O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou esta terça-feira que “a Igreja, como instituição, tem de repensar a sua atuação no futuro”, na sequência da apresentação do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja.
Marcelo Rebelo de Sousa referiu que a comissão independente, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, lhe chamou “muito a atenção” para o facto do número de denúncias ter aumentado “bastante”, desde o momento em que começaram os trabalhos.
A comissão independente chamou a atenção do Presidente da República “para a gravidade dos abusos, para que não se pensasse que eram abusos sobretudo psicológicos, havia muitos, muitos abusos físicos, e muito intensos”.
“E também chamou a atenção para o facto de, na sua opinião, [os abusos] durarem até hoje. Ou seja, não é um fenómeno do passado. Continuou, entrou neste século e continuou até hoje”, destacou Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas em Belém.
“Ultrapassou aquilo que tinha pensado de início e, provavelmente, ultrapassou aquilo que os portugueses todos pensavam quando se arrancou com a comissão”, admitiu o chefe de Estado.
Questionado sobre se há lugar para que a Igreja avance para a indemnização às vítimas, Marcelo Rebelo de Sousa considerou que “a Igreja tem um dever ético de se responsabilizar”, tal como foi assumido no dia da apresentação do relatório da comissão independente.
Defende que “não há dúvidas” que “esse dever ético”, que abrange o apoio psicológico, “continua a ser muito importante para muitas das vítimas, anos e anos depois” dos abusos.
Recorda “que em vários países houve indemnização” às vítimas, mas prefere aguardar pela posição da Igreja sobre esta matéria.
Indica que está em “sintonia total” com a comissão independente, que sugere a prescrição dos crimes de abuso a partir dos 30 anos da vítima, mas Marcelo Rebelo de Sousa remete a questão para o parlamento.
Número de casos “pode ser apenas uma parte do fenómeno”
A comissão independente propôs a criação de uma outra comissão, ligada ao Estado, que “prosseguisse este tipo de trabalho, em protocolo com o Ministério Público”, lembra o chefe de Estado, recordando que a comissão chamou também a atenção para o facto de se ter a “noção que na sociedade portuguesa existia, e porventura existe ainda, uma ideia de impunidade ou de não denúncia em atividades muito variadas: desportivas, de lazer, ligadas a outras instituições”.
Tendo em conta que a comissão apurou que pelo menos 100 alegados padres abusadores estão no ativo, Marcelo Rebelo de Sousa foi questionado sobre se esta realidade não irá afetar a imagem que os portugueses terão da Jornada Mundial da Juventude. “É evidente que uma instituição que se confronta com este tipo de relatório é levada a mudar de vida. É inevitável”, reforça.
“Seria muito estranho que, na sequência daquilo que se publicou, não houvesse uma responsabilidade no afastamento daqueles que podem ter uma atuação repetida, no funcionamento das estruturas da instituição, se não tirassem lições para o futuro”, respondeu.
“Outra coisa” é a Jornada Mundial da Juventude, disse, em que os participantes são, na generalidade, estrangeiros, sendo, por isso, “uma realidade muito específica que não tem diretamente a ver com uma responsabilidade “que implica mudanças de vida”.
Recorde-se que a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica recebeu 512 testemunhos validados relativos a 4.815 vítimas desde que iniciou funções em janeiro de 2022, tendo sido enviados para o Ministério Público 25 casos.
“Este número é bem superior ao anterior e, para o tempo em que trabalhou a comissão, como alguns dos membros reconheceram, significa que pode ainda ser apenas uma parte do fenómeno e não todo o fenómeno que continua presente na sociedade portuguesa”.
No que se refere à ocultação de casos de abusos, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou: “A Igreja, como instituição, tem de repensar a sua atuação no futuro, porque em muitos casos não teve a noção, noutros casos teve a noção, mas subavaliou, achou que era um fenómeno isolado ou que não tinha a gravidade que tinha, noutros fenómenos demorou muito tempo a reagir, noutros fenómenos ainda está a querer compreender aquilo que se passou”.
O Presidente da República disse não saber qual vai ser o caminho que a Igreja Católica portuguesa vai seguir após a divulgação do relatório da comissão independente. “É uma reflexão que a Igreja tem de fazer”, considerou, apontando para a conferência episcopal marcada para o início de março.
Quanto mais “rápido” e “claro” for o caminho que a Igreja optar por seguir, “melhor”, defendeu Marcelo Rebelo de Sousa.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: António Cotrim / LUSA