O primeiro-ministro António Costa disse esta quinta-feira que “não tem havido compreensão suficiente” do Banco Central Europeu (BCE) sobre a natureza do ciclo inflacionista, quando se fala em novas subidas das taxas de juro, esperando alívio a partir de setembro.
“O BCE é soberano na definição da política monetária. Acho que não tem havido a suficiente compreensão por parte do BCE da natureza específica do ciclo inflacionista que temos estado a viver e também não tem em devida conta os setores que têm alimentado esta tensão inflacionista”, declarou o chefe de Governo.
Falando em Bruxelas, à entrada para o Conselho Europeu, António Costa apontou que “hoje é mais ou menos claro que sobretudo o aumento dos lucros extraordinários têm contribuído mais para a manutenção da inflação do que as subidas salariais”.
“Não compreender a natureza específica deste ciclo inflacionista limita muito a capacidade de o enfrentar porque senão acertamos bem no diagnóstico a terapia rapidamente acerta”, salientou.
Depois de o governador do Banco de Portugal (BdP), Mário Centeno, ter dito na quarta-feira que as taxas Euribor vão continuar a subir até setembro (12 meses) e novembro (3 e 6 meses), antecipando que a partir destas datas comecem a cair lentamente, António Costa disse esperar um alívio a partir desta data.
“Esperemos que, como o governador do BdP ontem [quarta-feira] anunciou, a partir de setembro possamos começar a retomar uma trajetória de política monetária mais adequada àquilo que é fundamental, que é salvaguardar as condições de vida das famílias, a capacidade de as empresas investirem e de a economia continuar a crescer, e de gerar emprego que gerem salários melhores”, concluiu o primeiro-ministro português.
Esta entrevista aconteceu no mesmo dia em que em Sintra, num debate no Fórum do BCE, os governadores dos bancos centrais europeu, inglês, japonês e o presidente da Fed, dos EUA, alertaram para a persistência da inflação, dando indicação de potenciais novas subidas de juro.
“A Europa precisa de um mecanismo permanente de estabilização de crises”
O primeiro-ministro defendeu ainda um mecanismo permanente de estabilização de crises para responder a futuras situações na UE, classificando como “insuficientes” as propostas para revisão do orçamento comunitário a longo prazo e das regras orçamentais.
“Não é questão de interesse de Portugal, é o interesse da Europa e ambas as propostas são bastante insuficientes. A expectativa criada para o fundo de soberania está manifestamente insatisfeita com esta proposta que agora é apresentada” de revisão do orçamento para 2021-2027, declarou António Costa.
O chefe de Governo vincou que “há uma coisa que é evidente e clara: é que cada vez mais […] a Europa precisa de um mecanismo permanente de estabilização de crises”.
António Costa respondia quando questionado sobre as propostas da Comissão Europeia de revisão do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) e de reforma das regras orçamentais, iniciativas que não contêm, respetivamente, um fundo soberano prometido por Bruxelas e capacidade orçamental própria defendida por Portugal.
“Sabemos que felizmente as crises não são permanentes, mas que infelizmente são recorrentes, portanto, nós não podemos, cada vez que há uma crise, reabrir a discussão, se necessitamos ou não necessitamos de ter um instrumento. Temos, além do mais, agora, uma prova muito importante: quando foi da crise financeira não tivemos um mecanismo de apoio e os resultados foram os que foram e, perante a crise da covid-19, foram criados um conjunto de mecanismos de apoio”, elencou o chefe de Governo.
Assim, “temos hoje a demonstração de que numa crise onde não havia um instrumento, as coisas correram mal e, numa crise em que havia um instrumento de apoio, as coisas correram melhor, portanto […] devemos evitar o que correu mal e devemos assegurar e estabilizar como uma boa prática aquilo correu bem”, referiu.
“Com toda a sinceridade, tenho alguma dificuldade em perceber a persistência de alguns Estados em continuarem a não aceitar aquilo que me parece […] um resultado bastante evidente”, adiantou António Costa.
“Uma oportunidade para sustentar o desenvolvimento económico”
António Costa defendeu também que a União Europeia tem de olhar para a imigração como uma oportunidade para o desenvolvimento económico e apontou o pacto para as migrações como “instrumento essencial”.
“Ao Conselho Europeu compete fazer o endosso político dessa decisão. O pacto das migrações é um instrumento essencial para podermos ter uma política migratória que funciona, tem aqui um primeiro pilar”, sustentou António Costa, à entrada de uma reunião do Conselho Europeu, em Bruxelas, que vai dedicar grande parte da discussão a este tema.
Na opinião do primeiro-ministro, os Estados-membros da UE têm de “perceber que a imigração não é um problema, mas uma necessidade” e pode, inclusive, ser “uma oportunidade para sustentar o desenvolvimento económico” dos 27.
O chefe do Governo português referiu que o pacto proposto tem de abranger a cooperação com “os países de origem” das pessoas que chegam às fronteiras europeias, “para criar condições de garantir de respeito pelos direitos”, assim como a “adaptação às condições climáticas”.
Na ótica de António Costa, a UE tem de demonstrar “uma ação responsável”.
Sobre o não endosso das apelidadas “propostas inovadoras” para a imigração, António Costa considerou que “soluções inovadoras são sempre bem-vindas, desde que se saibam quais são essas soluções”.
“Inovadoras só por si não são uma garantia que sejam boas, portanto, em função de serem boas ou más, apoiaremos ou não apoiaremos, mas receio que essas soluções inovadoras não sejam boas”, completou.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Kenzo Tribouillard / AFP