A segunda rodada de reuniões ministeriais do G20, que acontece ao longo da semana no Rio de Janeiro, terá, pela primeira vez em quase dois anos e meio, um consenso para a aprovação de declarações dos grupos de trabalho do fórum de cooperação internacional.
O hiato foi marcado por divergências geopolíticas sobre os conflitos na Ucrânia e em Gaza. Até ontem foram aprovados com unanimidade dois documentos em que as nações se comprometem com o combate às desigualdades e o acesso universal à água, saneamento e higiene.
A jornalistas, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que é coordenador do grupo de Desenvolvimento, classificou os acordos como uma “vitória da diplomacia”.
“Como sabem, desde o início do conflito na Europa, em fevereiro de 2022, o G20 não conseguia aprovar documentos de nível ministerial, o que tolhia esse grupo da sua capacidade de impulsionar a agenda internacional”, lembrou.
Os compromissos aprovados foram: Não deixar ninguém para trás: Declaração Ministerial de Desenvolvimento do G20 para reduzir as desigualdades e Chamado à Ação do G20 sobre o Fortalecimento dos Serviços de Água Potável, Saneamento e Higiene.
“O primeiro documento, sobre desigualdades, merece destaque pelo reconhecimento da importância das políticas públicas de inclusão social e de enfrentamento a todo tipo de desigualdade. Não apenas por razões de justiça social, mas também pelo fato de que essas políticas públicas geram crescimento econômico sustentável”, disse Vieira.
Em discurso na abertura da sessão Combate às Desigualdades e Cooperação Trilateral, da Reunião Ministerial de Desenvolvimento, o ministro citou dados da Oxfam, que apontam que o 1% mais rico do mundo ficou com quase dois terços de toda a riqueza gerada desde 2020 e que os 10% mais ricos são responsáveis por metade das emissões de carbono no planeta.
“Em 2020, vimos um aumento da desigualdade global, pela primeira vez em décadas, com incremento de 0,7% do índice Gini global”, destacou.
O chanceler ainda citou os esforços do Brasil para “destravar o grupo” — formado pelas 19 maiores economias do planeta, mais União Europeia e União Africana.
“O G20 voltou a emitir duas decisões ministeriais plenamente consensuais. É uma vitória da diplomacia e da presidência brasileira, que dá a dimensão da importância de uma política externa equilibrada e com credibilidade junto a seus pares”.
Em comunicado, divulgado na véspera, a presidência brasileira no G20 reconheceu que há divergências entre os integrantes do fórum sobre questões geopolíticas e comprometeu-se a conduzir a discussão sobre as guerras nos próximos meses, em preparação para a Cúpula de Líderes no Rio de Janeiro, que acontece em novembro.
Contra a Fome
Vieira afirmou ainda que a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza será a principal reunião da semana, que, de acordo com ele, já conquistou amplo apoio entre os países-membros.
“Paralelamente à reunião, estou cumprindo intensa agenda de promoção de encontros bilaterais nos quais tenho ouvido de todos os ministros visitantes sólido apoio às prioridades brasileiras do G20, aos documentos por ora aprovados e sobretudo a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que será anunciada esta quarta-feira”, contou.
A iniciativa estabelece mecanismos para mobilizar recursos financeiros para apoiar as políticas públicas para o combate à desigualdade e à pobreza. O objetivo, de acordo com o Planalto, é “ampliar bases para o desenvolvimento e superação da fome a longo prazo”.
A expectativa é que a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza seja definitivamente lançada em novembro, na Cúpula de Líderes.
Taxação dos bilionários
Mais cedo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou a importância da agenda para o país. Para o chefe do Executivo, a pauta “coloca o Brasil no cenário internacional”.
“A fome e a pobreza são um fenômeno do comportamento humano, ou seja, dos dirigentes políticos. Então, a ideia de a gente criar essa coisa importante da aliança global contra a desigualdade e a fome é a razão principal, o tema principal do G20”, disse em entrevista concedida a jornalistas de agências internacionais.
Sobre a taxação dos “super-ricos”, proposta pela Trilha de Finanças do grupo, liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Lula afirmou que um consenso não será fácil, mas é “possível”.
“Não é difícil acabar com a fome, acabar com a miséria. É só a gente fazer com que as pessoas que têm acumulação de riqueza distribuam um pouco em forma de pagamento de imposto. E eu acho que é possível construir um consenso. Não estou dizendo que é fácil, estou dizendo que é possível construir um consenso em defesa da taxação dos mais ricos.”
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem defendendo a tributação dos bilionários no mundo desde o ano passado. Já conseguiu de algumas autoridades, como o presidente da França, Emmanuel Macron e ex-dirigentes de países que integram o G20, como a chilena Michelle Bachelet, o ex-primeiro-ministro da Suécia Stefan Löfven, a ex-primeira-ministra da Austrália Julia Gillard, o ex-primeiro-ministro da França, Dominique de Villepin, e o ex-presidente da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero.
Estimativas apontam que a implementação de um imposto mínimo de 2% da riqueza dos bilionários do mundo arrecadaria entre US$ 200 e US$ 250 bilhões anualmente.
Fonte: Correio Braziliense
Crédito da imagem: Alex Ferro / G20