O investigador principal no Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, Vítor Pereira, defendeu que a cantora portuguesa Linda de Suza, que morreu esta quarta-feira aos 74 anos, foi o rosto dos milhares de portugueses, e em particular das mulheres, que emigraram para França nas décadas de 1960 e 1970.
“No início da sua carreira já havia cerca de um milhão de portugueses em França, mas não havia cantores de origem portuguesa. Havia cantores de origem espanhola, italiana, mas não portuguesa e então ela foi o rosto visível da imigração portuguesa em França, e também da imigração feminina”, explicou à Lusa Pereira.
Através de músicas como Valise de Carton, J’ai deux pays pour un seul coeur ou La Symphonie du Portugal, Linda de Suza não só contou aos franceses as dificuldades e a realidade de muitos imigrantes portugueses em França, mas também introduziu naquele país ritmos portugueses que até aí não eram conhecidos, com muitos gauleses a atribuírem-lhe a autoria de músicas tradicionais como Malhão, malhão ou Tiro Liro Liro.
“Claro que ela trouxe um toque português à música francesa. A música portuguesa mais conhecida era o fado e então havia guitarra de fado nas suas músicas, mas ela também fez entrar na música francesa tudo que é o folclore português, mais do Norte, embora ela fosse do Alentejo”, explicou Vítor Pereira, que investiga a história da imigração portuguesa em França.
Para a comunidade portuguesa, Linda de Suza foi “um espelho” das suas vivências. Pedro Alves nasceu em Dijon, filho de pais portugueses, e lembra-se de ter visto uma atuação de Linda de Suza quando era criança que o marcou para sempre.
“O meu pai fazia parte da associação de portugueses de Dijon. Eu devia ter 6 ou 7 anos quando a Linda de Suza foi dar um concerto a Dijon e foi a primeira vez que a vi e foi maravilhoso. Para os portugueses era como se estivessem em frente a um espelho, porque era a vida deles, a vida de um emigrante português. Linda de Suza era uma parte de cada um de nós”, disse o lusodescendente.
Pedro Alves seguiu uma carreira no teatro musical, tendo sido um dos protagonistas da peça “Les Dix Commandements!”, enveredando depois por uma carreira a solo como cantor. Em 2019 criou, produziu e interpretou o espétaculo “Carte Postale du Portugal” com Linda de Suza. Os dois chegaram a gravar um disco em conjunto e a fazer alguns espetáculos, numa digressão que foi suspensa no início de 2020 devido à frágil saúde da cantora.
“Tenho recordações maravilhosas porque era uma artista incrível, uma grande artista que marcou a história de Portugal e da música francesa e portuguesa. É a segunda artista portuguesa a ter vendido mais discos no Mundo, depois de Amália Rodrigues. A ‘tournée Carte Postale du Portugal’, connosco, foi uma maravilha porque a Linda de Suza tinha muita vontade de estar próxima do público, o palco era o único sítio onde ela se sentia bem”, declarou Pedro Alves.
Para além dos álbuns de platina, as incontáveis aparições na televisão francesa e mesmo a adaptação da história da sua vida numa minissérie francesa, Linda de Suza escreveu um livro La valise en carton (mala de cartão), que vendeu mais de dois milhões de exemplares, o que mostra, segundo Vítor Pereira, como era um “verdadeiro fenómeno popular” em França.
Para a comunidade portuguesa em França, Linda de Suza mostrou ainda a possibilidade de uma vida diferente, inspirando os jovens de origem portuguesa em França a seguir os seus sonhos.
“Ela mostrou que era possível. Ela foi uma pioneira e deu-nos a certeza de que era possível. Linda de Suza mostrou aos lusodescendentes que um português não tinha só de trabalhar nas obras ou nas limpezas e que era possível subir ao palco, fazer música, cantar e ter um público. Ela deu-me vontade de ser cantor”, contou Pedro Alves.
Contributo para emancipação dos portugueses em França
O presidente do Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na Europa (CRCPE) enalteceu o papel da cantora Linda de Suza na emancipação da comunidade portuguesa em França, que na altura enfrentava condições muito mais adversas.
Em declarações à agência Lusa, Pedro Rupio disse conhecer a importância da cantora, cuja “mala de cartão” simboliza a emigração “a salto” nos anos 60 e 70 do século passado, que teve sucesso num país onde muitos portugueses viviam em condições extremamente difíceis, nomeadamente nos famosos ‘bidonville’ (bairros de lata).
“Se há uma coisa que nunca mais se viu e que existia no tempo em que Linda de Suza emigrou para França foram os ‘bidonvilles’. É uma grande diferença”, observou.
Referindo-se à emigração a que Linda de Suza acabou por dar o rosto, Rupio indicou que os anos 60 e 70 do século XX tinham pouca emigração qualificada, ao contrário dos dias de hoje.
Contudo, o presidente do CRCPE sublinha: “Ainda assim, em muitos países da Europa continua a assistir-se à chegada de portugueses pouco qualificados e que enfrentam várias precariedades nos primeiros tempos nos países de acolhimento”.
Pedro Rupio reconhece a importância de figuras como Linda de Suza, com sucesso no país de acolhimento, e que ajudam a matar as saudades do país de origem.
Linda de Suza emigrou em 1970 para França, onde fez carreira na música.
Nascida em 1948 em Beringel, no concelho de Beja, Linda de Suza estreou-se como cantora no restaurante Chez Loisette, em Saint-Ouen, a cerca de 6,5 quilómetros a norte de Paris, onde foi descoberta pelo compositor André Pascal (1932-2001) que a apresentou, posteriormente, ao compositor Alex Alstone (1903-1982).
A etapa seguinte foi a apresentação na televisão, no programa “Rendez-Vous du Dimanche”, de Michel Drucker, onde interpretou a canção “Un Portugais” (Vine Buggy/Alex Alstone), cujas vendas do ‘single’ atingiram o Disco de Platina em França em 1979.
A cantora assinara, entretanto, contrato com a discográfica Carrere, depois de recusada pela Barclay, e estava lançado o mote da sua carreira com “Um Português (Mala de Cartão)”, no qual cantou os lamentos da saudade de quem deixou o país, seguindo-se o ‘single’ “Uma moça chorava”.
Linda de Suza tornou-se a cantora da comunidade emigrante portuguesa, cantando as suas dificuldades e saudades, em temas como “J’ai deux pays pour un seul coeur” ou “La Symphonie du Portugal”. No seu repertório incluiu temas do cancioneiro popular como “Lírio Roxo” e “Malhão, Malhão”, e gravou “Coimbra/Avril au Portugal”.
A cantora atuou em Portugal em 1979 e continuou a bater recordes de vendas na década de 1980, publicando o álbum “Amália/Lisboa” e ‘singles’ como “Canta Português”, “L’Etrangère” ou “Comme Vous”.
A sua história foi adaptada à televisão numa minissérie intitulada “Mala de Cartão” (1988), protagonizada por Irene Papas (1919-2021).
Linda de Suza passou por contratempos pessoais que tiveram eco na imprensa: em 2010, tornou públicas as suas dificuldades financeiras e acusou o companheiro de lhe roubar a identidade; na época, afirmou que vivia com cerca de 400 euros mensais. Contudo, voltou aos palcos e, entre 2014 e 2017, realizou várias digressões.
Em 2020, apresentou um novo projeto, “Postais de Portugal”, com o qual preparava nova digressão que a pandemia de covid-19 obrigou a cancelar.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
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