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Han Kang, o Nobel que vem da Coreia do Sul

Na adolescência pensava que os livros continham todas as respostas, “mas cedo compreendi que eles só contêm perguntas”.

Há cerca de um ano, a escritora sul-coreana Han Kang explicava assim, em entrevista ao jornal britânico The Guardian, as particularidades da sua relação, pessoal e antiga, com a Literatura.

Esta quinta-feira foi distinguida com o Prémio Nobel 2024, sucedendo ao norueguês Jon Fosse.

Nascida em Gwangju, na Coreia do Sul, em 1970, Han foi distinguida, segundo a declaração de voto do júri, “pela intensa prosa poética que aborda traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana”, nomeadamente das vidas de outras mulheres. “A autora tem um conhecimento único da relação entre corpo e alma, entre vivos e mortos e, num estilo poético e experimental, tornou-se uma inovadora da prosa contemporânea.”

Estas características são também sublinhadas pela editora portuguesa da autora, Maria do Rosário Pedreira, da Dom Quixote, que já publicou quatro livros de Han Kang (A Vegetariana, Atos Humanos, O Livro Branco e Lições de Grego e se prepara para publicar uma quinta, We do not part, em inglês ):

“Estou muito feliz”, diz ao DN e lembra a aposta, ainda arriscada, que nela fez, há pouco menos de uma década: “Tudo começou quando vim para a Leya. Eu vinha para tratar do catálogo dos novos autores portugueses, mas recebi um email sobre um livro de autora sul-coreana, sobre a qual se sabia muito pouco em Portugal. Fiquei muito curiosa e fui ler.”

O livro era A Vegetariana e surpreendeu muito agradavelmente a editora: “Senti que era algo muito diferente, muito novo, mas, ao contrário do que acontece com outras literaturas do Extremo Oriente, contém algo de muito universal, que também nos toca.”

Han Kang tornou-se, assim, a primeira autora estrangeira publicada por Maria do Rosário na Dom Quixote: “Devo confessar que comprei os direitos muito baratos, até porque a autora ainda era pouco conhecida na Europa, mas pouco depois A Vegetariana conquistou o Man Booker Prize e ganhou uma dimensão internacional.”

O que seduz a editora na escrita de Han Kang é “a delicadeza com que trata mesmo os temas mais violentos.” E dá o exemplo do livro Atos Humanos, que mergulha na História contemporânea do seu país, para contar um episódio de extrema violência de Estado:

“Com uma extrema contenção de linguagem, ela conta-nos o caso de uma manifestação, durante a qual desapareceram para sempre milhares de pessoas” O mesmo acontece numa obra mais antiga, também publicada pela Dom Quixote, Lições de Grego: “É a história de uma mulher que está a perder a voz e do seu professor que está a perder a vista e da relação que eles estabelecem apesar de tamanhas dificuldades.”

Maria do Rosário Pedreira realça ainda “a grande inventividade de linguagem da autora” e congratula-se pelo facto da Academia Nobel ter premiado essa capacidade, em detrimento de outros critérios como o politicamente correto, a geopolítica ou a geografia.”

Han Kang começou a sua carreira muito jovem, quando publicou vários poemas na revista Literature and Society. No ano seguinte, estreou-se em prosa, com a publicação do conto The Scarlet Anchor.

Depois do Booker por A Vegetariana, Han Kang ganhou o Prémio Médicis (em 2023, ex-aequo com Lídia Jorge). Foi ainda professora no Departamento de Escrita Criativa do Instituto das Artes de Seul e atualmente dedica-se apenas à escrita. Está publicada em mais de trinta línguas.

Como ensaísta, Kang também se interessou por Música e Artes Plásticas. Quando publicou o livro de ensaios Quietly Sung Songs (2007), incluiu um CD com 10 canções escritas e compostas por si. Embora essa não fosse a ideia inicial, acabou por ser também ela a interpretá-las.

Segundo Mats Malm, porta-voz da Academia sueca, a notícia do Nobel terá sido uma total surpresa para a vencedora: “Falei com ela ao telefone. Disse-me que estava a ter um dia muito normal. Estava a jantar com filho mas já fizemos alguns planos para a cerimónia de entrega, a 10 de dezembro.”

Em Portugal, as obras de Han Kang são traduzidas do Inglês. Como nos conta Maria do Rosário Pedreira: “Já fizemos alguns testes, mas continuamos à procura de tradutores literários, do coreano para português.”

Calendário da premiação:

Nobel da Fisiologia ou Medicina – Victor Ambros e Gary Ruvkun
Nobel da Física – John J. Hopfield e Geoffrey E. Hinton
Nobel da Química – Demis Hassabis, John M. Jumper e David Baker
Nobel da Literatura – Han Kang

Fonte: Diário de Notícias / Portugal

Crédito da imagem: Jean Chung / The New York Times