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Brasileira Rosita Milesi vence prémio da ONU por décadas de apoio a migrantes

A irmã Rosita Milesi ganhou o prémio Nansen do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados pela dedicação de décadas aos migrantes no Brasil, iniciada nos anos de 1990 com o acolhimento de milhares de angolanos.

Anunciado nesta quarta-feira, o prémio, foi batizado em homenagem ao explorador, cientista, diplomata e humanitário norueguês Fridtjof Nansen e é concedido anualmente a uma pessoa, grupo ou organização que tenha ido além do dever na proteção de refugiados, deslocados internos ou apátridas.

“Sinto-me muito feliz por poder ter dedicado tantos anos a esta causa. É a grande motivação da minha vida”, disse, em entrevista à Lusa, Rosita Milesi, da Congregação das Irmãs Scalabrinianas desde 1964.

Segundo ela, a migração é “algo natural da natureza humana” e agora a mobilidade humana, principalmente os refugiados, são consequência da “tristeza de guerras e conflitos” e de questões climáticas, provocadas pelo ser humano.

“De certo modo, a própria humanidade está provocando essa mobilidade, então, pelo menos devemos desenvolver mecanismos de acolhimento, de integração para que não prevaleça a rejeição”, sublinhou.

“É necessário avançar na educação, desde a educação fundamental para tratar a temática da mobilidade humana como algo natural da natureza humana, como algo natural das pessoas. Sempre foi assim”, disse.

Em 1999, fundou, em Brasília, o Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), uma associação sem fins lucrativos, da qual é diretora, e que se dedica ao atendimento jurídico e social, ao acolhimento humanitário e à integração social e laboral de migrantes, requerentes de asilo, refugiados e apátridas, com foco naqueles em situação de maior vulnerabilidade.

“Há centenas de pessoas que foram um grande apoio para mim, não apenas pessoas individualmente, mas também organizações internacionais, nacionais, governos também”, enalteceu.

O ano em que fundou o IMDH correspondeu à chegada ao Brasil de um grande fluxo de refugiados vindos de Angola, em fuga da guerra civil que durou até 2002. De 1990 até 2002 calcula-se que 2.300 angolanos tenham pedido refúgio no Estado brasileiro, de acordo com a Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro.

“Nos anos 90, de forma, nem esperada no Brasil, passaram a chegar os refugiados angolanos e nessa época, o ACNUR [Alto Comissariado da ONU para os Refugiados] convidou-me e junto com a Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro e a Cáritas de São Paulo passamos a enfrentar o desafio de acolher refugiados”, começou por explicar a vencedora do prémio Nansen.

Rosita Milesi lembrou o desafio que foi na época, já que o Brasil não possuía uma lei de migrações, mas seguia as indicações da ONU em relação ao reconhecimento de refugiados

“Foi um tempo desafiador porque tivemos que pensar em todos os modos de acolher essas pessoas e de dar-lhes a condição de refugiados”, frisou, acrescentando que o acolhimento dos angolanos “foi uma oportunidade de sentir, na prática, viver na prática e partilhar com outros atores, a forma de aprender a acolher e dar um apoio, sobretudo documental, que é sempre um ponto de partida importante, e depois na sua integração”.

Durante a entrevista, Rosita Milesi enumerou o que para ela são os alicerces para uma boa integração dos refugiados.

O primeiro deles é a língua: “Vivo na prática até hoje, o quanto é difícil, o quanto é desafiador para as pessoas refugiadas e migrantes superarem as dificuldades habituais enquanto não tem um domínio do idioma”, disse.

“Em relação aos angolanos, não era um problema, porque ainda que muitos deles falem também idiomas locais, tenham as suas características, são de um país de língua portuguesa. A maior dificuldade era encontrar formas de integração”, recordou.

A segunda lacuna é a questão da revalidação de diplomas, “uma etapa importantíssima também para a integração” e o terceiro ponto para a integração é a integração laboral.

O último ponto é a integração cultural: “esta é uma lacuna que a gente não deveria admitir, porque a integração cultural é de fundamental importância apara a vida da pessoa, ela não pode sentir apenas uma mão-de-obra, é laboral”, precisa de também sentir-se membro de uma comunidade.

Em 2018, a IMDH estendeu os serviços de atendimento de emergência e integração social do IMDH para Boa Vista, estado de Roraima que faz fronteira com a Venezuela.

Aqui, detalhou, o foco é na documentação “porque a pessoa tem que se sentir acolhida no país, pelo menos do ponto de vista legal”.

De acordo com dados oficias, desde 2018, quando o Brasil iniciou a operação para acolher refugiados, e até 2024, 693.722 pessoas atravessaram a fronteira da Venezuela com o Brasil.

No ano passado, o Brasil reconheceu 77.193 pessoas como refugiadas. Ao todo, 143.033 pessoas são reconhecidas pelas autoridades brasileiras como refugiadas.

O comité do prémio Nansen 2024 para os Refugiados também homenageou mais quatro nomeados regionais.

Em África, Maimouna Ba, uma ativista baseada no Burkina Faso que ajudou mais de 100 crianças deslocadas a regressar às salas de aula e capacitou 400 mulheres deslocadas a ganhar independência financeira.

Deepti Gurung, na Ásia-Pacífico, uma ativista nepalesa que fez campanha para reformar as leis de cidadania do país, depois de saber que duas filhas se tinham tornado apátridas.

Na Europa, Jin Davod, uma jovem empreendedora social, que se baseou na sua própria experiência como refugiada para criar uma plataforma que presta apoio em matéria de saúde mental a sobreviventes de traumas, incluindo refugiados e comunidades locais.

E, por fim, no Médio Oriente e Norte de África, Nada Fadol, uma refugiada sudanesa que mobilizou ajuda essencial para centenas de famílias que fugiram para o Egito em busca de segurança.

Fonte: Diário de Notícias / Portugal

Crédito da imagem: Marina Calderon / UNHCR