Mesmo com o cenário de recessão à vista, o Banco Central Europeu (BCE) continua empenhado em pôr um travão à inflação na Zona Euro – que chegou aos 9,9% em setembro, apesar das taxas de juros diretoras terem subido 125 pontos base entre julho e setembro. A taxa principal de financiamento subiu para 2% e a taxa de remuneração dos depósitos dos bancos comerciais no BCE aumentou para 1,5%.
O Conselho do BCE reuniu-se esta quinta-feira e decidiu voltar usar a sua principal arma de política monetária contra a inflação. Mais uma vez, subiu as taxas de juro diretoras em 75 pontos-base, colocando a taxa de refinanciamento nos 2%, a mais alta da última década.
Uma vez mais, os portugueses vão sentir na pele os efeitos da decisão do regulador europeu, que tem impacto no custo dos créditos habitação, por via da subida das taxas Euribor, que já chegaram a máximos dos últimos 10 anos.
Esta foi a terceira subida das taxas de juro diretoras pelo BCE só em 2022: foi em julho que o regulador europeu decidiu subir pela primeira vez em 11 anos os juros diretores em 50 pontos base. E, dois meses depois, voltou a fazê-lo, aumentando-as em 75 pontos base.
Nesta última reunião, realizada esta quinta-feira, o BCE voltou a apostar no aumento de 75 pontos. E, em resultado, as taxas de juro diretoras passam a ser as seguintes, a partir do dia 2 de novembro:
Taxa de juro das principais operações de refinanciamento passa de 1,25% para 2%
Taxa aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez passa de 1,50% para 2,25%;
Taxa aplicada à facilidade permanente de depósitos passa de 0,75% para 1,5%.
“O Conselho do BCE tomou a decisão de hoje – e espera continuar a aumentar as taxas de juro – para assegurar o retorno atempado da inflação ao seu objetivo de 2% a médio prazo”, diz o regulador europeu
O objetivo do regulador europeu liderado por Christine Lagarde passa por baixar a inflação que se faz sentir na Zona Euro. Mas, até agora, apesar dos últimos aumentos das taxas de juro diretoras, esta estratégia ainda não surtiu efeito: a inflação subiu de 9,1% agosto para 9,9% em setembro.
Também em Portugal a inflação subiu 0,5 pontos percentuais entre esses dois meses, fixando-se em 9,8% em setembro, o valor mais elevado em 30 anos. “A inflação permanece demasiado elevada e continuará a ser superior ao objetivo do BCE durante um período prolongado”, argumenta o regulador em comunicado divulgado esta quinta-feira.
É por isso que são esperados novos aumentos das taxas de juro diretoras pelo BCE nas próximas reuniões. Isso mesmo confirmou Christine Lagarde no final da reunião de outubro, alertando que os juros diretores poderão subir mais três ou quatro vezes, porque ainda “estamos longe das taxas de juro necessárias para levar a inflação de volta à meta de 2%”, onde é assegurada a estabilidade dos preços.
“O Conselho do BCE baseará a trajetória futura das taxas de juro diretoras na evolução das perspetivas de inflação e económicas, seguindo a sua abordagem reunião a reunião”, explica o regulador no documento divulgado esta quinta-feira. A próxima reunião de política monetária está agendada para 15 de dezembro de 2022. E as novas subidas dos juros diretores também deverão decorrer no início do próximo ano: a 2 de fevereiro de 2023 e a 16 de março de 2023.
Tudo será feito para que a inflação caia no curto e médio prazo, garante o BCE, mesmo que haja risco de recessão no espaço europeu, como já se verifica em alguns países como a Alemanha e Itália. Há, portanto, o risco da recessão económica arrastar-se a outros países da Europa.
“Com o desvanecimento ao longo do tempo dos atuais fatores impulsionadores da inflação e a repercussão da normalização da política monetária na economia e na fixação de preços, a inflação descerá”, acredita o regulador europeu. Mas estas ações têm um preço, sobretudo para as carteiras das famílias que têm empréstimos habitação.
Como é que a subida de juros pelo BCE tem impacto no crédito habitação?
Quem quiser comprar casa com recurso a financiamento bancário vai deparar-se com um mercado mais caro, tanto para as taxas variáveis e indexadas à Euribor, como para as taxas fixas. E quem já está a pagar um empréstimo habitação de taxa variável – cerca de 90% dos contratos em Portugal têm juros deste tipo – também verá as prestações da casa subir dezenas ou até centenas de euros assim que a Euribor for atualizada a 3, 6, ou 12 meses.
As taxas de juro variáveis do crédito habitação estão a ficar mais caras à medida que as taxas Euribor são impactadas pelas decisões de política monetária do BCE. Neste momento, as taxas Euribor já chegaram máximos de dez anos para todos os prazos, com as médias de setembro a atingir os:
Euribor a 12 meses (a mais utilizada no conjunto dos novos contratos de crédito habitação em Portugal): atingiu os 2,233% em setembro, quase o dobro da fixada em agosto (1,249%). A taxa média de setembro é o maior valor alcançado desde janeiro de 2009, quando se fixou em 2,622%.
Euribor a 6 meses (mais utilizada em Portugal no total de créditos habitação): chegou aos 1,596% em setembro, também quase o dobro da registada no mês anterior (0,837%). É preciso recuar a dezembro de 2011 para alcançar uma taxa tão alta para este prazo (1,671%);
Euribor a 3 meses (a menos utilizada nos novos contratos, mas que ainda representa 30% da totalidade de contratos assinados até dezembro de 2021, segundo o Banco de Portugal): fixou-se em 1,011% em setembro, quase o triplo da registada em agosto (0,395%). Esta é a Euribor a 3 meses mais elevada desde janeiro de 2012, quando chegou aos 1,222%.
Como é que a subida dos juros diretores influenciará a Euribor?
A resposta a esta questão depende dos próprios ajustes do mercado à nova subida das taxas de juro diretoras, tal como explica Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/crédito habitação em Portugal: “Nos próximos dias será confirmado se o desconto que o mercado já aplicava estava ajustado aos 75 pontos e se a Euribor se mantém estável entre os 2,75% e os 3%. Ou se, pelo contrário, ainda tem uma trajetória ascendente até aos 3,5%”.
Ou seja, a Euribor pode agravar-se no futuro ou estabilizar. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) acredita que o regulador europeu vai subir as taxas de juro diretoras até aos 4% já em 2023, um aumento que irá impulsionar ainda mais evolução ascendente das taxas Euribor elevando-as ao patamar dos 5%, atingido em 2008 na crise do subprime.
Este é um panorama também previsto pelo economista Miguel Córdoba que assume que “provavelmente veremos a Euribor atingir uma faixa entre 3% e 5% na primavera de 2023, e será nesse patamar que se irá estabilizar”. E, em resultado, as prestações da casa vão subir dezenas ou até centenas de euros nos créditos habitação de taxa variável.
Crédito habitação novo: o que ter em conta?
Antes de contratar um empréstimo habitação, importa fazer contas à vida e decidir, desde logo, se valerá a pena optar pela taxa fixa ou pela taxa variável. Também a taxa mista – que em que os juros são fixados por um determinado período do crédito – está em cima da mesa para várias famílias.
Não há uma resposta única para esta questão. Cada família deverá analisar o seu orçamento e perceber se é mais vantajoso pagar mais pela taxa fixa para ter estabilidade na prestação da casa, ou se valerá a pena estar exposto à volatilidade da Euribor, optando pela taxa de juros variável. Note-se que nos empréstimos de taxa variável, a prestação da casa vai subir ou descer consoante varia a Euribor contratada a 3, 6 ou 12 meses.
Por exemplo, se um empréstimo for contratado em outubro com um spread de 1% e a Euribor a 12 meses de 2,233%, significa que a família irá pagar juros (TAN) de 3,233% durante o ano seguinte. E só em outubro do próximo ano é que a prestação será atualizada com um novo valor da Euribor.
Na hora de contratar um crédito habitação, importa olhar também para outros indicadores além da TAN (Taxa Anual Nominal) e do spread (o lucro do banco). Os especialistas do idealista/créditohabitação recomendam olhar para a TAEG (Taxa Anual de Encargos Efetiva Global) e para o MTIC (Montante Total Imputado ao Consumidor), já que são estes os principais indicadores para comparar diversas propostas de empréstimo da casa.
Crédito habitação existente: como ficam as prestações da casa?
Em Portugal, a maioria dos créditos habitação são de taxa variável e indexada à Euribor, pelo que a subida das taxas de juro diretoras pelo BCE acaba por influenciar diretamente a vida e a carteira dos portugueses. Isto porque as famílias verão a prestação da casa subir assim que os juros forem revistos trimestral, semestral ou anualmente, conforme a taxa Euribor contratada seja a 3, a 6, ou a 12 meses, respetivamente. O ano do contrato de crédito habitação também influencia o aumento.
Quem contratou um crédito habitação de taxa variável nos últimos sete anos, com a Euribor em negativa, poderá sentir mais os efeitos das subidas dos juros. “Estas famílias podem ter dificuldades se a prestação da casa for muito ajustada ao seu rendimento disponível, porque vai subir muito”, diz Miguel Córdoba. Mas quem está a pagar o empréstimo da casa há já vários anos sentirá menos a diferença na prestação do que quem contratou há pouco tempo, dado que boa parte do capital emprestado já foi amortizado, tal como mostram as estimativas do idealista/crédito habitação.
“Com a aplicação do sistema de amortização francês, pelo qual são pagos mais juros no início do empréstimo, os créditos habitação mais recentes vão sofrer aumentos mais acentuados (entre 230 e 250 euros a mais por mês no caso de um crédito ‘típico’ de 150.000 euros a 25 anos e Euribor a 12 meses e um spread de 1,5%). Já esse mesmo crédito habitação contratado em 2011, aumentaria 147 euros, e no caso de ter sido contratado em 2005, aumentaria apenas 90 euros por mês”, explica Miguel Cabrita.
Já quem contratou uma taxa de juro fixa – em Portugal o número de contratos com esta opção tem subido desde 2016, segundo o Banco de Portugal – não terá de se preocupar, porque a prestação da casa não mexe ao longo do contrato.
BCE sobe juros para travar a inflação e Governos apoiam famílias: onde nos leva a esta contradição?
O principal objetivo do BCE em subir as taxas de juros diretoras passa por baixar a inflação, limitando a capacidade das famílias de consumir e das empresas de investir. Mas os Governos estão a preparar medidas em sentido contrário, dando mais apoios às famílias para não perderem poder de compra. Onde nos pode levar esta contradição de políticas?
Há economistas que alertam que esta situação poderá gerar uma crise ainda mais longa do que o necessário. Isto porque, no meio da contradição, as políticas tantos dos Governos como o BCE corre o risco de se tornarem menos eficazes no combate à crise inflacionista que hoje assola a Europa.
“Mais do que um risco, é uma certeza. Não sejamos ingénuos – a política monetária restritiva visa precisamente tirar poder de compra a Governos, famílias e empresas precisamente para diminuir pressão sobre preços. Os governos, ao distribuir liquidez, estão precisamente a contribuir para a diminuição da eficácia dessas políticas, tornando a inflação mais persistente e tornando inevitáveis mais subidas das taxas de juro”, afirma o economista Pedro Brinca e professor da Nova SBE, citado pelo Público.
Também Paul de Grauwe, economista e membro do conselho superior do Conselho das Finanças Públicas assume que “é, de facto, um problema que as políticas monetária e orçamental estejam cada vez mais a mover-se em direções opostas”. E explica porquê ao mesmo jornal: “Assumindo que os bancos centrais vão manter a sua independência, isto vai levá-los a subir as taxas de juro mais do que aquilo que pretendiam para combater a inflação. O risco é o de que a recessão venha a ser mais intensa por causa destas políticas contraditórias”, explica.
Já Nuno Teles, professor na Universidade Federal da Bahia, no Brasil, acredita que as políticas monetárias e orçamentais não estão a tomar caminhos diferentes. Isto porque há países que estão a dar apoios “ilusórios” às famílias para combater a inflação, isto comparando com o crescimento da receita fiscal arrecadada com o ciclo inflacionista. Mas, note-se, que também há países em que os pacotes das ajudas são bem mais robustos, como é o caso da Alemanha, que está a entrar em recessão.
No caso português, os apoios desenhados para compensar a inflação são “meros paliativos”, considera Nuno Teles. Recorde-se que além do cheque de 125 euros atribuído às famílias que recebem menos de 2.700 euros brutos por mês, o Governo de António Costa também desenhou apoios para quem tem crédito habitação que passam pela redução de um escalão na retenção da fonte do IRS e introdução de novas regras de renegociação dos créditos com os bancos, para quem tem taxas de esforço de 40% ou mais.
Fonte: Idealista News / Portugal
Crédito da imagem: Ralph Orlowski / Jornal Expresso / Portugal