Javier Milei sucede a Alberto Fernández como novo presidente da Argentina. O cabeça-de-lista da coligação La Libertad Avanza obteve no último domingo 55,70% dos votos contra 44,29% do candidato da Unión por La Patria, o governista de esquerda Sergio Massa.
Após um longo processo eleitoral – entre primárias, primeira e segunda voltas durou três meses -, chegou o momento de glória de Milei. Sob aplausos dos seus eufóricos apoiantes, e depois de ter sido apresentado por Karina Milei, a irmã mais nova, a quem chama de “chefe”, o economista disse que “se viveu uma noite histórica na Argentina”.
“Muito obrigado a todos os cidadãos de bem pelo milagre de eleger um presidente libertário, hoje começa o fim da decadência argentina, termina o modelo empobrecedor do estado omnipresente, que nos fez passar de maior potência do mundo a 130ª”, hoje retomamos o caminho da liberdade e as ideias de Alberdi”, anunciou, referindo-se a Juan Bautista Alberdi, político liberal local do século XIX.
“Essas ideias baseiam-se num estado limitado, na propriedade privada e no comércio livre, quem quiser vir, não importa de onde vieram, está convidado a fazer connosco uma potência. Mas saibam que connosco é: dentro da lei, tudo; fora da lei, nada”.
Para o vencedor das eleições, “a situação desta Argentina é crítica, não há lugar para tibiezas, nem para meias tintas, não há lugar para o gradualismo”. “A Argentina tem futuro mas esse futuro é liberal”, continuou.
“Não vamos inventar nada, vamos fazer as coisas que a história provou que resultam, em 35 anos voltaremos a ser uma potência mundial”.
“A vitória, como eu sempre disse, não viria da quantidade de soldados mas das forças que vieram do céu”, afirmou o ultraliberal, antes de gritar três vezes: “Viva a libertad, carajo!”
Milei, economista de 53 anos, é um “outsider” total: ex-guarda-redes, ex-cantor rock, ex-intérprete de si mesmo no teatro, notabilizou-se como comentador económico televisivo de imagem excêntrica, com rompantes coléricos e ideias radicais, entre as quais, a dolarização do peso argentino, a implosão do Banco Central, a legalização do comércio de órgãos humanos, a redução extrema dos ministérios, entre outras causas confidenciadas, segundo o próprio, por Conan, o seu falecido cão com quem se comunica.
Derrotou Sergio Massa, advogado de 51 anos, político de carreira, ex-deputado, ex-autarca e atual ministro de uma economia à beira do colapso, numa eleição cuja afluência às urnas – o voto é obrigatório – foi de 76%.
O triunfo de Milei, além de representar uma derrota do peronismo representado por Massa, significa um triunfo da direita tradicional, de Maurício Macri, presidente de 2015 a 2019, e de Patrícia Bullrich, a terceira classificada na primeira volta, que decidiram apoiar o radical e mereceram “um agradecimento especial” do vencedor no final.
Já o derrotado, Massa, falara antes. “Quero agradecer a todos aqueles que participaram na campanha, uma campanha com momentos ríspidos, aos 11 milhões que votaram em nós, e dizer que os resultados não foram o que esperávamos, já liguei a Javier Milei a dar-lhe os parabéns”.
“Nos próximos 19 dias [até à posse de Milei] daremos todas as condições para que a transição seja feita sem incertezas económicas”, garantiu.
“Amo a Argentina com a mesma intensidade com que amo os meus filhos e entro noutra fase da minha vida política”, conclui, dado a entender que não se recandidatará.
As reações no país e no estrangeiro à vitória de Milei sobre Massa foram imediatas. “O povo expressou a sua vontade, milhões de argentinas e argentinos foram votar e definiram o destino da pátria para os próximos quatro anos”, disse o ainda presidente Alberto Fernández, apoiante de Massa.
“Sou um homem da democracia, o veredicto popular é o que mais valorizo na vida, confio que amanhã mesmo podemos começar a trabalhar com Javier Milei para garantir uma transição ordenada”, concluiu.
Lula da Silva, presidente do Brasil, um dos principais parceiros comerciais da Argentina, disse que “a democracia é a voz do povo e ela deve ser sempre respeitada”.
“Os meus parabéns às instituições argentinas pela condução do processo eleitoral e ao povo argentino que participou da jornada eleitoral de forma ordeira e pacífica. Desejo boa sorte e êxito ao novo governo. A Argentina é um grande país e merece todo o nosso respeito. O Brasil sempre estará à disposição para trabalhar junto com nossos irmãos argentinos”, escreveu no X, ex-Twitter, mesmo tendo verbalizado o apoio ao derrotado e não ter mencionado o nome de Milei.
Jair Bolsonaro, antecessor de Lula, pelo contrário, disse que “a esperança volta a brilhar na América do Sul”, ainda no X. E o dono da rede social também se pronunciou, em castelhano. “La prosperidad está por delante para Argentina”, afirmou.
Antes de divulgados os resultados, o dia eleitoral foi marcado pelos momentos de votação dos dois candidatos e por acusações dispersas, de ambas as equipas, sobre eventuais fraudes em torno dos boletins de voto.
Ao fim da manhã, milhares de populares, centenas de jornalistas, entre as quais a reportagem do DN, e dezenas de viaturas da polícia acorreram à Universidad Tecnológica Nacional, no bairro portenho de Almagro, para acompanhar o momento do voto de Javier Milei.
Figura de culto para os seus apoiantes, Milei foi recebido como uma equipa de futebol e num clima já triunfal. “Se ve, se siente, Milei es presidente”, gritaram em uníssono os partidários do economista.
“Tiene miedo, la casta tiene miedo, la casta tiene miedo”, continuou a multidão, que fez a habitualmente sossegada aos domingos Avenida Medrano parecer uma Bombonera, casa do Boca Juniors, ou Monumental, recinto do River Plate, enquanto o candidato sorria e lançava o punho fechado ao ar.
“Estamos muito tranquilos, fizemos todo o esforço que podíamos fazer, tudo o que havia que ser feito, nós fizemos, agora que falem as urnas, o momento é delas”, disse Milei, segundo mais votado na primeira volta, há um mês, com 30% dos votos.
“Nós estamos muito satisfeitos, trabalhámos muito para enfrentar uma campanha de medo, uma campanha suja contra nós”, finalizou, antes de voltar para o Hotel Libertador, o “bunker” dos “mileistas” por estes dias.
Mais discreto, Massa votou numa escola em Tigre, a região de Buenos Aires onde mora e onde exerceu funções autárquicas.
“Votei acompanhado da minha família, com muito amor pela Argentina e com o orgulho de estar a ajudar a fortalecer a democracia, temos uma enorme oportunidade de construir um futuro melhor para os nossos filhos, peço a todos que votem com esperança”, afirmou o atual ministro da Economia.
Merecedor de 37% dos votos na primeira volta, apesar da crise económica do governo do qual participou, prometeu que, vencendo, “vem aí a Argentina da unidade nacional”.
Entretanto, Malena Galmarini, a mulher de Massa, com vasta carreira política e hoje presidente da empresa pública de Água e Saneamento Básico da Argentina, lançou suspeitas sobre a votação. “Acusaram-nos de fraude mas quem quebra, ou tenta quebrar, as regras são eles, estão a rasgar boletins por todo o lado, é uma ação organizada, estamos a falar com a Justiça eleitoral sobre isso”.
Do lado de Milei, as acusações começaram 48 horas antes do dia de ir a votos. Lilia Lemoine, deputada do Partido Libertário, maquilhadora, influencer, cosplayer e consultora de imagem de Milei, foi até votar antes das urnas abrirem, às 8 da manhã, para se oferecer como fiscal eleitoral, dando seguimento às queixas de eventual fraude feitas pela candidatura do La Libertad Avanza nas vésperas do sufrágio.
E Patrícia Bullrich, terceira mais votada na primeira volta e apoiante de Milei, também denunciou o que se chamou de “irregularidades nos boletins”. “Em muitos lugares da província de Buenos Aires e de outros lugares do país estão a aparecer boletins sem número, números alterados e boletins ainda das PASO”, referindo-se às eleições primárias, abertas, simultâneas e obrigatórias de agosto.
Mais de 86 mil efetivos das forças armadas foram destacados para cuidar das 106.160 mesas de votação em 16.888 escolas e outros lugares numa segunda volta eleitoral que, apesar das desconfiadas, decorreu de forma ordeira e transparente.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Luis Robayo / AFP