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Ano letivo começa com milhares de alunos sem professor e centenas de aposentações

As escolas começam a abrir as portas aos alunos para o ano letivo 2023-2024, mas estes vão encontrar nos recintos escolares os mesmo problemas do ano anterior: cerca de 80 mil alunos não vão ter professor a uma ou mais disciplinas, com um elevado número de docentes a aposentar-se e com greves já convocadas a partir de dia 18.

Este mês reformam-se 386 professores e, em outubro, 340, num total de 726 nos dois primeiros meses do ano letivo — que se juntam aos 2207 aposentados entre janeiro e agosto –, o que levará a mais alguns milhares de alunos sem aulas.

No passado, estes docentes eram substituídos antes do dia em que efetivamente entravam na reforma. Porém, a regra atual só permite a sua substituição após a aposentação, o que, segundo os diretores escolares contactados pelo DN, dificulta o processo.

A substituição de professores por aposentação ou baixa médica é uma das maiores dificuldades que as escolas enfrentam nos últimos anos.

“O recorde de aposentações necessariamente poderá agravar essa dificuldade, pois já no início do ano algumas escolas abriram o processo concursal de escola, pois as listas nacionais estão já esgotadas, sem opositores, em diferentes grupos de recrutamento. A agravar esta situação, o futuro não promete grandes melhorias, pois o número de jovens que pretendem abraçar a carreira docente fica muito aquém do número de professores que se aposentam”, explica Filinto Lima, presidente da direção da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).

Paulo Guinote, de 55 anos, professor de História do 2.º ciclo, alerta que “o problema vem-se agravando, em especial desde 2018”. A solução, diz, pode passar por “atribuir remuneração completa a quem vem substituir quem tem horário completo, mas com redução da componente letiva por idade”.

“Outra seria a de, para os docentes que está prevista a situação de reforma durante o ano letivo, em especial logo nos primeiros meses, permitir a colocação de um substituto desde setembro, fazendo essa parte do ano em parceria, o que teria até bastantes vantagens para os recém-chegados”, refere.

André Pestana, coordenador do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (S.T.O.P), acredita que “será mais difícil substituir os professores que se reformam por outros professores com formação profissional/pedagógica semelhante, de forma a garantir condições de aprendizagem de excelência”.

“Sabemos que já no início deste ano letivo, muitos colegas que tinham redução da componente letiva devido à idade e ao desgaste inerente à profissão, estão a receber horários irregulares onde essa redução, na realidade, não é efetuada atribuindo-lhes direções de turma ou trabalho letivo a grupos de alunos. Tudo isto potencia ainda mais a exaustão destes professores, o que poderá aumentar as baixas e/ou os pedidos de reforma nos próximos tempos”, alerta.

O líder sindical acusa o Ministério da Educação (ME) de ter “uma gestão de recursos humanos totalmente irresponsável, com graves consequências para os alunos”.

“O que o ministro não quer que os encarregados de educação saibam é que cada vez há mais alunos a receberem aulas de profissionais sem a formação profissional/pedagógica necessária para se ser professor. É fundamental garantir o direito constitucional de equidade ao sucesso escolar e isso está a ser claramente questionado por este ME”, sublinha ao DN.

Falta de professores

Há, neste momento, na plataforma de Contratação de Escola do ME, 764 horários pedidos. A Contratação de Escola contempla os horários que não foram preenchidos por falta de candidatos nas Reservas de Recrutamento (RR) e os horários inferiores a 8 horas semanais. Davide Martins — professor e um dos colaboradores do blogue ArLindo (um dos mais lidos no setor da Educação) — explica ao DN de que forma se fazem as contas para obter o número de alunos afetados, tendo em conta os horários pedidos pelas escolas e o número de horas de cada horário (desde 22 a 1 hora semanal).

“Cada disciplina tem 3 horas em média e as turmas uma média de 20 alunos. Na plataforma estão disponíveis 11 700 horas, o que corresponde 3900 turmas, o que corresponde a 78 mil alunos afetados. São quase 80 mil neste momento, mas o número pode ser bem superior, pois não foram preenchidos 927 horários na RR2 e muitos ainda devem sair na plataforma no decorrer da semana”, esclarece.

Davide Martins não tem memória de “um ano como este com tantos horários nesta altura do ano”. “Já o ano passado houve um agravamento, mas este ano mais do que duplicou o número de horários pedidos”, conclui.

Arlindo Ferreira, diretor do Agrupamento de Escolas Cego do Maio, Póvoa de Varzim, e autor do blogue ArLindo também traça um quadro negro em relação à escassez de docentes, principalmente na zona Sul. “Nos últimos anos, nunca houve tanto horário a concurso. Vai ser mais difícil, muito mais difícil nas escolas do Sul e não consigo imaginar estar nessa situação e como deve ser gerir uma escola dessa forma”, afirma.

A novidade da Vinculação Dinâmica (VD), que permitiu a cerca de oito mil docentes passarem para o quadro do ME veio agravar a falta de professores em Lisboa e no Algarve. Contudo, no próximo ano, os docentes agora vinculados pela VD terão de concorrer a nível nacional, o que poderá colmatar a falta de professores a Sul.

“Este ano nota-se mais a falta de professores por causa da VD. As vagas abertas em excesso nos Quadros de Zona (QZP) de 1 a 5 e fez com que ficassem nesses QZP e reduziu-se o número de professores disponíveis no Sul. Era o que já se previa da VD. As vagas foram um engodo e agora faz com que haja professores por colocar quando entraram no quadro no Centro e no Norte e aumentou o número em falta nas zonas mais a Sul”, aclara.

Arlindo Ferreira não vê como se poderá resolver o problema a não ser partir para “a contratação de professores sem habilitação”.

Greves e manifestações

A contestação dos professores marcou o ano letivo passado e os sindicatos garantem que a contestação não vai parar. As organizações sindicais ASPL, Fenprof, FNE, Pró-Ordem, SEPLEU, Sinape, Sindep, SIPE e Spliu, já convocaram greves ao sobretrabalho, às horas extraordinárias e a todas as atividades integradas na componente não-letiva de estabelecimento a partir de hoje, primeiro dia do ano letivo.

As mesmas plataformas sindicais agendaram também uma greve nacional, para 6 de outubro, acrescidas de uma série de “iniciativas que depois serão reveladas” para assinalar o Dia do Professor, na primeira semana desse mês. Os primeiros pré-avisos para essas greves foram apresentados a 28 de agosto, ao primeiro-ministro e ao ministro da Educação.

Já o Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (S.T.O.P) entregou pré-avisos de greve nacional, entre os dias 18 e 22 de setembro, que culminam com uma manifestação em Lisboa (dia 22).

Filinto Lima antevê grandes dificuldades neste ano letivo. “Percebe-se que o intenso braço-de-ferro entre o Governo e os sindicatos de professores prolongou-se, não se perspetivando o seu fim, por forma ao regresso da paz e estabilidade às escolas públicas. As greves já agendadas, as diversas formas de luta programadas e anunciadas poderão ser constrangimentos para o arranque do ano letivo e para o seu normal decurso”, alerta.

Paulo Guinote acredita na continuação da revolta “porque resulta de um sentimento muito forte de injustiça de quem viu a sua carreira ser destroçada e o seu trabalho desprezado, assim como da parte dos que não viram concretizadas promessas que lhes foram feitas de uma redução da precariedade”.

“Se é verdade que podem existir tentativas de aproveitamentos políticos das reivindicações docentes (desconfio muito de apoios ocasionais e oportunistas), a realidade é a de uma rutura que parece insanável entre a generalidade da classe docente e a tutela, o que nem a crescente aposentação de muitos dos professores mais atingidos pelas medidas de amputação da sua carreira profissional, seja em remuneração imediata, seja na futura reforma [resolve]. Por isso, o ano tem tudo para ser agitado, imprevisível, o que poderia ter sido evitado sem nenhum descalabro das finanças públicas”, sustenta.

Recorde-se que a contestação dos professores se avolumou em dezembro de 2022, com a mudança no regime de concursos a servir de “gota de água”.

Multiplicaram-se greves, manifestações e protestos, aos quais o ME respondeu com serviços mínimos. O tempo de serviço congelado foi o tema mais quente na revolta, com os docentes a exigir a recuperação de 6 anos, 6 meses e 23 dias de serviço.

Depois de muitos meses de negociação entre a tutela e os sindicatos, o ME autorizou a recuperação de algum tempo, mas nem todos os docentes estão elegíveis para essa recuperação. A solução não agradou a sindicatos e professores e o tempo de serviço congelado continuará na base das greves e da contestação que se avizinha.

Apoio para professores deslocados

Contudo, segundo o S.T.O.P, há “mais problemas para resolver”. “São muitas as preocupações, porque infelizmente continuam a ser muitos os problemas na escola pública.

A título de exemplo, o excesso de trabalho/burocracia, a injustiça entre os docentes dos arquipélagos e os do continente (que se traduz nomeadamente numa diferença salarial entre 400 a 600 euros mensais) e também os salários de miséria, sobrecarga de trabalho e carreiras indignas (ou ausência de carreira) que afetam os Assistentes Operacionais (AO), Assistentes Técnicos (AT), Técnicos Superiores e Especializados”, sublinha André Pestana.

Neste contexto de “desvalorização”, o coordenador do S.T.O.P entende, ainda, que a falta de professores vai agravar-se, principalmente a Sul, passando a solução por “mudanças urgentes”. “Para começar a resolver esse grave problema que tem prejudicado profundamente muitos milhares de alunos nos últimos anos de imediato, todos os profissionais da Educação deslocados deveriam ter direito a um subsídio digno de alojamento e transporte”, avança.

André Pestana refere-se, ainda, a “quase 20 anos de intensos ataques, desconsiderações e roubos”, levando a que “quase ninguém queira ser docente e milhares de professores com formação pedagógica abandonassem a profissão (para profissões mais apelativas) ou pedissem a reforma antecipada”.

“Ou seja, para que milhares de alunos não continuem a ser prejudicados (como têm sido com estas políticas educativas) é fundamental tornar a profissão docente apelativa. E isso só será possível valorizando e dignificando os professores e também todos os outros profissionais da Educação, porque todos são essenciais para que as nossas crianças e jovens tenham o que precisam e merecem: uma escola pública de excelência (independentemente se são filhos de ricos ou de pobres)”, conclui.

Filinto Lima também pede apoios na estadia e deslocação dos professores “colocados em zonas onde o arrendamento de uma casa ou quarto é praticamente impossível, tendo em conta o magro salário dos docentes”. “A existência de incentivos faria com que os professores concorressem a essas regiões minimizando o problema”, afirma.

Calendário escolar não agrada

O ano letivo 2023-2014 arranca entre hoje e dia 15, e o 1.º período termina a 18 de dezembro. O 2.º período começa a 3 de janeiro de 2024, terminando a 22 de março, com a pausa da Páscoa. Pelo meio, entram ainda as férias de Carnaval, de 12 a 14 de fevereiro. É a organização do 3.º período que não agrada a docentes e diretores escolares.

O terceiro período – que começa a 8 de abril – apresenta ritmos diferentes, consoante o ciclo de ensino. Os alunos do 9.º, 11.º e 12.º ano terminam as aulas a 4 de junho. Os de 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 10.º ano, a 14. Já para o pré-escolar e o 1.º Ciclo, as férias de verão só se iniciam a 28 de junho.

“É semelhante ao do ano passado com o mesmo erro de prolongamento do pré-escolar e do 1.º ciclo até final de junho. Para crianças é prejudicial, pois a partir de uma determinada altura, já não estão com tranquilidade para mais aprendizagem. Acresce ainda que têm provas de aferição na reta final. Há trabalho excessivo, as aulas não rendem, o que atrapalha alunos e professores”, salienta Arlindo Ferreira.

Para o diretor do Agrupamento de Escolas Cego do Maio, “as aulas deviam terminar ao mesmo tempo do 2.º e 3.º ciclo, permitindo também uma melhor preparação das provas”. Filinto Lima pede “uma reflexão séria por parte da tutela, antecedida de um debate participado por todos, e corrigir o calendário escolar equiparando-o ao do 2.º e 3.º ciclos”. “Os alunos e professores ficariam a ganhar”, sublinha.

Fonte: Diário de Notícias / Portugal

Crédito da imagem: António Cotrim / LUSA