Considerada referência em saneamento básico no País por estar próxima à universalização do fornecimento de água e tratamento de esgoto, Santos chegou a esse patamar tendo como base uma história que tem cerca de 120 anos.
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Deve-se a Saturnino de Brito, nome lembrado oficialmente na Cidade neste 10 de março, data de sua morte, em 1929, a criação de um sistema de coleta de esgoto e a construção dos canais e estações elevatórias que fazem a drenagem das águas pluviais. Seu legado segue preservado e sob permanentes cuidados para se manter eficiente, garantir a balneabilidade das praias e a conservação do oceano.
No final do século 19 e início do 20, ao mesmo tempo em que o porto passava por intensa movimentação de chegada de imigrantes e embarques de café, grandes epidemias assolavam a Cidade. Cerca de metade da população, isto é, mais de 22,5 mil pessoas morreram vítimas de doenças como varíola, febre amarela e peste bubônica.
Preocupado com a situação, o governo do Estado instituiu frentes de controle. Saturnino de Brito ficou responsável por uma comissão de saneamento, que viria a implementar um plano urbanístico de coleta de esgoto para afastá-lo das águas usadas pela população. Um segundo sistema foi destinado a coletar as águas das chuvas, dos rios e drenar as áreas pantanosas: nascia assim o projeto dos canais.
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Em 1906 se iniciaram as obras do que seriam os modernos condutores das águas, que possuiriam um sistema de comportas. Esses dispositivos permitiriam que, em dias de chuva, a água dos canais cheios fosse liberada gradualmente para não destruir as praias e, no sentido contrário, em maré alta, que a água do mar não invadisse a Cidade.
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Saturnino de Brito projetou nove canais, iniciando as construções em 1906 – fotos: acervo Fams
Reconhecimento
O secretário do Meio Ambiente de Santos, Marcos Libório destaca os impactos ambientais positivos, ainda hoje sentidos, das obras de Saturnino de Brito. “Santos é conhecida por ser uma cidade vanguardista e, com certeza, isso está muito ligado à vida e à obra de Saturnino de Brito. Esse engenheiro nos legou os canais, que garantiram o futuro da Cidade, permitindo que ela se expandisse de forma saudável”.
Libório destaca a visão futurista do engenheiro. “Saturnino sabia que a saúde humana está diretamente ligada à saúde do meio ambiente e que a falta do saneamento básico coloca a população em risco. Nesse sentido, ele foi um visionário ao priorizar essa relação há mais de 100 anos”.
Como funcionam as comportas
As comportas têm função de controlar o escoamento da água pluvial dos canais, além de permitir melhor balneabilidade da praia. Atualmente a equipe de operadores é composta por seis profissionais. No total, há 13 comportas ao longo dos canais. Destas, seis ficam na Orla e sete na Zona Intermediária.
As comportas da Orla fazem o controle efetivo do escoamento das águas pluviais dos canais para o mar em caso de chuva forte. Em condições normais, ficam fechadas, o que permite que a água do canal seja drenada para o sistema da Sabesp e não prejudique a balneabilidade da água do mar.
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Mas em caso de grande volume de chuva, elas são abertas. A equipe fica de prontidão e diariamente recebe informações sobre as previsões climáticas geradas pela Defesa Civil, para planejamento de ação. A abertura total das seis comportas da Orla leva em torno de 30 minutos.
Já as comportas intermediárias têm caráter secundário e ficam normalmente abertas. A principal função delas é fazer a retrolavagem (que consiste no acúmulo de água da chuva para desaguar no restante do canal) e o objetivo é utilizar a força da pressão para a lavagem e desassoreamento do canal.
Responsável pelo controle das comportas, limpeza e desassoreamento dos canais, o engenheiro mecânico Rafael Arruda Barroso, da Secretaria das Prefeituras Regionais explica que o controle eficiente do sistema é importante para evitar diversos problemas que seriam ocasionados por alagamentos em situações de maré alta ou temporais. “Os canais são responsáveis por permitir o tráfego normal das vias; pela redução de danos às propriedades e do gasto com manutenção de vias públicas; para a prevenção e controle de doenças transmitidas por vetores e a separação total entre sistema de esgoto e água pluvial”.
Modos de limpeza
A limpeza dos canais é realizada de duas formas: mecanizada e a manual.
A mecanizada serve principalmente para o desassoreamento (remoção de lama, detritos e areia) e é feita com o auxílio de escavadeira hidráulica. No mês de janeiro foram retiradas cerca de 545 toneladas de lama dos canais. A Zona Noroeste é a região mais afetada pelo assoreamento.
Durante ressacas do mar, o assoreamento ocorre mais severamente nos canais 1, 2 e 3. Ocorre um processo natural de transporte de areia pela maré das imediações dos canais 4, 5 e 6 para os canais 1, 2 e 3. Nessa situação, os caminhões transportam a areia que se concentrou nos canais 1, 2 e 3 para a faixa arenosa entre os canais 5 e 6. Em seguida é feito um trabalho de espalhamento e nivelamento dessa areia.
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Na limpeza manual, duas equipes efetuam diariamente o serviço de capinação dos taludes dos canais. Também são recolhidos os resíduos sólidos (orgânicos ou não) que se acumulam nas comportas, nas ecobarreiras (barreiras de proteção e contenção contra resíduos flutuantes), nas grades metálicas de canais (principalmente os canais da Zona Noroeste) e caixas de sopé (caixas que recebem água de encostas, por exemplo, a caixa do canal da Rua Santa Catarina, no José Menino).
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Multiplicação
Os nove canais inicialmente projetados por Saturnino de Brito se multiplicaram ao longo dos anos. A Cidade possui atualmente 25 canais, são eles: Francisco Ferreira Canto, Eleanor Roosevelt, Jovino de Melo, Roberto Molina Cintra, Hugo Maia, Brigadeiro Faria Lima, Vivaldo de Almeida Nery, Pio XII, Maria Mercedes Fea, Rio Lenheiros e São Manoel, todos na Zona Noroeste; e os canais da Zona Leste: Dom Duarte Leopoldo e Silva, Nilo Peçanha, Moura Ribeiro, Barão de Penedo, Santa Catarina, canais 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e Campos Sales.
Visionário
Francisco Saturnino Rodrigues de Brito nasceu em 14 de julho de 1864, em Campos/RJ e morreu em 10 de março de 1929, em Pelotas/RS. Em 1887 formou-se em Engenharia pela Politécnica do Rio de Janeiro e se especializou em engenharia sanitária. Foi responsável por alguns dos mais importantes estudos de saneamento básico e de urbanismo em mais de 50 cidades do País.
Diversas obras técnicas de saneamento projetadas por Saturnino de Brito foram adotadas na França, Inglaterra e Estados Unidos. É considerado o Patrono da Engenharia Sanitária Brasileira pelo congresso da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental.
Em 1943 a Imprensa Nacional e o Instituto Nacional do Livro publicaram as obras completas dos projetos de Brito, com o trabalho desenvolvido em Santos constando do volume de número sete. Em uma citação, o engenheiro resume o sentimento da missão que exercia.
“Com efeito, será preciso tratar da casa como se trata do homem; apenas a engenharia substitui a medicina, ou melhor, aparece a função do técnico higienista. Já não se cuida só de impedir que as impurezas expedidas se acumulem em torno do indivíduo, ou em torno da casa: é preciso cuidar da canalização da casa como cuida o médico do aparelho intestinal do indivíduo”.
Fonte: Prefeitura Municipal de Santos
Crédito da imagem principal: Nathalia Filipe / PMS