Pesquisar
Close this search box.

Descobertas e omissões

Os portugueses foram muito importantes para a história humana. No entanto, foram e são muito subestimados. É inegável que no transcorrer do século XVI Portugal foi o grande império hegemônico.

Argumentos e fatos para corroborar com isso não faltam. Seja a presença de uma feitoria portuguesa no arquipélago japonês, algo jamais repetido por uma outra potência europeia, seja pela doação – sim, doação – de Macau para o Rei de Portugal e aqui faço uma reflexão sobre a razão que levou o imperador chinês a entregar a soberania de uma das suas ilhas, na foz de uma importante via fluvial de comércio para um reino tão distante: Respeito ao poder.

Cinquenta anos antes, os portugueses deram uma demonstração de força que literalmente, mudou o centro do mundo, deixando de ser, sob o ponto de vista econômico e militar ásiocêntrico e tornando-se europocêntrico.

Os portugueses mudaram o mundo, mas, surpreendentemente, não se dá a importância. Somos condicionados a ver Portugal como, esprimido entre a Espanha e o Atlântico, um país de segunda classe da Europa, ou mesmo como um país periférico.

O período das Grandes Navegações é diminuído, ao ponto de muitos brasileiros terem a convicção que a Descoberta do Brasil ocorreu por acaso, porque Cabral se “perdeu” ou ficou parado em uma calmaria.

Não! O Almirante Vasco da Gama, ao regressar da Índia, orientou D. Manuel a formar uma esquadra liderado pelo ser melhor diplomata. Pedro Álvares Cabral não era um navegador, tornou, por ser o líder da expedição, mas só no título.

Sua missão era estabelecer tratados comerciais com as diversas lideranças da Índia. No diário de bordo de Vasco da Gama há relatos do achamento de “sargaços e aves” quando executava o movimento de navegação apelidado de “volta do mar”, criado por Bartolomeu Dias para evitar as águas mansas e sem ventos do Golfo da Guiné.

Na altura do Cabo Bojador, o navio passa a se distanciar do litoral africano, tomando rumo sudoeste até os 20° de latitude sul (facilmente aferível com um astrolábio) e aí, alterar o rumo para leste-sudeste, a assim atingir o Cabo das Tormentas, rebatizado de Boa Esperança e usar as monções de verão para atingir os litorais africano e asiático no Oceano Índico Ocidental.

Oito meses separam a chegada de Vasco da Gama e a saída de Pedro Álvares Cabral de Portugal. O Almirante orientou os navegadores da expedição de Cabral e recomendou que a “volta do mar” fosse um pouco mais para oeste que ele próprio foi.

Assim, em 22 de abril de 1500, o Monte Pascoal foi avistado e o restante já conhecemos – achamos que conhecemos.

Em geral, perece muito simples: Os portugueses entraram nas Caravelas, navegaram, contornaram a África, chegaram na Índia, aqui no Brasil, na China e no Japão, na Indonésia. Um português, Fernão de Magalhães, à serviço da Espanha, navegou de Leste para Oeste, circulando o mundo. Essas navegações são muitas coisas, mas nenhuma delas é pode ser classificada como “simples”.

No entanto, jamais aprendemos o que seria uma Caravela, um Galeão ou uma Carraca. Se a tecnologia inglesa da máquina à vapor foi a gênese para a Revolução Industrial, e isso é amplamente ensinado, é motivo de exaltação do gênio, empreendedorismo daquele povo, e até apontado como suposta superioridade face aos demais, há um silêncio acerca da revolucionária tecnologia portuguesa da Caravela que é gritante.

Foi uma invenção portuguesa que possibilitou que Colombo chegasse à América. Tecnologia que foi hegemônica por mais de 350 anos, permitindo que, além de portugueses, espanhóis, franceses, ingleses, dinamarqueses, holandeses, genoveses e venezianos reordenassem o comércio internacional.

O primeiro a estudar cientificamente a influência da Lua com as marés, fazendo registros precisos, medições, foi o navegador português Duarte Pacheco Pereira, fazendo a relação empírica entre fluxo de maré e fases da Lua, com um material e técnica usados até hoje: a tábua das marés, pois a segurança da navegação na exploração dos litorais, estuários e rios dependia de dados mais precisos.

A evolução das embarcações como aparelhos decisivos em ataques militares também passa pelo gênio português, pois foram os portugueses que estudaram o equilíbrio das Caravelas, Galeões e Carracas e projetaram um pavimento de canhões, posicionando-os nos costados do navio, mas sem expô-los.

Foram os portugueses que mudaram o cenário econômico mundial vigente dominado pelos muçulmanos, que condicionavam o comércio mundial pelas rotas terrestres por eles dominadas, em especial, a Rota da Seda. Com a tecnologia portuguesa, o mundo se abriu e se expandiu como nunca antes. O contorno da África pelo sul naquela época pode ser comparável ao estabelecimento exitoso de colônias humanas permanentes em Marte na atualidade.

Certamente, espanhóis, ingleses e holandeses foram mais exitosos no comércio e em capturar riquezas, mas quem estabeleceu as bases, apontou caminhos, criou a tecnologia necessária foram os portugueses.

Mas, existem momentos na história da humanidade que são decisivos para que grandes mudanças ocorram, e um desses momentos foi protagonizado por portugueses. A efetiva mudança de poder econômico e militar da Ásia para a Europa, a ponto da China ceder uma fração do seu território, para evitar confrontos.

Mas, como Portugal gerou esse medo e se tornou a superpotência inquestionável do século XVI? Com a sua força naval, em uma batalha épica em Diu, em 1509, como reação ao bombardeio e morte de Lourenço de Almeida, filho de Francisco de Almeida, Vice-Rei de Portugal para as Índias, no Massacre de Chaul. Almeida venceu a maior frota que já havia sido reunida desde a queda de Roma, 217 navios de uma coalizão entre Mamelucos Egípcios, Turco-Otomanos e Venezianos foram afundados pelas forças portuguesas.

Então, nos próximos 70 anos do século XVI os portugueses foram temidos e respeitados, porque sabiam equilibrar habilmente demonstrações de força e poder com uma das mais reconhecidas diplomacias do mundo.

Mas o “complexo de vira-latas” que é introjetado nos brasileiros é absurdamente míope à essa grandeza. Exalta a grandeza de outros povos colonizadores, desejando que estes fossem os seus colonizadores, imaginando que tudo seria diferente e melhor. Exercício inútil e inócuo, pois a natureza de exploração não mudaria, e mais, potencialmente teria sido danosa a construção da grandeza do Brasil como o é hoje, fragmentando-o.

Se desejamos superar o passado, precisamos conhecê-lo, encará-lo e compreendê-lo. Pisando em solo firme, sem receios, podemos aproveitar o agora, não por acaso chamado de presente e plenos, organizar e sonhar com o futuro.

* Luiz Paulo Neves Nunes, 42 anos, Professor e Geógrafo.

Coordenador do Centro de Inovação Tecnológica de Guarujá, Professor da Etec Alberto Santos Dumont, do Centro Paula Souza, Diretor do Centro Cultural Português de Santos, Conselheiro da Associação Atlética Portuguesa, associado ao Elos Clube de Santos – Cellula Mater, Segundo-Secretário da Associação Profissional do Geógrafos de São Paulo – APROGEO-SP, associado da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, membro da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Guarujá e sócio-correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.