Sem saber se estava “a sonhar ou acordado”, Rui Oliveira confessava não ter palavras e nem queria acreditar no que conquistara: um ouro olímpico e logo na sua estreia em Jogos.
Ao seu lado, Iúri Leitão admitia estar “incrédulo”, ainda a “digerir a medalha de quinta-feira” (prata, conquistada no omnium masculino). O arranque, assumiu, não correu bem, estava “com as pernas muito más” e “não estava num bom dia”. Apesar das adversidades, juntos conquistaram no madison este sábado o primeiro ouro português desta edição dos Jogos Olímpicos.
O triunfo dos dois ciclistas tornou-se, assim, histórico: o ciclismo de pista português é a segunda modalidade a vencer uma medalha de ouro olímpica. Todas as anteriores tinham sido conquistadas no atletismo.
O trunfo para a vitória foi só um: taticismo. Correndo contra adversários já conhecidos, o objetivo da dupla portuguesa foi “guardar ao máximo, porque a prova ia ser muito fatigante”.
“A paciência costuma ser um dos nossos pontos fortes e acabámos por surpreendê-los no final. Tínhamos isto programado e conseguimos”, confessou Iúri Leitão.
Com este triunfo, o ciclista de 26 anos tornou-se no primeiro atleta português a vencer duas medalhas numa mesma edição de Jogos Olímpicos.
O madison é corrido em duplas, com os ciclistas a revezarem-se entre si ao longo de toda a prova. (Sebastien Bozon / AFP)
O próprio Rui Oliveira assumiu, depois da prova, que “à partida” a dupla estava “no top-7 de favoritos. É a verdade”.
Caracterizado pelo revezar dos ciclistas ao longo de toda a corrida, o madison é feito em equipa, que trocam entre si. Para isso, tocam na mão um do outro. É, como explicou Iúri Leitão, “uma prova de companheirismo”.
As duas metades “têm de se completar. Temos de ser muito altruístas, de pensar antes do nosso colega do que em nós. Quanto menos descansarmos, menos o nosso colega está na pista a cansar-se”.
“É uma prova de companheirismo, de irmandade. O tocar de mãos é um simbolismo, é um elo que nos une, de passar toda a nossa força para o colega estar nas melhores condições para bater-se com os outros países”, explicou o ciclista.
Juntos, Iúri Leitão e Rui Oliveira já tinham conquistado o bronze nos Europeus prova, em 2021.
Primeiro-ministro assume aposta política reforçada
O triunfo dos dois ciclistas, este sábado, foi testemunhado in loco pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, que esteve a acompanhar a prova no velódromo de Saint-Quentin-en-Yvelines.
No final, o chefe de Governo desceu até à pista, onde trocou breves palavras com os medalhados. No exterior do velódromo, Luís Montenegro disse ter sido uma experiência “emocionante”, onde berrou, puxou, e depois, saltou. “Fizeram uma corrida inteligente e excecional”, elogiou o chefe de Governo.
E o que disse aos dois ciclistas? “Disse que tínhamos um grande orgulho no trabalho que tinha sido feito. Desci para junto deles como sinal de grande respeito, de consideração e também para transmitir um abraço do povo português que estava em casa vibrante.”
Este triunfo, assumiu em declarações à RTP, mostra a “necessidade de encarar a aposta política portuguesa com, por um lado, dar mais qualidade de vida aos portugueses, em questões de saúde física e mental e, por outro lado, detetar também os talentos que possam ser trabalhados para chegar a este nível, que é um nível absolutamente extraordinário”.
Em comunicado, o Presidente da República disse ter um “enorme orgulho” nos dois atletas. “Os campeões olímpicos venceram uma prova de extrema qualidade, cuja emoção deixou todos os portugueses sem fôlego”, classificou.
“Flying piggy” e o colega de João Almeida
Batizado “flying piggy” (“porquinho voador) pelos companheiros do ciclismo nacional, Iúri Leitão é descrito por quem com ele lida como “uma pessoa autêntica”, que, por vezes, é chamado “fósforo”, diz o ciclista João Matias sobre o corredor da Caja Rural. A alcunha, explica, deve-se ao facto de só precisar “de um pequeno estímulo para deitar logo fogo”.
Rui Oliveira, por sua vez, compete ao lado de João Almeida na UAE Emirates. E é, também, um dos pioneiros do ciclismo de pista nacional. Ao lado do irmão gémeo, Ivo, conquistou vários títulos internacionais na modalidade (a primeira remonta a 2013, quando Rui se tornou vice-campeão europeu júnior de scratch).
Este sábado, confirmou todo o potencial e, depois de “mais de 10 anos a tentar”, colocou o ciclismo de pista no topo do desporto – e do olimpismo – português.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Thomas Samson / AFP