No conto de Jorge Luís Borges, “A Biblioteca de Babel” é apenas ficção. Mas a cidade literária de Garrett, de Agustina e de Eugénio quer escrever uma história real na qual o Porto se assume uma “biblioteca infinita”, com páginas escritas nas ruas, nas praças, no espaço de todos e a várias mãos.
Da autoria da Fundação Livraria Lello, o projeto BABELL é o novo evento literário e cultural internacional da cidade, que acontece entre os dias 24 e 30 de junho, com o apoio do Município do Porto. Nestas páginas, as personagens principais são os livros, são os escritores e os livreiros, mas é, primeiramente, quem lê.
Os encontros com escritores internacionais como Olga Tokarczuk, Salman Rushdie, Margaret Atwood ou Byung-Chul Han podem parecer o capítulo principal de “BABELL”, mas aquele que ambiciona ser o “melhor e o maior festival cultural do país” – palavras do comissário do projeto, o autor Rui Couceiro – quase poderia contar mil e uma histórias.
“Entusiasmado e ansioso com a concretização deste sonho”, o presidente da Câmara do Porto não tem dúvidas de que “o impacto na cidade tem tudo para ser gigantesco: pela dinâmica dos espaços públicos, pela criação de públicos, pela centralidade cultural que queremos que exista nesta cidade”.
Durante a apresentação do projeto, na tarde desta quarta-feira, na Livraria Lello, Pedro Duarte defendeu a cultura como “um pilar estruturante de uma cidade”.
No “BABELL”, o autarca reconhece “caraterísticas que são intrinsecamente portuenses: é de uma ousadia gigantesca, de um grande espírito empreendedor que é maravilhoso”. “Pensar alto, sonhar e, depois, pôr as mãos na massa, concretizar”, resume o presidente da Câmara.
Sublinhando a “independência do projeto”, Pedro Duarte admite que o Município segue – e seguirá –”“uma visão não dirigista da cultura” e enaltece o “trabalho em rede, de generosidade de se querer alargar à cidade, aos próprios agentes culturais”. “Este compromisso com a cidade é muito nosso”, considera o autarca, certo de que “o projeto é de toda a cidade e todos os portuenses vão sentir como seu”.
Nas palavras do vereador da Cultura, Jorge Sobrado, “há duas razões para acreditarmos na importância deste evento no Porto”. Primeiro, “o estatuto literário e a consciência política da cidade” ou não fosse o Porto “sequer pensável como cidade sem palavras e sem livros”. “Na sua infinitude e diversidade, a biblioteca é a melhor metáfora da cidade”, sublinha o responsável.
Depois, “o momento de urgência da palavra e de crise do pensamento – do seu domínio humano, da inteligência natural – que enfrentamos”. Jorge Sobrado lembra que “investigadores de diferentes áreas, filósofos e educadores têm chamado a atenção para os riscos de perda, da amputação de capacidades cognitivas, linguísticas e de relacionamento”.
Citando Agustina Bessa-Luís – “…há palavras que são insubstituíveis” – o vereador considera que “BABELL vem em busca das palavras urgentes e insubstituíveis, e das palavras para todos os públicos: dos amantes dos livros e clubes de leitura aos que detestam ler, das crianças aos seniores, dos transeuntes sonâmbulos aos ativistas militantes”.
Dando a conhecer este “BABELL”, o comissário do projeto garante que este “é um projeto para o Porto”, que terá produção própria e externa. Rui Couceiro acredita que a iniciativa irá contribuir para a “afirmação cultural do território, o desenvolvimento sociocultural, e para trazer retorno económico” para a cidade.
Na visão do também escritor, “numa altura em que muitos livros estão a ser proibidos em países como os Estados Unidos, é muito importante que o poder político reconheça a importância do livro”.
“Queremos que o livro chegue ao maior número possível de pessoas”, assumiu Rui Couceiro, partilhando como “estamos a sonhar, a resignificar o Porto enquanto cidade-livro”.
Município assume-se coautor de vários capítulos da programação do festival
Numa história que ainda não está fechada, a programação – da responsabilidade da autora Patrícia Reis –, escrever-se-á também de iniciativas para crianças e jovens, concertos, poesia e mesmo a oferta de livros na rua, oficinas de escrita ou exposições.
Já se pode adiantar as mostras de João Habitualmente, o poeta portuense, que cegou e levará o público a uma exposição num espaço “em ruínas”, ou de Daniel Mordzinski, que levará o fotógrafo de diversos escritores de renome internacional a expor imagens de autores que já passaram por detrás das grades, precisamente no local onde o escritor Camilo Castelo Branco viveu o cárcere: a antiga Cadeia da Relação.

O Município do Porto será, igualmente, coautor deste “BABELL”, assumindo alguns capítulos da programação, nomeadamente com um itinerário de micro acontecimentos “de maior intimidade” em espaços públicos e nos polos da Biblioteca Errante do Porto.
Jorge Sobrado espera que “desperte e implique a cidade e os seus públicos”, com “colóquios dedicados à Educação e à Cultura”, ou com “aulas” de História do Porto, nas quais entram a literatura e a poesia, mas também a gastronomia ou a tradição popular.
Assumindo a missão de ir para lá de “BABELL”, Jorge Sobrado adiantou que a autarquia está a trabalhar “para conquistar a cidade para um Plano Municipal de Leitura”.
1 livro – 1 bilhete – milhares de leitores
Entre as particularidades da iniciativa, o comissário adianta a forma de acesso às sessões. Quem quiser participar, com entrada ou lugar sentado, na maior parte das sessões, “terá que comprar um livro em qualquer livraria ou livreiro da cidade”, recebendo um código que permitirá escolher a sessão.
Algo que Rui Couceiro acredita que pode ajudar a “revolucionar o setor livreiro e literário”, criando hábitos de leitura e levando às livrarias portuenses “dezenas de milhares de pessoas”.
Um público que a organização espera que se desloque de transporte público. Para incentivar a tal, está a ser estudado com a STCP, a Metro do Porto e os Transportes Metropolitanos do Porto um plano de mobilidade e a criação de um passe especial para quem comprar um livro nas livrarias aderentes ao “BABELL”, que pode ser utilizado durante os dias do festival.
Estendido em todo o centro da cidade, este “é um festival, primeiramente, para os portuenses” e também por isso “para ser vivido a pé”, defende o comissário.
Apesar de ser um festival da cidade, e colocando os livros a assumir a sua missão de expandir horizontes, o arranque de “BABELL” acontece em Matosinhos, junto à sede da Fundação Livraria Lello, com a abertura do “Jardim do Pensamento”.
Um espaço da autoria de Sidónio Pardal e com esculturas de Siza Vieira, apadrinhado pelo filósofo e escritor de “Sociedade do Cansaço”, Byung-Chul Han, que dará uma conferência sobre “a necessidade de abrandamento”.
Fonte: www.porto.pt
Crédito das imagens: Andreia Merca