo, na pessoa que sabe que apareceu com esse peso.”
Falando com jornalistas no Teatro São Luíz, em Lisboa, onde foi para a apresentação de uma revista da Amnistia Internacional, Marcelo Rebelo de Sousa disse que, no seu entender, a questão não era judicial nem criminal nem mesmo ética, mas simplesmente política: “O problema não é jurídico nem para já ético, é um peso político negativo, na pessoa que sabe que apareceu com esse peso”.
No seu entender, alguém que “tem uma ligação familiar próxima com alguém que é acusado num processo de uma determinada natureza, qualquer que seja a natureza criminal, à partida tem uma limitação política, é um ónus político”.
E, aliás, a secretária de Estado até deveria ter feito um “auto escrutínio”, isto é, “dizer: eu não tenho nada que legalmente seja contra mim, agora, isto diminui a força política ou não diminui. Pode acontecer que a pessoa diga: não diminui. É um juízo. Se entende assim, avança. E depois o futuro dirá se diminuía ou não diminuía.”
A declaração de Marcelo teve efeito imediato
Menos de vinte e seis horas depois de ter tomado posse como secretária de Estado da Agricultura, Carla Alves fazia saber que se demitia, por ter chegado à conclusão de que não tinha condições para condições para ficar no Executivo. Nessa altura, então, a dúvida passou a ser outra: teria a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes – que foi quem convidou Carla Alves para o governo – condições para também ela permanecer no governo.
Marcelo vetou assim a continuidade de Carla Alves no governo mas fez mais do que isso. Também atirou para o caixote do lixo uma proposta que António Costa tinha feito durante a tarde no debate da moção de censura ao governo apresentada pela Iniciativa Liberal (e que, como se esperava, acabou chumbada, com os votos contra do PS, PCP e Livre, as abstenções do PSD, BE e PAN e apenas os votos a favor dos proponentes e do Chega).
“Irei propor ao senhor Presidente da República que consigamos estabelecer um circuito entre a minha proposta e a nomeação dos membros do governo que permita evitar desconhecer factos que não estamos em condições de conhecer e garantir maior transparência e confiança de todos no momento da nomeação.”
Respondendo a uma intervenção de Inês Sousa Real, deputada única do PAN, o chefe do governo expôs a sua ideia: “Irei propor ao senhor Presidente da República que consigamos estabelecer um circuito entre a minha proposta e a nomeação dos membros do governo que permita evitar desconhecer factos que não estamos em condições de conhecer e garantir maior transparência e confiança de todos no momento da nomeação.”
Percebendo imediatamente que assim estaria a ser corresponsabilizado, Marcelo foi claríssimo a chumbar a ideia: “A haver uma intervenção, e veremos de quem, como, para apurar problemas de legalidade, problemas de constitucionalidade ou problemas de impedimentos relativamente a quem vai ser nomeado para determinados cargos, como estes de que se falou, eu acho que deve ser antes de o governo apresentar a proposta [ao Presidente da República]”.
“O Presidente da República não se pode substituir ao primeiro-ministro [e] se o Presidente passa a formar ele os governos o sistema passa a ser presidencialista.”
Ou seja, o escrutínio “tem de ser antes de o governo propor, não é depois de propor” – “porque imagine-se que, depois de se propor, acontece que num, dois, três, quatro casos se verifica que as propostas têm fragilidades – era preferível não haver propostas ao Presidente da República e, portanto, prevenir-se”.
Além do mais – acrescentou – assim estaria em curso uma mudança na natureza do regime: “o Presidente da República não se pode substituir ao primeiro-ministro [e] se o Presidente passa a formar ele os governos o sistema passa a ser presidencialista”.
Tal como no caso de Miguel Alves ou de Alexandra Reis, também Carla Alves cai atingida pelo passado: um processo judicial em que o seu marido é acusado de vários crimes (entre os quais corrupção) que terão sido cometidos no tempo em que presidiu à câmara de Vinhais. Não sendo arguida, tem no entanto uma conta bancária arrestada, conta da qual é cotitular com o marido.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: António Pedro Santos / LUSA