Luiz Inácio Lula da Silva, o novo – mas não tão novo assim – presidente do Brasil, vai deparar-se com desafios em 2023 que não enfrentou em 2002, quando se elegeu pela primeira vez.
Na ocasião, o líder do Partido dos Trabalhadores (PT), de centro-esquerda, herdou um país governado pela centro-direita de Fernando Henrique Cardoso – desta vez, sucede à direita de Jair Bolsonaro.
Naquele tempo, causava apenas desconfiança – agora enfrenta oposição de metade da população. E encara, em paralelo, desafios políticos, económicos e externos significativos.
“O primeiro desafio, que não teve nos primeiros mandatos, chamados de Lula 1 e de Lula 2, mas terá agora no Lula, 3 é a existência de uma oposição partidária bastante organizada, do Partido Liberal, de Bolsonaro, dono da maior bancada parlamentar, do Republicanos e do Novo”, assinala ao DN Vinícius Vieira, politólogo da Fundação Armando Álvares Penteado, de São Paulo. “Em 2003, os deputados do PSDB, por serem em menor número, não foram capazes de ser oposição coesa e sem defeções”.
“No Brasil, o presidente é sempre minoritário num legislativo muito fragmentado, o que obriga o governo a formar um arco de alianças e a negociar com políticos de muitos espetros ideológicos e com “parlamentares individuais”, aqueles deputados que são menos subjugados ao partido e mais atraídos por cargos e orçamentos para si”, acrescenta Mayra Goulart, cientista política da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
“O segundo desafio é na rua”, diz Vieira. Além de lidar com uma sociedade muito desigual, o principal desafio de Lula no plano social será conseguir manter o diálogo com esses segmentos da população que nunca estiveram no espaço público, mas que estão agora reivindicando uma agenda contrária à democracia liberal”.
Esse desafio reflete-se já na tomada de posse, no primeiro dia do ano, em Brasília: a segurança da cerimónia será reforçada como nunca e o ritual da passagem da faixa não deve suceder, por recusa do cessante Bolsonaro em reconhecer o eleito Lula.
A economia, claro, é um dos desafios mais pesados. O ajuste dos gastos, para poder incluir o programa assistencial Bolsa Família e outras promessas de campanha, foi o primeiro desafio orçamentário com que o Lula 3, ainda antes de assumir, lidou.
“A recuperação da capacidade de formular e executar políticas públicas é um dos principais desafios”, lembra Goulart, “porque ao longo dos últimos seis anos, desde o impeachment de Dilma Rousseff, a que se soma a gestão de Bolsonaro, houve um processo acelerado de diminuição do investimento público, por falta de dinheiro e de vontade política”.
Segundo a cientista política, Lula terá também um dilema económico: “Se ele concentrar o esforço no estímulo ao consumo, como fez nos primeiros governos, através de políticas de distribuição de renda às camadas populares, via linhas de crédito e programas assistenciais, estimula o consumo, movimenta a economia e converte o investimento, quase instantaneamente, em arrecadação de impostos e em geração de emprego, podendo, no entanto, gerar um problema inflacionário.”
“Mas, se optar pelo estímulo à oferta, como fez Dilma, ou seja, à produção e às empresas, tem uma arrecadação menos imediata, porque eles, muitas vezes, usam esse estímulo em investimento ou em poupança e o dinheiro demora mais a circular na economia.”
Para Vieira, o novo presidente “será desafiado a reindustrializar o Brasil, muito dependente, até politicamente, do agronegócio”. “E isso depende de restabelecer laços profundos com a Europa e os Estados Unidos e persuadir a China a não tratar o Brasil como mero fornecedor de matérias primas.”
Ainda na política externa, Vieira destaca como desafio “a retomada das pontes diplomáticas, na América do Sul, com a Argentina e outros governos de esquerda esclarecidos, como o Chile, de Gabriel Boric, ou a Colômbia, de Gustavo Petro”.
Para o académico, há ainda um desafio interno: o PT. “Lula deve saber controlar o ímpeto do seu partido em abocanhar cargos, uma vez que o PT não entendeu que não ganhou as eleições, quem as ganhou foi Lula e uma frente ampla.”
Mayra Goulart cita também outro fator: “A relação com o poder judicial, um poder que foi muito questionado por Bolsonaro e que continuará protagonista, será desafiadora para Lula”.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: André Borges / EPA