Em Santos, nem todos os caminhos levavam à praia até o início do século 20. À época, a população se concentrava na região hoje conhecida como Centro Histórico. A expansão em direção à orla por um bairro que completa 134 anos nesta sexta-feira: a Vila Mathias.
O motivo: a introdução dos bondes no dia a dia da população, fato decisivo para a ocupação do ‘miolo’ do Município.
Meio de transporte deu impulso ao desenvolvimento do maior bairro da Cidade – acervo FAMS
Esse processo de ampliação de territórios culminou no que é, atualmente, o maior bairro em extensão da Cidade: em cerca de 1,48km², convivem em harmonia residências, prédios comerciais, instituições de ensino, centros empresariais e construções históricas, entre outros.
Se a população local é de 10 mil pessoas, estima-se que pelo menos o dobro disso transite por suas vias todos os dias. Oito vias delimitam a Vila Mathias: as ruas Joaquim Távora, Xavier Pinheiro e Manoel Tourinho, e as avenidas Rangel Pestana, Campos Salles, Bernardino de Campos, Waldemar Leão e Cláudio Luís da Costa.
Mas voltando aos bondes. Sua chegada à Cidade se deve ao português Mathias Casimiro Alberto da Costa – que dá nome ao bairro. Empresário dono de muitos terrenos, depois doados ao Município, foi um precursor na implementação de sistemas de esgoto e água encanada na região. Foi ele que, em 1887, inaugurou o modal na Cidade.
Mathias Casimiro Alberto da Costa – acervo FAMS
No início, os veículos circulavam com tração animal (cavalos e burros). Tais carros ainda podem ser vistos hoje: são usados como reboque na linha do bonde turístico, que funciona na região central. Dois anos mais tarde, a companhia de transportes inauguraria a linha que atravessava a Avenida Ana Costa – uma homenagem a sua esposa, Anna Costa. As rotas passaram a ser eletrificadas em 1909.
Vista parcial de Santos em 1895. À direita, no canto superior, a Avenida Ana Costa. Abaixo, a Vila Matias.
Autor: José Marques Pereira (acervo Fams)
Nos trilhos
“Não há dúvidas de que a chegada do bonde foi determinante para o progresso de Santos, antes adensado na região central, entre Valongo, Vila Nova e Paquetá, criando condições para que novas moradias e empreendimentos fossem se espalhando também em direção à praia”, explica o historiador Dionísio de Almeida, da Fundação Arquivo e Memória de Santos (Fams). “Na medida em que a Vila Mathias foi crescendo, a própria Cidade foi acompanhando esse movimento”.
Assim como os bondes foram importantes para o desenvolvimento do Município, o veículo leve sobre trilhos (VLT) pode ser considerado um novo passo nesse sentido. A segunda fase de implantação do modal, em curso, não poderia deixar de contemplar o bairro onde tudo começou. Os trens vão circular entre quatro estações na Vila Mathias: Campos Salles, Universidades 2, Carvalho de Mendonça e Tamandaré.
Residências e comércios
É possível que um estudante recém-chegado à Universidade Paulista (Unip), ao pedir uma garrafa de Antarctica em um dos bares próximos à unidade da Vila Mathias, não saiba. Mas os moradores mais antigos se lembram: onde hoje está instalado o campus funcionou uma das mais modernas fábricas da marca de cerveja. Isso revela uma das principais características do bairro – o convívio entre as moradias residenciais e as edificações comerciais.
Campus universitário foi sede de fábrica de cerveja
A companhia cervejeira funcionou entre as décadas de 1920 e 1980, em um galpão gigante cuja fachada de vidro permitia a quem estivesse do lado de fora acompanhar todo o processo de produção da bebida. Até mesmo uma cerveja em homenagem à Cidade, intitulada Santista, chegou a ser envasada no local. Naqueles anos, as imediações eram constituídas majoritariamente de casas.
O assessor sindical Hamilton Darci Corrêa, 58 anos, vive na Vila Mathias há mais de 15 anos. Ele mora na Avenida Gaffree Guinle, próximo ao Grêmio Recreativo dos Metalúrgicos de Santos (Gremetal) – perímetro que exemplifica bem o dualismo residencial-comercial. “A vantagem é que tem tudo o que a gente precisa por perto”, elogia. “Ao mesmo tempo, ainda guarda traços de bairros antigos. A vizinhança é boa, as pessoas se conhecem”.
Hamilton vive na Vila Mathias há 15 anos
A tradição não se restringe ao convívio social. Também no comércio, as raízes são bem preservadas por ali. É o caso da tradicional Casa Parafuso, em atividade na Rua Comendador Martins desde 1961. Fundada por Rufino da Costa Filho, o estabelecimento de artigos para construção foi passando de pai para filho.
“Não nasci no bairro, mas me criei aqui. Desde que nasci frequento a loja”, diz Fernando Antonio da Costa, 55 anos, neto de Rufino e um dos atuais sócios – junto com outros três familiares. “Nós criamos laços com os moradores daqui, que foram os primeiros clientes. Com o tempo, firmamos a marca e, hoje, atendemos gente de todos os lugares”.
Estabelecimento está em atividade há 62 anos
Nas últimas décadas, a Vila Mathias acabou se tornando um polo universitário. Além da Unip, outras quatro instituições de ensino se fixaram no bairro: Universidade São Judas Tadeu – Campus Unimonte, Universidade Católica de Santos (Unisantos), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Fundação Getúlio Vargas.
Sedia, também, o maior complexo artístico local: o Centro de Cultura Patrícia Galvão, onde ficam o Teatro Municipal e o Museu da Imagem e do Som (Miss).
Se este último é atualmente um dos principais difusores da cultura audiovisual na região, no passado o bairro contou com nada menos que cinco cinemas de rua: Carlos Gomes, Bandeirantes, Paratodos, São José e Dom Pedro.
Teatro municipal e centro de cultura são importantes pontos de difusão artística e cultural
A área da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de Santos, que já foi sede da City of Santos Improvements, primeira fábrica de bondes da América Latina, abriga ainda as ruínas do Quilombo do Pai Felipe, o Rei Batuqueiro – um dos marcos da história abolicionista de Santos, a primeira cidade do Estado a encerrar formalmente a escravatura.
O assentamento de negros fugidos nas encostas do Monte Serrat foi um dos mais importantes de Santos, junto com o Quilombo do Jabaquara e o do Vale do Quilombo, na Área Continental.
Quilombo fica no terreno da CET-Santos
Também um marco de resistência na história da Cidade, a sede do Sindicato dos Siderúrgicos e Metalúrgicos da Baixada Santista fica no bairro. Assim como outras associações que representam classes trabalhadoras e empresariais, como os sindicatos do Comércio Varejista, dos Urbanitários, dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Santos, de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Baixada Santista e Vale do Ribeira, entre outros.
Personalidades
Entre as personalidades que marcaram a história da Vila Mathias está a primeira Miss Brasil, Maria José Leone, mais conhecida como Zezé Leone, moradora do entroncamento entre as avenidas Senador Feijó e Rangel Pestana quando da conquista do concurso, em 1923.
A jornalista e escritora Patrícia Galvão (Pagu), o ex-governador Mario Covas, o dramaturgo Plínio Marcos e o poeta Roldão Mendes Rosa também eram figuras fáceis de serem encontradas no restaurante Almeida – um dos estabelecimentos mais conhecidos da Cidade, fundado em 1932.
Também pode ser citado o jogador Neymar, eterno ‘menino da Vila’ que, antes da fama, deu os primeiros chutes a gol na quadra de futebol de salão do Grêmio Recreativo dos Metalúrgicos de Santos, o Gremetal.
Há de se destacar a presença da comunidade japonesa no bairro, onde está localizada a Associação Japonesa de Santos, na Rua Paraná, casa que chegou a abrigar uma escola exclusiva para imigrantes da Terra do Sol Nascente.
“No período da Segunda Guerra Mundial, japoneses de Santos foram perseguidos e tiveram bens confiscados”, lembra Dionísio de Almeida, da Fams. O Japão integrava o Eixo, junto com Alemanha e Itália, que lutou contra os Aliados (do qual o Brasil era integrante), vencedores do conflito.
No campo religioso, aqui, as diversas crenças convivem em paz. Um exemplo é o fato de a Paróquia Imaculado Coração de Maria, uma das principais instituições católicas do Município, estar localizada na Avenida Ana Costa praticamente em frente ao templo do Racionalismo Cristão – doutrina espiritualista surgida em Santos, em 1910.
Fonte: Prefeitura Municipal de Santos
Crédito das imagens: Raimundo Rosa / PMS