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Costa isolado em debate que abre novo ciclo eleitoral

Com o Presidente da República permanentemente a pôr na agenda conversas sobre eleições antecipadas – ideia subliminar da reunião do Conselho de Estado que convocou para amanhã para fazer “a análise da situação económica, social e política em Portugal” -, António Costa enfrenta esta tarde no Parlamento o segundo debate do Estado da Nação desde que venceu as Legislativas com maioria absoluta, em janeiro de 2022.

Desfeita há muito a geringonça, o primeiro-ministro sabe este será para si, para o governo e para o PS, mais um debate de sete contra um.

Tirando o registo mais suave do deputado único do Livre Rui Tavares, no resto da Oposição ninguém se poupará nos ataques à maioria socialista. “Rolo compressor”, “poder absoluto”, “degradação”, “incompetência”, “empobrecimento” serão palavras que Costa ouvirá da Oposição.

E a este país da oposição o primeiro-ministro e o PS irão contrapor o seu país: economia a crescer, emprego a crescer, exportações em alta, inflação controlada, apoios a chegarem aos portugueses mais carenciados, PRR a fazer o seu caminho – e tudo isto com “contas certas” no Orçamento do Estado.

Seis tomadas de posse

Costa sabe, no entanto, que tem pouco com que responder para escapar à acusação de que o principal fator de instabilidade política tem sido o próprio governo, por razões da sua inteira responsabilidade, sem que a Oposição tivesse que mexer uma palavra.

O atual governo tomou posse em 30 de março de 2022 e, desde então, já decorreram no Palácio de Belém seis cerimónias de tomada de posse de novos governantes: em 2022 foram quatro (2 de maio, 10 de setembro, 16 de setembro e 2 de dezembro) e este ano já ocorreram foram duas (a grande remodelação de 4 de janeiro, quando Pedro Nuno Santos foi substituído nas Infraestruturas por João Galamba, e outra cerimónia mais pequena, só para um novo secretário de Estado da Agricultura, em 15 de fevereiro.)

O governo chega, de resto, ao debate de hoje na ressaca de mais uma demissão, desta vez do secretário de Estado da Defesa, Marco Capitão Ferreira, suspeito de corrupção no processo Tempestade Perfeita (que só hoje será substituído, por um diplomata, Carlos Lopes Pires).

“Ouvi Manuel Alegre dizer já há uns meses uma coisa muito sensata, fruto da sua longa experiência democrática, que é: o poder de dissolução é um poder previsto na Constituição e, portanto, o Presidente não pode, não deve – há antecessores meus que fizeram isso – todas as semanas dizer “eu tenho este poder”, “eu tenho este poder”, “eu tenho este poder”.”

A instabilidade governativa autoinfligida tem sido assim o pretexto principal para Marcelo Rebelo de Sousa estar sempre a falar de dissolução (e continua a pensar que João Galamba já não devia estar no governo). Nos últimos tempos, para não ser acusado de estar ele próprio a potenciar a instabilidade, o Presidente tem preferido o ardil de falar de dissolução mas sempre para dizer que não se deve falar de dissolução.

Ontem até se escudou atrás de um histórico do PS conselheiro de Estado: “Eu ouvi Manuel Alegre dizer já há uns meses uma coisa muito sensata, fruto da sua longa experiência democrática, que é: o poder de dissolução é um poder previsto na Constituição e, portanto, o Presidente não pode, não deve – há antecessores meus que fizeram isso – todas as semanas dizer “eu tenho este poder”, “eu tenho este poder”, “eu tenho este poder””, disse Marcelo Rebelo de Sousa.

Portanto: “[O Presidente da República] se entende que o deve usar, usa. Se entender que não deve usar, não usa. Agora não fala todas as semanas disso.” Não fala -, mas fala, para dizer que não fala, e assim mantém o tema na agenda (e foi falado nas audiências aos partidos que iniciou na sexta-feira da semana passada e concluiu segunda-feira).

Assim, a ideia de dissolução, mantendo-se, por força das palavras do Presidente, em lume brando, parece cada vez mais associada à ideia de avaliação da legitimidade do governo por via de um ato eleitoral nacional.

O debate de hoje do Estado da Nação ocorre, precisamente, quando se está a meses de ser iniciado um novo ciclo eleitoral que só deverá terminar (se a legislatura parlamentar chegar ao fim) com a realização de Eleições Legislativas em outubro de 2026 e que incluirá até lá Eleições Europeias (junho de 2024), Eleições Regionais nos Açores (outubro de 2024), Eleições Autárquicas (outubro de 2025) e Eleições Presidenciais (janeiro de 2026).

Esse ciclo começará em setembro próximo com as Eleições Regionais da Madeira. Em teoria, podem em nada afetar o jogo político nacional. As coisas poderão porém mudar de figura se desta vez o PSD (que concorre coligado com o CDS) vencer mas sem conquistar maioria absoluta, podendo portanto necessitar do Chega para conseguir formar governo.

Os sinais provenientes do PSD madeirense são de que, sendo necessário, não hesitará um segundo em entender-se com os representantes regionais do partido de André Ventura para ter maioria no Parlamento regional.

O “fantasma” açoriano

Nessa altura, perante essa eventual circunstância, o PS e António Costa terão outra vez pretexto para fazer o discurso do medo quanto à hipótese de o Chega chegar à governação abraçado ao PSD. Nas últimas Legislativas, o pretexto dos socialistas foi justamente o entendimento entre PSD e o Chega feito nos Açores, na sequência das Eleições Regionais ali realizadas em outubro de 2020.

O discurso de Costa potenciou nas Legislativas de 2022 a concentração de votos à Esquerda no seu partido, dando-lhe maioria absoluta e causando sérios danos na representação parlamentar do PCP e do Chega.

Um eventual acordo PSD-Chega na Madeira, depois das das próximas Eleições Regionais, tenderá a dar pretextos ao PS para retomar esta tática – e, por mais que o PSD nacional saiba como isso o pode prejudicar, a verdade é que Montenegro não tem poder para contrariar Miguel Albuquerque (como Rui Rio não teve nos Açores para contrariar José Manuel Bolieiro).

Hoje António Costa enfrenta o debate do Estado da Nação no tal quadro de instabilidade autoinfligida mas a verdade, também, é que, na Oposição, só há dois partidos, Iniciativa Liberal e Chega, que dizem ser já altura para o país partir para eleições antecipadas.

À Direita, o PSD tem recusado alinhar nesse apelo – apesar de se afirmar pronto para eleições se forem marcadas – e, à Esquerda do PS, nenhum partido defende também a dissolução do Parlamento.

Se as trapalhadas internas no Governo deverão ocupar um espaço central nas críticas de toda a Oposição, a verdade, também, é que isso tem tido um peso diferente nos partidos à Esquerda e nos partidos à Direita. A aposta nessa questão tem sido mais prioritária para PSD, Chega e IL do que para o PCP, BE, PAN e Livre.

O regresso dos quinzenais

No que todos estarão de acordo é a acusarem o PS de que usa a sua maioria absoluta como um “rolo compressor” que não dá espaço às iniciativas da Oposição, dando como exemplo máximo o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP.

A isto Costa e o PS responderão que hoje mesmo, depois do debate, será aprovado o novo regimento da Assembleia da República, o qual, como pretendiam vários partidos da Oposição, consagrará o regresso dos debates quinzenais com o primeiro-ministro (atualmente Costa só vai ao Parlamento de dois em dois meses). A partir de setembro, o primeiro-ministro voltará a debater com os deputados de duas em duas semanas.

De resto, o que se prevê na Oposição é, no que toca às áreas da governação, o foco em quatro ministérios: Defesa (por causa das suspeitas de corrupção que levaram à demissão de Marco Capitão Ferreira); Saúde (porque o novo CEO do SNS continua sem lei orgânica e devidos aos problema com encerramentos de urgências); Edução (porque se vai agravando o problema da falta de professores no ensino básico); e na Habitação (devido à explosão dos preços).

O PS, pelo seu lado, embora reconhecendo que o governo tem vivido “momentos difíceis” e também que ainda há “muito para fazer”, põe todas as fichas na ideia de que o país está a crescer, sendo necessário estabilidade para que se consiga explorar o PRR em toda a sua máxima potencialidade.

Fonte: Diário de Notícias / Portugal

Crédito da imagem: Álvaro Isidoro / Global Imagens