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Câmara investe nas rendas, PS fala em 2000 casas “na gaveta”

Rita Marques tem 26 anos e um trabalho precário – leia-se contrato a prazo – numa empresa de análises clínicas. Ganha um pouco acima do salário mínimo e isso deu-lhe a expectativa de que, com o tempo e algum dinheiro de parte, conseguiria mudar-se da casa dos pais, que há 15 anos saíram de Lisboa para o concelho de Loures, e dividir casa com o namorado, em Lisboa. Os objetivos não lhe pareciam muito ambiciosos: “um T0, por pequeno que fosse”. Rapidamente percebeu que não era bem assim: “Até 900 euros me pediram por casas mínimas. Não encontrei nada que não implicasse gastar todo o meu ordenado na renda, assim não dá”. Planos adiados, Rita procura agora casa fora da cidade onde viveu parte da infância e para onde queria voltar – “Talvez mais tarde”.

A habitação em Lisboa é, nesta altura, um dos maiores problemas da cidade, se não mesmo o mais grave – e este denominador comum praticamente esgota a convergência entre a vereação de Carlos Moedas e os partidos da oposição na câmara da capital, que pouco concordam quer nas causas, quer nas soluções para um problema transversal, que ao longo dos últimos anos se estendeu das famílias mais carenciadas à classe média, passando pelos mais jovens. E que abarca arrendamento e compra, com as duas modalidades a registarem aumentos em flecha, colocando a habitação na cidade a preços incomportáveis.

Passado um ano sobre as eleições autárquicas que deram a vitória a Carlos Moedas, a vereadora com o pelouro da habitação, Filipa Roseta, destaca três linhas prioritárias na ação da coligação Novos Tempos, a começar pela chamada habitação social. “A primeira prioridade é que a Gebalis [a empresa municipal que gere a habitação na propriedade da autarquia] não tenha casas vazias. Passámos quarenta milhões [reembolsáveis pelo Plano de Recuperação e Resiliência], mais dois, para a Gebalis, 17 milhões para reabilitação de frações. Estão a correr contratos de obras para centenas destas frações”, diz a vereadora ao DN. Segunda prioridade: “Havia um enorme vazio para as pessoas que ganham entre seis mil e oito mil euros [anuais]. Criámos um programa especial só para estes casos e vamos fazer outro, achamos que há muitas pessoas nestas circunstâncias”.

O terceiro ponto que a vereadora destaca deste primeiro ano de mandato prende-se com o apoio ao pagamento de rendas, que “torna qualquer contrato de arrendamento num arrendamento acessível”. Trata-se de um apoio ao pagamento da renda, na percentagem em que esta exceda os 30% de taxa de esforço de um agregado familiar. “Apoiámos 250 pessoas, devemos chegar acima das 300 este ano e queremos chegar às 1000”, diz a vereadora da habitação, sublinhando que este apoio abrangeu “toda a gente que se candidatou”. “É um apoio muito importante para a classe média, que chega a toda a gente que está dentro dos parâmetros, e para o ano queremos reforçá-lo”, diz Filipa Roseta, destacando o que é uma clara aposta do Executivo de Carlos Moedas – uma resposta “mais eficiente” que a construção – face a um problema para o qual “não há uma bala de prata, não há uma solução única”.

Já quanto ao número de casas entregues ao abrigo do Programa de Renda Acessível (PRA) – um dos grandes eixos da política de habitação no anterior mandato de Fernando Medina – foram 128 no último ano (de construção pública, no caso um edifício em Entrecampos), de um total de 568 no conjunto dos vários programas em vigor. Longe dos números falados por Fernando Medina, que chegou a prometer 6000 no anterior mandato, número que não alcançou então, mas que remeteu para o futuro. Filipa Roseta diz não ter encontrado sombra deste número de fogos – “O melhor será perguntar-lhe de onde vinham esses números, eu não sei”.

“2000 casas na gaveta”

Já a oposição, e em particular o PS, acusa o atual Executivo de ter desinvestido na renda acessível de promoção pública, deixando “na gaveta” projetos como o PRA para o Alto do Restelo, Paço da Rainha (Arroios), Benfica ou Marvila. “Os projetos que estavam lançados e adjudicados estão a avançar, mas os restantes não saem do papel. Temos duas mil casas metidas na gaveta”, aponta a vereadora socialista (sem pelouro) Inês Drummond, afirmando que o atual Executivo “não tem revelado qualquer compromisso com a necessidade de habitação a preços acessíveis”.

A avaliação de João Ferreira, vereador do PCP, também está longe de ser positiva. “Não foi feito praticamente nada” na área da habitação ao longo do último ano, sustenta, apontando também o quebrar de um “certo consenso que se tinha conseguido” em torno da necessidade de uma resposta pública forte aos problemas da habitação. Sobre os 40 milhões para a Gebalis, sublinha que se trata de valores “com um horizonte temporal que se estende pelo mandato seguinte e que “representam uma diminuição face aos recursos que vinham sendo encaminhados para esta área”. Para o Bloco de Esquerda, pela voz da vereadora Beatriz Gomes Dias, o balanço é também “muito insuficiente”. “O pouco que se fez foi continuar o que já existia, os fogos que estão a ser atribuídos são do Executivo anterior”, diz a vereadora bloquista, defendendo que “é preciso reforçar a oferta pública de habitação”. Já para Rui Tavares, do Livre, “as políticas e sobretudo a inação do atual Executivo com pelouros” vieram “agravar” a “grave crise da habitação” – “Em matéria de renda acessível a inação tem sido gritante, com muitos projetos já iniciados no mandato anterior a ficarem na gaveta”.

Imobiliário em alta, população em queda

De acordo com os resultados preliminares dos Censos 2021, Lisboa perdeu na última década 1,2% da sua população, contando menos 6777 habitantes que em 2011, segundo os últimos dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Uma quebra que contrasta com os dados dos concelhos limítrofes: 14 municípios da área metropolitana viram aumentar o número de residentes.

A análise às freguesias evidencia que as quedas mais expressivas são coincidentes com os bairros de maior incidência turística. Em pleno centro histórico de Lisboa, a Misericórdia perdeu numa década um quarto da sua população. Logo a seguir surge Santa Maria Maior, com uma quebra de residentes de 22%. A perder população estão igualmente São Vicente e Santo António. São precisamente as quatro freguesias onde o Alojamento Local (AL) tem um maior peso no parque habitacional: 52% em Santa Maria Maior, 39% na Misericórdia, 26% em Santo António, 16% em São Vicente. Todas são áreas de contenção.

Este tem sido, aliás, um dos cavalos de batalha na vereação lisboeta, com a oposição a unir-se para aprovar a suspensão da abertura de novos alojamentos, destinados sobretudo para fins turísticos (que regressou em força neste último ano à cidade, ultrapassadas as restrições da pandemia), em 14 freguesias da cidade. Um braço de ferro que promete continuar – a prorrogação da medida até abril do próximo ano já foi aprovada na câmara. Carlos Moedas já disse que esta é uma medida que prejudica a economia da cidade, Inês Drummond contrapõe que a câmara deve agir no regulamento do AL, um instrumento que o presidente da autarquia “tem afastado da equação”. “O AL tem um impacto enorme, retirando casas do mercado de arrendamento, sobretudo T1 e T2. Tornou Lisboa na terceira cidade mais cara do mundo na relação entre o preço da habitação e os salários”, corrobora Beatriz Gomes Dias.

“É altura de parar de culpar o Alojamento Local”

Carlos Moedas já deixou claro que não partilha desta visão. Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), também não. “É altura de parar de culpar o Alojamento Local por tudo e enfrentar o problema de raiz, que é a falta de imóveis”, diz ao DN. “Durante a pandemia tivemos 2200 imóveis retirados do AL e que até hoje não voltaram. Desde essa altura o AL não cresceu, mas os preços continuaram a subir”, argumenta, defendendo que é preciso olhar para a realidade e para os múltiplos fatores que afetam a habitação em Lisboa, nomeadamente para os valores crescentes da compra de imóveis por cidadãos estrangeiros: “Há hoje um grande interesse do mercado internacional por Lisboa, o que é positivo. Se há compradores disponíveis a comprar acima da média, é claro que o mercado se direciona para aí”. E o mesmo princípio, sublinha, é válido para o arrendamento.

De acordo com dados da Confidencial Imobiliário, empresa especializada nesta área, os investidores estrangeiros compraram em 2021 um total de 1767 imóveis residenciais na Área de Reabilitação Urbana de Lisboa, num valor total de 923,1 milhões de euros, um montante recorde. Cada compra foi em média de 523 mil euros por cada compra, passando pela primeira vez a barreira do meio milhão, bem acima dos 353 700 investidos em média por compradores nacionais.

Fonte: Diário de Notícias / Portugal

Crédito da imagem: Gerardo Santos / Global