A 15ª Cimeira dos BRICS, composto por cinco países emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), inicia-se esta terça-feira e segue até quinta-feira, em Joanesburgo, com a presença de quatro chefes de Estado.
A ausência do presidente russo Vladimir Putin, alvo de um mandado internacional de captura, será notada, num encontro onde outros ausentes serão protagonistas. Desde logo, os cerca de 40 países que anseiam entrar no bloco. E o dólar, a moeda dos EUA da qual os BRICS sonham emancipar-se.
“Para evitar a prisão, conforme determinação do Tribunal Penal Internacional, de Putin na África do Sul, país que, embora dos BRICS, mantém boas relações com os órgãos internacionais ocidentais, vai o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov”, diz Vinícius Vieira, professor de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado.
“E isso prova”, continua o académico ao DN, “que, mesmo sendo a plataforma mais forte para que os países do Sul Global tentem reformar a ordem internacional, os BRICS sabem que ainda é o Ocidente a dar as cartas nessa ordem”.
“Mesmo sem Putin, evidentemente que não se pode fugir ao tema da guerra na Ucrânia em Joanesburgo”, acrescenta Roberto Georg Uebel, professor de Relações Internacionais e economista da Escola Superior de Propaganda e Marketing, em conversa com o DN.
“Mas o conflito estará sempre à margem da reunião”, pontua. “Em relação a Lula, por exemplo, a indicação é que ele não fale nada, a não ser o reforço do discurso da paz, até porque se a Rússia é importante parceira económica do Brasil, a Ucrânia também é”.
Sobre esse papel de Lula na guerra no leste europeu, o ex-embaixador do Brasil nos EUA, Rubens Barbosa, reforça que o país “não tem capital político para ter um papel relevante nas negociações pelo fim do conflito entre Ucrânia e Rússia”.
“A ação do presidente, como se viu, esvaziou-se”, disse, em entrevista ao jornal Correio Braziliense. “Temos no Brasil outras prioridades num cenário internacional onde o país só tem força em duas frentes, meio ambiente e liderança na América do Sul”.
Para o diplomata, “há que saber como projetar esse poder como potência média no exterior, os BRICS eram um instrumento disso, o bloco como um todo não tinha uma agenda comum a não ser nos organismos multilaterais, mas com a guerra, a situação dos Estados que o compõem ficou mais delicada”.
Entretanto, a guerra, por mais interesse mediático que gere, é um tema à margem da Cimeira de Joanesburgo, a primeira presencial (para todos menos Putin) desde a pandemia.
Médio Oriente na calha
Na agenda, o assunto mais importante é a provável expansão do grupo, a primeira desde que em 2011 a África do Sul se tornou o “S” (do inglês South Africa) de um acrónimo até então conhecido apenas como BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China), num trocadilho com a palavra tijolo, brick, em inglês.
Jim O”Neil, economista da Goldman Sachs à época, foi quem cunhou o nome e desenvolveu o conceito de países emergentes que dominariam a economia do mundo por volta de 2050.
Desde então, realizam-se reuniões anuais entre os quatro, depois cinco, mas as próximas podem ter muitos mais participantes, assim os atuais membros concordem com a adesão de todos ou parte dos cerca de 40, segundo algumas fontes, ou 22, de acordo com outras, pretendentes.
Arábia Saudita e Argentina, por satisfazerem todos os critérios são, entretanto, os principais candidatos a entrar no bloco numa primeira fase.
“Há no horizonte, de facto, um interesse dos BRICS na expansão, falando-se na Argentina, na Turquia, na Nigéria, na Arábia Saudita ou nos Emirados Árabes Unidos, o meu temor é que essa expansão faça dos BRICS uma espécie de outro G20, perdendo o alinhamento que os países originais tinham”, diz Uenbel.
Para o especialista, “a inclusão de ditaduras, por outro lado, não afetará muito a imagem do bloco, em primeiro lugar, porque já fazem parte dos BRICS originais regimes autoritários, como China, Rússia e até a Índia, que embora seja a maior democracia do mundo anda a namorar o autoritarismo, ou seja, o grupo já sabe lidar com essas críticas e, além do mais, é sobretudo um bloco económico e financeiro e não tanto político”.
Vieira vê como provável a adesão, sobretudo, de países do Médio Oriente. “É muito provável que novos membros sejam admitidos, como Arábia Saudita e Irão, potências do Médio Oriente, a primeira, embora ditadura, com mais pontes com o Ocidente, o segundo, mais alinhado ao eixo Rússia-China”.
“E os Emirados Árabes Unidos, convém lembrar, já são um membro do banco dos BRICS, o que revela esse piscar de olho do bloco ao Médio Oriente para aumentar a força económica, uma vez que o petróleo, apesar de tudo, ainda é estratégico”, refere.
A América Latina é outra região do globo que aspira a maior participação: “A Argentina também pode ser aceite, o que seria interessante para o país reduzir os efeitos da crise económica e, consequentemente, bloquear a extrema-direita que veio com força, e o México, se não entrar, pode ficar na fila imediata para o fazer”.
Na perspetiva brasileira, o embaixador Rubens Barbosa não vê com bons olhos a ampliação dos BRICS. “Dilui a participação do Brasil, reduz o peso específico dentro do grupo e pode deixar o país mais isolado, porque a posição brasileira natural é de distância, não é de tomar partido por um lado ou por outro nem na guerra da Ucrânia, nem na disputa entre EUA e China”. Para o diplomata, “se forem colocados cinco, dez ou 15 países a mais, esvazia-se totalmente a posição do Brasil e aceita-se a inclusão de países que são muito próximos da Rússia ou da China”.
A “desdolarização”
Outro tema em cima da mesa é a “desdolarização” – emancipação progressiva do peso da moeda americana ou, mesmo, a criação de uma nova moeda.
Jim O”Neill, o “padrinho” dos BRICS, classificou a ideia da moeda própria como “ridícula”. Aliás, em entrevista ao Financial Times, o ex-economista disse ainda que “Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul nunca conseguiram alcançar nada desde que começaram a se reunir.”
“Mas o tema será, assim como a expansão, central para a Cimeira”, prevê Uenbel. “Lula já falou sobre isso, outros líderes dos BRICS também, há referências à utilização da moeda chinesa no Novo Banco de Desenvolvimento, o banco dos BRICS, e é um assunto já tratado em outros fóruns, como o G20 ou a União Europeia, aliás, a própria [secretária do Tesouro dos EUA] Janet Yellen abordou o tema”.
“Porém, o assunto entrará na agenda, calculo, como proposta e não como imposição para não criar um desentendimento com os EUA, afinal, ainda na semana passada Biden falou ao telefone com Lula e antes teve encontro com Modi, em Washington”.
Vinícius Vieira não acha que uma moeda dos BRICS avance “até porque há resistências da Índia, mas o banco dos BRICS anunciou uma linha de crédito na moeda da África do Sul, logo, seria ilógico se os BRICS ignorarem o uso dessas moedas locais, utilizadas já noutros blocos multilaterais”.
“Assim sendo, se a criação de uma moeda comercial dos BRICS me parece improvável, porque deve demorar muito tempo, é de esperar uma declaração na Cimeira sobre SWAP, trocas em moedas locais”.
A propósito, o referido Novo Banco de Desenvolvimento, o banco dos BRICS, é liderado hoje por Dilma Rousseff, presidente do Brasil de 2011 a 2016. “Mas a nomeação de Dilma para Shangai deveu-se a motivos políticos”, defendeu Roberto Georg Uebel.
“Não era útil ao governo Lula, que tenta aproximar-se do centro-direita para governar, ter ao lado uma pessoa que ainda causa desconforto e suscita debate nessa área política, pensou-se, portanto, em atribuir-lhe uma embaixada mas ela acabou por ocupar o cargo no banco até porque, sendo economista e ex-presidente de um país, o seu traquejo ajudam a dar força ao cargo”.
Finalmente, um tema obrigatório da agenda da Cimeira, embora menos falado do que o da expansão e o do dólar, é o das mudanças climáticas. Segundo o académico, “esse será o terceiro eixo do encontro e aquele em que o Brasil pode liderar, como protagonista e como porta-voz”.
Os líderes à lupa
Lula da Silva (Brasil)
Em terceiro mandato, depois dos dois exercidos no princípio do século, vem tentando exercer uma política externa equidistante de Washington e Pequim, na economia, e, dentro dos possíveis, autónoma das grandes potências, na política. No Brasil, espera-se que em Joanesburgo exerça liderança no tema das mudanças climáticas mas teme-se que volte a falar sobre a guerra na Ucrânia.
Vladimir Putin (Rússia)
Por motivos judiciais – é alvo de um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional – é o único presidente dos cinco países membros ausente da reunião de Joanesburgo mas, nem por isso, deixará de ser notado, falado, criticado e elogiado, desde logo por Sergei Lavrov. O ministro dos Negócios Estrangeiros russo será dos mais interessados na expansão dos BRICS para ganhar aliados e na “desdolarização” da economia do bloco e do mundo.
Narendra Modi (Índia)
O primeiro-ministro da Índia desde 2014 chega à reunião dos BRICS sem disposição, ao contrário dos colegas, para defender a “desdolarização” do bloco, após encontro em Washington com Joe Biden. Acusado de enfraquecer instituições, direitos humanos e liberdade de expressão no seu consulado de nove anos, ainda lidera “a maior democracia do mundo”.
Xi Jinping (China)
Aos 70 anos, entrou no décimo ano de liderança do país que já este ano perdeu para a Índia o título de mais populoso do planeta com mais poderes do que nunca.
Membro da chamada “quinta geração de líderes” do PC chinês, é o único, além do fundador Mao Tsé-tung, a manter-se no poder por três mandatos consecutivos. Segundo observadores, é o mais interessado na ampliação de membros dos BRICS.
Cyril Ramaphosa (África do Sul)
O presidente da África do Sul – o mais recente membro dos BRICS, até ver… – é o anfitrião da 15.ª Cimeira, a primeira presencial no pós-pandemia.
Líder do país há cinco anos, sucedendo a Jacob Zuma, tem, como Lula, uma carreira no sindicalismo a precedê-lo. Mas Ramaphosa, 70 anos, é também um milionário com interesses na área das telecomunicações, minérios e alimentação (foi dono da McDonalds sul-africana).
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Gianluigi Guercia / AFP