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Empresários brasileiros em Portugal veem no humor oportunidade de negócio

Numa sala de espetáculo, recentemente, o humorista Paul Cabannes perguntou, com sotaque brasileiro, “quem aí é do Brasil?”. A resposta positiva foi de um pouco mais da metade do público. Faz sentido: o comediante é francês, mas vive no Brasil há muitos anos.

Ao seu lado, estava uma comediante francesa que mora em Portugal e fala português com sotaque. Esta mistura tem sido cada vez mais recorrente e coloca o país como destino de humoristas brasileiros ou baseados no Brasil.

Apesar de o consumo da cultura brasileira em Portugal não ser nova e de a internet divulgar o conteúdo além-fronteiras, um fator torna os espetáculos do Brasil mais comuns: a presença de empresários brasileiros que moram em Portugal e viram no humor uma oportunidade de negócio.

Uma delas é a empresária Gabriela Lisboa, de 46 anos. No apelido leva o nome da cidade que escolheu para viver em 2021 com o marido. A mudança para o outro lado do Atlântico foi idealizada durante as incertezas da pandemia de covid-19 e da falta de vacinas, na altura, para a doença no Brasil.

Jornalista de formação e carreira, chegou ao país com um visto de trabalho e o plano de abrir uma empresa na área de Comunicação, mas o negócio não se mostrou viável. Sem desistir, começou a ver que o setor de eventos poderia ser promissor.

“Como já tinha trabalhado com produção de teatro no Brasil antes de ser jornalista, comecei a conversar com pessoas do ramo e a entender se vir a Portugal é realmente interessante para o artista”, conta ao DN. A resposta positiva não tardou. “Não demorou muito para me convencer que sim”, conta Gabriela, que abriu a empresa de eventos sozinha.

Segundo a empresária, o negócio é vantajoso do ponto de vista financeiro, mas não só. “[É uma oportunidade] de alcançar um público novo e de ter Portugal como o início de uma carreira internacional”, afirma.Engana-se quem acha que apenas os brasileiros são o alvo dos eventos.

“Posso afirmar que sempre nos surpreendemos com a presença portuguesa na plateia. Muitos artistas pensam que virão a Portugal e se apresentarão apenas para a comunidade brasileira. Isso é um erro. Os portugueses conhecem e gostam dos nossos artistas, seja no teatro, na música ou no humor”, analisa a imigrante.

“Os fãs eram portugueses”

O comediante brasileiro Jonathan Nemer esteve em Portugal recentemente para duas apresentações. Ao passear pelas ruas de Lisboa, foi parado por fãs para tirar selfies. É algo normal na vida do artista, que soma quase 4 milhões de seguidores nas redes sociais.

O que o surpreendeu foi que os fãs eram portugueses. “Foi uma ótima surpresa saber que tenho público português que aprecia o meu humor”, relata ao DN.

A sala esteve cheia nas três apresentações que realizou. Na plateia em Lisboa, estavam brasileiros que vieram de várias partes do território, como o Algarve, mas também portugueses de fora da capital.

Na interação com o público durante uma das atuações em Lisboa, ficou a saber que muitos eram fãs antigos, desde quando as redes sociais não eram uma potência. Em 2013, já fazia comédia no canal Desconfinados, do YouTube, onde já era bastante seguido pelo público de Portugal.

A digressão do brasileiro foi ideia da Produção Local, empresa dos cariocas Rodrigo Coelho, de 40 anos e Patrícia Duarte, 55 anos. A dupla também viu no humor uma oportunidade de empreender em Portugal.

“Hoje pelo menos 30% do público nos espetáculos é português”, contam ao DN. Ambos já chegaram do Brasil com uma carreira profissional e académica sólida na área de eventos. Aqui, viram que a concorrência na área era alta, mas não tanto na promoção de eventos voltados para o humor.

A certeza veio com o sucesso do show da artista brasileira Nanny People. “Após a vinda dela e todo o sucesso do primeiro evento percebemos que havia esse mercado bem aquecido aqui, com uma demanda enorme de brasileiros e portugueses por eventos de humor”, conta Rodrigo. Apesar de serem da mesma região, foi em Portugal que a dupla se conheceu e decidiu criar o negócio.

Humor sem fronteiras

Alguns temas são universais e funcionam para a maior parte dos públicos. As relações amorosas, por exemplo, são garantia de arrancar risadas do público, independente da nacionalidade.

A brincadeira de palavras em “pt-br” também são sucesso certo nos espetáculos de humor. Mas alguns unem nações irmãs, como Brasil e Portugal.

É o caso da burocracia. Este foi um dos motivos do sucesso da peça A Toda Poderosa, apresentada em Lisboa recentemente. A personagem principal é a atriz Viviane Araújo, um rosto conhecido das novelas da TV Globo e do desfile de Carnaval no Rio de Janeiro.

Depois de passar por diversas cidades brasileiras, a artista apresentou-se em Portugal, também pela Produção Local. Na comédia, ao lado do artista Maciel Silva, a atriz faz o papel de Deus e torna o Brasil um lugar muito pior que o inferno para o Diabo, que lá foi passar as férias.

O motivo? A burocracia dos órgãos públicos, um problema que une Brasil e Portugal. A apresentação foi um sucesso e arrancou muitas risadas, algumas nervosas, do público em Lisboa.

Ao DN, Viviane disse ser uma “honra” ter Portugal como o primeiro local fora do país a levar o trabalho como comediante. A brasileira também destacou o carinho recebido pelo público, principalmente os que a conhecem pelos papéis nas novelas.

Não só Lisboa

Além de apostarem no humor, os empresários veem Portugal além de Lisboa. As digressões sempre passam pela capital, mas não só. É comum que as cidades de Porto, Coimbra e a Região do Algarve estejam entre os locais de atuação escolhidos. No caso do francês Paul Cabannes, que se define como “alma de brasileiro”, Gabriela Lisboa foi mais longe, literalmente.

A digressão passou por Guimarães, Braga, Porto, Coimbra, Aveiro, Albufeira e Lisboa. A ideia foi levar o artista a cidades onde há grande concentração de brasileiros, mas também de fãs portugueses.

A estratégia é a mesma com o comediante brasileiro Max Peterson, que mora em Paris. O humorista está em digressão por Portugal atualmente. A imigrante já o levou a Aveiro, Viseu e Porto. A apresentação em Lisboa será nesta quinta-feira, com lotação praticamente esgotada. A última paragem será no sábado, em Coimbra.

A capital portuguesa é marcante na vida de Max, natural do Estado do Ceará, no nordeste. Em entrevista ao DN Brasil, contou que a cidade está “sempre presente em datas muito imponentes” da carreira. Foi cá que celebrou os dois, três e quatro anos do canal no YouTube. Agora, recém-completados sete anos, está em digressão por Portugal, onde também se sente em casa.

Desafios e futuro

Os empresários também se sentem em casa em Portugal, porém, como é natural na vida de imigrantes, enfrentam dificuldades para empreender. No caso de Rodrigo e Patrícia, o principal obstáculo foram “as burocracias existentes nos equipamentos culturais em torno das produções”, além da relação com as pessoas do meio, como os fornecedores e parceiros. No entanto, garantem que isso está sendo superado.

“Demorou um pouco, mas já estamos conseguindo quebrar o gelo pois com um portefólio maior começam a se abrir mais portas e nos dão mais oportunidades para apresentarmos novos projetos”, analisam.

A dupla também já leva artistas brasileiros para outros países, como a Irlanda, onde também há um elevado número de brasileiros. No futuro, pensam em expandir o negócio para outras áreas, como peças de teatro e exposições. Para breve, alguns espetáculos já estão marcados.

O humorista Paulinho Gogó estará no país em setembro para uma digressão que vai passar por Lisboa, Porto e Braga. O comediante fazia parte do elenco de A Praça é Nossa, um dos principais programas de humor da história da televisão brasileira. Cacau Protásio, que vai estrear em Portugal, também está confirmada como uma das atrações da temporada de outono.

Gabriela Lisboa também vê na burocracia um dos principais entraves na vida de empresária e imigrante. “O desafio em dose dupla vem com a empresa. É tudo diferente. O sistema de impostos, a forma de trabalhar, de negociar, os prazos, tudo é um aprendizado. E é muito prazeroso também. A satisfação ao fim de cada evento compensa as dificuldades que possam existir”, finaliza.

Para o segundo semestre deste ano, após o verão, a brasileira promete uma nova agenda com mais nomes na área do humor e entretenimento.

Fonte: Diário de Notícias / Portugal

Crédito da imagem: Carlos Pimentel / Global Imagens