Os portugueses não estão satisfeitos nem com o estado da democracia nem com a maioria das instituições que garantem o seu funcionamento. De acordo com uma sondagem da Aximage para o DN, JN e TSF, a propósito dos 49 anos do 25 de Abril, a desconfiança é particularmente elevada relativamente aos tribunais e ao Governo. Ao contrário, é alta a confiança nas Forças Armadas e nas polícias.
O país já está em contagem decrescente para comemorar meio século da revolução e a sondagem revela uma avaliação ambivalente da democracia. Quando as perguntas sugerem um balanço destes 50 anos, incluindo direitos e liberdades individuais ou direitos sociais, o balanço é francamente otimista. Quando se pede uma avaliação ao momento atual, o retrato é muito diferente e bastante mais pessimista.
Divisão entre gerações
A insatisfação é evidente, desde logo, quando se pede uma avaliação ao estado atual da democracia. São mais os que dizem que está pior (43%) do que os que acreditam que está melhor (33%), com destaque para o pessimismo das mulheres, dos mais velhos, dos que residem a norte e dos que votam mais à Direita.
No que diz respeito aos escalões etários, a avaliação piora com o avançar da idade, ao ponto de haver um cisma geracional entre os dois grupos mais novos (18 a 49 anos), em que há um saldo positivo (diferença entre as respostas que consideram que está melhor e os que dizem que está pior), e os dois grupos mais velhos (50 anos em diante), em que o saldo é negativo.
Quando se analisam os segmentos partidários, a avaliação coincide, de alguma forma, com a maior ou menor proximidade ao poder político atual. Os mais satisfeitos com a evolução da democracia são os socialistas (o saldo é positivo), mas, daí para a Esquerda, e em particular para a Direita, o sentimento agrava-se, com destaque para quem vota no Chega e na Iniciativa Liberal.
Presidência no verde
O descontentamento com a evolução da democracia parece, aliás, ter relação direta com a desconfiança nas instituições que asseguram o seu funcionamento. Desde logo, com as instituições políticas legitimadas através do voto. Tanto o Governo, como a Assembleia da República, têm um saldo negativo, mesmo que a pergunta não seja dirigida aos protagonistas do momento: apenas dois em cada dez portugueses confiam nestes órgãos de soberania.
A Presidência da República, apesar da queda face ao ano passado, mantém um saldo positivo, o que coincide com a avaliação a Marcelo Rebelo de Sousa. A Presidência mantém um saldo positivo de 11 pontos, enquanto o presidente, como divulgámos no sábado passado, tem um saldo positivo de sete pontos.
Desconfiança na Justiça
É um outro órgão de soberania, no entanto, o que gera maior desconfiança: os tribunais estão no fundo da tabela de um conjunto de nove instituições, com um saldo negativo de 30 pontos. Uma imagem negativa acentuada em segmentos como as mulheres, os que residem na Área Metropolitana do Porto, os que têm 65 ou mais anos e os que têm maiores rendimentos. E, de novo, entre os que votam mais à Direita, com destaque para os eleitores liberais, do Chega, do PAN e do PSD (por esta ordem).
A desconfiança nos tribunais parece refletir, na verdade, uma avaliação negativa da Justiça como um todo, uma vez que o Ministério Público também acumula um saldo negativo (16 pontos), revelando um agravamento da avaliação de um ano para o outro. Curioso é perceber que, se quem administra a Justiça não tem a confiança dos portugueses, é bem diferente o sentimento relativamente às forças de segurança que estão a montante.
Militares e polícias
As Forças Armadas surgem destacadas no topo da tabela: por cada português que desconfia da instituição militar, há pelo menos dois que confiam, o que resulta num saldo positivo de 24 pontos. Essa confiança é mais notória entre os homens, os que têm 65 ou mais anos, os que residem no Norte e entre os eleitores do CDS, PS e PSD. O único segmento com saldo negativo é o do voto no BE.
No mesmo sentido seguem as forças policiais. Também se nota uma degradação da confiança, mas o saldo é positivo (14 pontos). Na análise aos segmentos, notam-se algumas diferenças relativamente aos militares, uma vez que, no caso das polícias, a confiança é maior entre as mulheres e entre os que residem em Lisboa. Mas o padrão repete-se quando o ângulo é a idade (de novo os mais velhos) ou o voto, com os eleitores do CDS e do PS a revelarem maior confiança (já não é o caso dos sociais-democratas), e os do BE mais desconfiados.
Salgueiro Maia, a figura maior da revolução dos cravos
O 25 de Abril começou por ser um golpe militar, que acabaria por dar origem a uma revolução popular. Foi um tempo marcado por figuras carismáticas, militares e civis, que dominaram a vida política nas décadas seguintes. Mas aquele que ficou no coração dos portugueses foi também um dos mais discretos: Salgueiro Maia.
O capitão de Abril que comandou a coluna de Cavalaria que, desde Santarém, partiu para Lisboa, tomando os ministérios e o quartel da GNR no Carmo, culminando na rendição de Marcelo Caetano, é o escolhido por 40% dos inquiridos de uma sondagem da Aximage para o DN, JN e TSF como a personalidade que mais associam ao 25 de Abril, deixando a grande distância figuras como Otelo Saraiva de Carvalho (12%), Ramalho Eanes, Francisco Sá Carneiro ou Mário Soares (todos com 11%).
Deu tudo e não pediu
É conhecido o perfil desinteressado de Salgueiro Maia. Ao ponto de Sophia de Mello Breyner Andresen lhe ter dedicado um poema, já depois da morte prematura do capitão de Abril: “Aquele que na hora da vitória respeitou o vencido; Aquele que deu tudo e não pediu a paga; Aquele que na hora da ganância perdeu o apetite”. E talvez isso tenha contribuído para se tornar uma figura relativamente consensual.
Salgueiro Maia só não vence entre os segmentos de voto comunista (optam por Álvaro Cunhal, que não estava em Portugal) e do CDS (que preferem Spínola, o general que Marcelo Caetano mandou chamar ao quartel do Carmo, para não sofrer a humilhação de se render perante um capitão). Mas tem uma percentagem acima da média entre os eleitorados dos dois maiores partidos, PSD e PS (foi escolhido por 46%, em ambos os casos).
rafael@jn.pt
FICHA TÉCNICA DA SONDAGEM
A sondagem foi realizada pela Aximage para o DN, TSF e DN, com o objetivo de avaliar a opinião dos portugueses sobre temas relacionados com a importância do 25 de Abril.
O trabalho de campo decorreu entre os dias 10 e 14 de abril de 2023 e foram recolhidas 805 entrevistas entre maiores de 18 anos residentes em Portugal.
Foi feita uma amostragem por quotas, obtida através de uma matriz cruzando sexo, idade e região (NUTSII), a partir do universo conhecido, reequilibrada por género, grupo etário e escolaridade. Para uma amostra probabilística com 805 entrevistas, o desvio padrão máximo de uma proporção é de 0,017 (ou seja, uma “margem de erro” – a 95% – de 3,45%). Responsabilidade do estudo: Aximage Comunicação e Imagem, Lda., sob a direção técnica de Ana Carla Basílio.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: José Sena Goulão / LUSA