A Assembleia Municipal de Lisboa (AML) deu luz verde esta terça-feira à realização de um referendo popular sobre o fim do alojamento local (AL) em imóveis destinados à habitação na cidade.
A proposta foi aprovada com os votos a favor do BE, PAN, PEV, PS, Livre e dos deputados independentes do Cidadãos Por Lisboa Miguel Graça e Daniela Serralha. Já o Chega, IL, CDS-PP, PSD, o PPM e a deputada independente Margarida Penedo votaram contra. O PCP e o MPT abstiveram-se.
Em causa está a iniciativa do Movimento Referendo pela Habitação (MRH) que, para responder à atual crise da habitação na cidade, pretende avançar com a realização de uma consulta popular para travar a atividade do AL em prédios com uso habitacional.
O grupo de cidadãos entregou na AML, a 8 de novembro, cerca de 11 mil assinaturas, recolhidas durante o último ano e meio. Destas, são válidas 6600, que respeitam a eleitores recenseados na capital e que superam o número legalmente exigido (5 mil). As restantes correspondem a assinaturas de solidariedade com a ação.
“A nossa vontade é que ganhe o sim para que as casas da cidade sejam libertadas do peso do turismo e seja possível sonhar com um futuro em que os bairros sejam espaços habitados, onde, em vizinhança, se construam laços de solidariedade e de vivência em comunidade. Sabemos que a lei do AL mudou recentemente por decreto, mas essa mudança não tira poderes de regulação ao município, ao contrário do que o lobby do AL tem dito. A proposta está viva, válida e deve seguir em frente”, referiu esta tarde a porta-voz do MRH, Rosa Maria dos Santos, durante a reunião pública do executivo municipal.
Também a mandatária do movimento de cidadãos, Teresa Mamede, destacou que “não importa se se considera o AL bom ou mau, o que importa é a democracia”, disse, destacando a possibilidade de serem os cidadãos da cidade a decidir sobre a matéria.
Já em defesa do AL, o munícipe Ricardo Serrão sublinhou que esta categoria de alojamento de curta-duração tem sido “um bode expiatório, há mais de 10 anos, para todos os problemas relacionados com a habitação”.
O responsável, que falou no início da sessão municipal, criticou o facto de serem criadas zonas de contenção à atividade do AL mas, no entanto, ser permitida a construção de hotéis nestas áreas.
“Há milhares de imóveis do Estado que estão ao abandono e não são utilizados e ninguém parece fazer nada para agilizar. Queremos resolver a habitação ou atacar o AL?”, questionou diante dos deputados municipais.
O MRH propõe que sejam referendadas duas questões: “Concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local no sentido de a Câmara Municipal de Lisboa, no prazo de 180 dias, ordenar o cancelamento dos alojamentos locais registados em imóveis destinados a habitação?” e “Concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local para que deixem de ser permitidos alojamentos locais em imóveis destinados a habitação?”.
Após a entrega das assinaturas, a AML avançou com a criação de uma comissão liderada pelo deputado municipal do PS, Ricardo Marques, com o intuito de apreciar a iniciativa e endereçar aos serviços competentes da administração pública o pedido de verificação administrativa, por amostragem, da autenticidade das assinaturas e da identificação dos subscritores.
As duas questões serão agora enviadas ao Tribunal Constitucional (TC) que irá avaliar a conformidade constitucional e legal. Caso seja validado, o referendo terá de ser realizado num prazo de entre 40 a 60 dias. A avançar, será a primeira vez que este instrumento constitucional é utilizado no país por iniciativa popular.
Recorde-se que a Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), criticou recentemente, em declarações ao DN, a proposta do MRH apelidando-a de “farsa” e de “circo político”.
“É uma petição que, por coincidência, todos acreditam que atrasou dois anos para sair justamente perto das eleições autárquicas. Foi uma mera manobra estratégica”, apontou Eduardo Miranda.
O presidente da ALEP acusou os partidos políticos de se escudarem da ação para “perseguir” o AL e “ganhar alguma vantagem eleitoral”. “Há partidos sem soluções para a habitação e atacam o AL ”, lamentou.
Já o advogado especialista em direito imobiliário, Miguel Ramos Ascensão, defendeu que as perguntas propostas para este referendo podem colidir com a lei.
Dúvidas jurídicas justificam votos contra e abstenções
As dúvidas sobre a constitucionalidade das perguntas a integrar o referendo, a ser votado pelos lisboetas, foram também o principal motivo apresentado pelos deputados municipais para justificar os votos contra e as abstenções.
“As perguntas levadas ao TC são matérias excluídas do referendo local”, garantiu a deputada municipal do PSD, Ana Mateus, adiantando que “só uma alteração à lei poderá acolher a vontade dos mandatários mas não o referendo”.
As mesmas indagações foram partilhadas pelo CDS-PP que informou ter solicitado apoio jurídico na matéria, tendo recebido a indicação de que as perguntas não serão validadas pelo TC. Martim Borges de Freitas destacou ainda o “conflito entre o direito à habitação e à liberdade económica” como um dos fatores para o chumbo da proposta.
Também o Chega levantou o cartão vermelho à consulta popular. “É duvidoso que os municípios possam reduzir ou fazer cessar o AL fora das áreas de contenção. Acreditamos que o TC impedirá a realização deste referendo”, defendeu Nuno Pardal. O deputado municipal culpou ainda a “imigração descontrolada” de “ocupar e contribuir para o aumento do preços das rendas”.
Natacha Amaro, do PCP, acusou o AL de ser “uma das causas da falta de habitação a preços acessíveis”, mas referiu que a proposta de referendo “não apresenta segurança jurídica relativamente à competência regulamentar do município” motivo pelo qual o partido se absteve.
Do lado dos partidos que viabilizaram a proposta, a deputada municipal do Bloco de Esquerda, Isabel Pires, destacou o “momento inédito na democracia” e apontou o dedo às “consequências desastrosas da atividade económica do AL” que “expulsou moradores” das suas casas nos últimos anos incitando a “especulação dos preços da habitação”.
A deputada frisou que a decisão sobre o AL é uma “competência municipal” e lamentou que o “Governo de direita” esteja a retirar “as poucas limitações que existem à atividade”.
O socialista Ricardo Marques evidenciou os “ 6500 lisboetas que assinaram o manifesto e que têm direito à sua voz” sendo fundamental aprovar, disse, “este sinal tão positivo ao final de 50 anos de democracia”.
António Morgado Valente, do PAN, esclareceu que o partido “não é contra o AL”, mas admitiu, no entanto, que “há graves problemas em cidades como Lisboa e Porto”.
“A participação cidadã faz parte do ADN do Livre, que votou naturalmente a favor desta proposta. O Livre esteve na Comissão Eventual e teve oportunidade de avaliar esta iniciativa, uma iniciativa cidadã, que nunca foi experimentada em 50 anos de democracia e que tem por objecto um direito constitucionalmente protegido, o direito à habitação. Face à grave crise habitacional em Lisboa, o Livre só poderia votar a favor”, rematou a deputada do Livre, Ofélia Janeiro.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
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