E pela segunda vez “correu bem”. Desta feita com estádios cheios, Rúben Amorim conduziu o Sporting ao 20.º título nacional da sua história, e ainda está na luta por uma dobradinha que não é vista no clube leonino desde 2002 (dia 26 joga a final com o FC Porto).
Amorim sagrou-se assim duas vezes campeão pelo Sporting, um feito que nenhum outro treinador conseguiu em Alvalade nos últimos 72 anos – o último foi Randolph Galloway, na década de 1950. E ainda pode bater o recorde de pontos do clube – tem 84 e a melhor marca são os 86 de Jorge Jesus em 2015-16, quando ainda faltam duas jornadas para o final da I Liga e seis pontos em jogo.
Inspirados pela chegada de um avançado invulgar no futebol português, os leões arrancaram a Liga de forma sofrida, com vários triunfos pela margem mínima, mas rapidamente se mostraram o conjunto mais consistente, uma equipa onde o todo se mostrou superior à soma das partes e assim acabou por superar um Benfica, onde se verificou o processo inverso (e os últimos dérbis confirmaram essa ideia) mas que mesmo assim resistiu até muito perto do fim.
Para o sétimo título de campeão nacional em 50 anos, alcançado ontem graças à derrota do Benfica em Famalicão, foram vários os fatores que se uniram para uma conquista extraordinária.
Começando na direção presidida por Frederico Varandas, que soube renovar a confiança em Amorim depois de uma temporada passada que correu mal (quarto lugar na Liga, eliminação na Taça frente a um adversário do terceiro escalão, derrota na final da Taça da Liga) mas onde a coerência se manteve, tanto no comportamento como na ideia de jogo.
Continuando no trabalho do diretor desportivo Hugo Viana, que conseguiu negociar e convencer os reforços que chegaram a Alcochete -”consegue vender bem o nosso projeto”, diria Amorim -, essenciais para compensar partidas e lacunas do plantel; e passando pelo scouting, que indicou esses nomes essenciais para o triunfo final.
Claro que, para a história, ficará sobretudo o excelente trabalho de Rúben Amorim, que se tornou assim no quarto técnico a conquistar mais de um campeonato nacional pelos leões, depois do húngaro József Szabó (1941 e 1944), de Cândido de Oliveira (entre 1947 e 1949) e do inglês Randolph Galloway (tri, entre 1950 e 1953) e no mais jovem treinador português a sagrar-se bicampeão, aos 39 anos.
Isto apesar do “erro” da viagem a Londres antes da ida ao Dragão – mesmo com a consciência de que os sete pontos de vantagem na altura tinham deixado tudo encaminhado para o triunfo final.
O homem da máscara
Depois de uma temporada que não correu nada bem, toda a estrutura leonina parece ter aprendido com os erros. Desta feita, o plantel ficou definido a tempo do início da Liga – mesmo que Morten Hjulmand tenha chegado em cima da hora (foi apresentado um dia depois do primeiro jogo) -, sem surpresas de última hora, nem grandes mexidas em relação ao ano anterior.
O médio dinamarquês chegou para substituir o uruguaio Ugarte, vendido ao PSG por 60 milhões, mas obviamente a grande aposta foi mesmo num avançado capaz de fazer a diferença, algo que o jovem Chermiti nunca conseguiu – saindo mesmo assim a troco de 15 milhões para o Everton.
E foi de Inglaterra que chegou Viktor Gyökeres: sueco, 25 anos, figura do Coventry no Championship (onde registara 43 golos e 17 assistência em duas épocas e meia), contratado por 20 milhões de euros – tornando-se assim no reforço mais caro da história do clube.
O tempo provaria o acerto da aquisição (algo que ainda está por acontecer com o lateral Fresneda, o outro contratado no defeso – ainda chegariam o central Rafael Pontello e o médio Koba no mercado de inverno, ambos a pensar no futuro).
O dianteiro nórdico acabaria por ser a grande figura do campeonato e não só pelos golos, que festejou sempre imitando uma máscara com as mãos (cujo significado prometeu desvendar no final da época), e assistências que somou ao longo da época (vai em 41 remates certeiros, 27 na Liga, e 14 passes para golo, nove na prova principal).
Com ele, o Sporting ganhou uma nova dimensão física, que lhe permitiu explorar a profundidade, uma capacidade de massacrar as defesas adversárias de uma forma diferente daquela que proporcionavam os outros avançados – e até Paulinho acabou beneficiado, mesmo jogando menos vezes.
Apesar de não ser forte no jogo aéreo (só marcou duas vezes de cabeça, uma delas no Dragão), mostrou-se letal dentro da grande área e libertou espaço para os colegas surgirem soltos – foi um verdadeiro tanque na frente, só falhando uma partida do campeonato (receção ao Rio Ave, na sexta ronda, quando ficou os 90 minutos no banco até porque a equipa resolveu cedo o triunfo).
“Um avançado que, para além dos golos, e sabem que eu não ligo tanto aos golos, faz com que a equipa tenha capacidade de jogar mais baixa e ter um avançado que pode fazer jogada sozinho em transição… agora somos mais ameaçadores, com características diferentes, mais completos”, avisou logo o técnico na antevisão da partida inaugural, frente ao Vizela, na qual Gyökeres bisou em pouco mais de um minuto (embora fosse Paulinho a resgatar o triunfo na compensação).
E o Sporting desatou a marcar golos como há muito não se via (fê-lo em todas as partidas da competição), tornando-se de longe a equipa mais concretizadora da Liga (92 golos apontados, mais 21 que o Benfica e 32 que o FC Porto).
Fisico-química
Quase tão importante foi a chegada do outro nórdico. Hjulmand começou mais discreto, mas acabou por dar o equilíbrio a meio que a equipa necessitava – assim que foi entendendo as diferenças entre representar uma equipa do meio da tabela (Lecce) e uma que luta por títulos, como Amorim explicou -, jogando e complementando com Morita, Daniel Bragança (uma espécie de ‘reforço’ depois de um ano afastado por lesão) ou Pedro Gonçalves (alternou entre o bom e o menos bom tal como alternou posições mas mantendo sempre números de craque).
Se Gyökeres foi a física, o dinamarquês foi a química que ajudou a cimentar o campeão sob o comando de Seba Coates, que voltou a fazer uma excelente temporada apesar de uma pequena quebra a meio quando sofreu uma lesão.
Já Geny Catamo e Eduardo Quaresma, proveninentes da formação e que tinham estado emprestados, também acabaram por surpreender. O primeiro no lugar que estava destinado a Fatawu (cedido ao Leicester), como ala direito, permitindo mais nuances táticas à equipa e acabando por se revelar decisivo no dérbi com o Benfica em Alvalade;
O central, que parecia um caso perdido, mas que se impôs surpreendentemente com uma exibição categórica na receção ao FC Porto, quando a equipa perdeu Diomande para a CAN, mantendo o nível nas oportunidades seguintes.
O principal ponto fraco da equipa acabou por estar na baliza, onde Antonio Adán comprometeu em alguns jogos e raramente fez a diferença pela positiva; a sua oportuna lesão abriu espaço a Franco Israel, que sem a experiência do seu colega também custou alguns golos à equipa. Ainda assim, esteve melhor que o espanhol e aquela defesa a remate de Di María em Alvalade pode muito bem ter inclinado a balança para o lado sportinguista.
Uma casa tornada fortaleza
Mesmo começando com um bom registo, o Sporting só chegou à liderança da Liga à sexta jornada, numa altura em que cedera apenas um empate (em Braga). “Estamos atentos a isso [referindo-se aos oito pontos desperdiçados no arranque da época anterior]. Sabemos que o campeonato é muito difícil, as equipas perdem poucos pontos”, assinalou o técnico antes da primeira jornada, definindo logo aí um objetivo.
E a verdade é que, fora do confrontos com adversários do top 5 (Benfica, FC Porto, Sp. Braga e V. Guimarães), os leões só perderam dois pontos, em Vila do Conde, conseguindo um registo até agora imaculado em casa, dois fatores decisivos na conquista.
À 10.ª ronda, os leões dominavam a classificação, com mais três pontos que o Benfica, mas perderiam a liderança na Luz (ficando em igualdade pontual mas em desvantagem no confronto direto) num jogo em que só cederam na compensação, quando já jogavam com dez há bastante tempo.
“Obviamente que isto nos afeta, porque fomos a melhor equipa. Acabámos por não ganhar numa situação em que estávamos em vantagem. Custa, mas a época é muito longa”, admitiu o técnico no final.
Mas o primeiro lugar seria recuperado logo na jornada seguinte, graças ao empate dos encarnados em Moreira de Cónegos, e até final a equipa só voltaria a ceder o topo por uma jornada (a 23.ª) e de forma virtual (pois tinha o jogo de Famalicão, adiado devido a problemas com o policiamento, em atraso), na tal igualdade em Vila do Conde (3-3) – nesta caminhada aplicou uma série de goleadas (5-1 ao Estoril, 5-2 ao Vizela, 8-0 ao Casa Pia, 6-1 ao Boavista) mas foi afastada nas meias da Taça da Liga, o que levou Rúben Amorim a afirmar que “se não ganharmos títulos, alguém irá sofrer as consequências”.
O técnico seria obrigado a esclarecer que se referia a si próprio, garantindo que não continuaria em Alvalade caso a época terminasse em branco.
O Benfica, no entanto, seria trucidado no Dragão logo a seguir e o Sporting voltou ao topo, depois de bater o Farense por 3-2, o primeiro de oito triunfos consecutivos (um deles frente ao Benfica), que permitiram ao Sporting defrontar o FC Porto com sete pontos de avanço e só precisando de ganhar dois dos últimos quatro jogos.
O ponto na Invicta (empate a dois golos), da forma como foi arrancado (novamente graças a um bis de Gyökeres em pouco mais de um minuto louco), deixou quase tudo na mesma. A lógica vitória sobre o frágil Portimonense por 3-0 no sábado foi o passo seguinte, com a conquista a consumar-se este domingo, graças à derrota (2-0) do Benfica em Vila Nova de Famalicão, jogo que a comitiva do Sporting viu em Alvalade antes de rumar de autocarro para o Marquês de Pombal para se juntar à festa com os adeptos.
Resta agora saber se este ciclo tem continuidade. No dia em que apresentou Rúben Amorim como técnico, o terceiro mais caro da história, Frederico Varandas garantiu que “em poucos anos” ele seria “demasiado grande para o futebol português”.
Provavelmente para mal do Sporting, acertou em cheio. “Preparado para retribuir” os dez milhões que custou, o treinador pode agora “fazer as contas” que prometeu nesse dia: duas Ligas, duas Taças da Liga e uma Supertaça, ao que ainda pode juntar uma Taça de Portugal.
Mesmo não sendo “milagreiro”, mostrou ser técnico de boas contas e por isso vai “sempre desiludir alguém este ano” quando a época terminar. Seja o projeto leonino, os adeptos que desta feita nunca faltaram com o seu apoio à equipa, a família ou algum dos seus pretendentes.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Manuel de Almeida / Lusa
