A partir desta sexta-feira, os preços do cabaz de 46 produtos alimentares voltam a incorporar o imposto que esteve suspenso desde abril, mas o aumento das matérias-primas, dos custos de transporte, das portagens e até dos salários vai pressionar em alta o preço ao consumidor.
A medida que permitiu isentar 46 bens alimentares de primeira necessidade do Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) durante quase nove meses, chega ao fim. Amanhã, os artigos em causa, e que se desdobram em quase 14 mil referências, segundo os dados da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED), voltam a estar nas prateleiras dos supermercados 6% mais caros.
Mas o aumento real, no final do mês, deverá ser bem superior a esses 6%, já que a reposição da cobrança de IVA é acompanhada da habitual atualização de tabelas dos diversos fornecedores no arranque do ano. Consciente de que as famílias portuguesas “estão muito estranguladas” pelo aumento das taxas de juro, a APED garante que os seus associados continuarão a “esmagar margens” para as apoiar, mas lembra que a pressão sobre os custos de produção, seja por via da subida dos preços das portagens, das matérias-primas ou dos salários, continua elevada.
A medida, dizem os responsáveis do setor, foi “a mais escrutinada de sempre” no retalho alimentar, com a ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica a fiscalizar, com regularidade, a aplicação do IVA Zero nas prateleiras. Desde abril, a ASAE detetou, pelo menos, 174 situações de incumprimento do IVA Zero desde a sua aplicação, indicou, no Parlamento, o inspetor-Geral da Autoridade, Luís Lourenço.
O responsável disse não saber como é que os preços dos 46 produtos abrangidos por este cabaz vão reagir à reposição do imposto. “Os preços são livres, a aplicação dos preços não está balizada por lei, por isso, o que nós podemos aqui detetar são situações em termos da lei”, acrescentou, apontando que, na última semana, houve uma estabilização dos preços e não “um pré-aumento de preços”.
Já o diretor-Geral da APED fala numa “medida política bem-sucedida”, sobretudo por ter sido conjugada com apoios de 200 milhões de euros aos produtores nacionais. Um envelope que só começou a chegar em setembro e do qual ainda falta pagar 20 milhões, mas que ajudou a minimizar os impactos dos aumentos de custos dos agricultores.
“A medida foi tão bem-sucedida que, em Espanha, foi prolongada por mais seis meses”, lembra o dirigente. Sobre a decisão do Governo português de não a prolongar, Gonçalo Lobo Xavier fala numa “decisão política que se aceita”, mas alerta para a existência de “pressões enormes sobre um conjunto significativo” de matérias-primas, como os cereais, cacau, azeite ou rações.
Sobre os aumentos de preço – e a Deco – Associação para a Defesa do Consumidor tem vindo a monitorizá-los e a alertar que o cabaz, sem IVA, está já mais caro atualmente do que estava em abril, na véspera da entrada em vigor da medida -, a APED lembra que “o mercado continuou a funcionar e o IVA Zero não significava a cristalização dos preços”.
Por isso, a associação assume-se “apreensiva” em relação a 2024, “um ano carregado com muita incerteza, tanto a nível político como económico, e agravada pelas perturbações causadas pela guerra na Ucrânia e o agravamento da situação no Médio Oriente”.
Pedro Pimentel, diretor-Geral da Centromarca, não tem dúvidas de que o IVA Zero ajudou à contenção de preços, “com um efeito prático indiscutível” de redução da taxa de inflação, que não se limitou, acredita, aos 46 artigos do cabaz escolhido pelo Governo.
Teve sim, garante, “um efeito tampão” sobre muitos outros produtos. Para o consumidor, traduziu-se, diz, na possibilidade de “desviar o dinheiro que poupou no cabaz do IVA Zero para outros produtos, que não foram prio- rizados pelo Estado, mas que são importantes para as pessoas”, sustenta.
O responsável da Centromarca reconhece que a medida foi “pontual e com um impacto limitado”, mas sublinha que “mais importante do que a poupança que gerou, foi o seu contributo para a desaceleração da inflação”.
Com o fim do IVA Zero termina também o “efeito tampão, e dar-se-á a correção de preços”, que a Centromarca espera não seja exagerada. Até porque, frisa Pedro Pimentel, “um aumento excessivo de preços será mal encarado pelos consumidores”.
APED e Centromarca juntam-se à CIP – Confederação Empresarial de Portugal para exigir uma harmonização do código do IVA que permita que todos os bens alimentares, transformados ou não, sejam sujeitos à taxa mínima de 6%, em vez de haver produtos a pagar 6% e outros 13 e 23%.
“Sem Governo, este é o momento para sensibilizar as diferentes forças políticas para este tema”, diz Pedro Pimentel, que lembra a questão da competitividade fiscal em relação a Espanha, agora agravada com o prolongamento do IVA Zero no país vizinho. A APED promete apresentar novidades, em linha com a CIP, sobre esta matéria durante o primeiro semestre.
Da parte da CIP, a convicção é de que o Governo só tem a ganhar com a harmonização do IVA sobre a alimentação. Até porque, lembra Manuel Tarré, “não faz sentido a alimentação ser taxada como um produto de luxo”. E dá o exemplo dos rissóis ou das salsichas, que pagam 23% de IVA, enquanto o bife do lombo paga 6%. “É uma assimetria grave e que penaliza as famílias com menos recursos”, diz, assegurando que “Portugal é o único país na Europa a taxar produtos alimentares a 23%”.
A aplicação da taxa mínima de 6% do IVA aos congelados custaria 110 milhões de euros, segundo um estudo da CIP. A confederação pretende que os produtos alimentares fiquem todos com a taxa mínima e, para compensar o Estado, sugere a eliminação da taxa intermédia de 13% do IVA, passando tudo o que aí está – e não é produto alimentar – para a taxa máxima, que poderia descer dos 21 para os 23%. “Sem perda de receitas”, garante o presidente da CIP, Armindo Monteiro.
174
Processos crime
Foi o resultado das infrações detetadas pela ASAE desde o início do IVA Zero, a 18 de abril. Foram fiscalizados mais de 2000 operadores económicos.
Fonte e crédito da imagem: Diário de Notícias / Portugal