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André Ventura: “Não faço questão de ter um lugar em Governo nenhum”

Presidente do Chega mantém que os partidos de direita têm a responsabilidade de se entenderem para garantir uma alternativa ao PS. E, referindo-se quase sempre ao PSD em vez de à AD, diz suspeitar que Luís Montenegro “é tão parte deste sistema” quanto António Costa.

Como classificaria um político que pretende uma convergência pós-eleitoral com um partido que adjetiva de “prostituta política”?

Nos Açores, a AD teve mais votos do que o PS e do que o Chega, mas só pode fazer maioria com o Chega. E ouvi o líder do PSD-Açores apelar ao PS para viabilizar o seu Governo. É um partido que na Madeira se coliga com o PAN, anteriormente nos Açores esteve com o Chega, e agora pede o voto do PS.

O PSD-Madeira e PSD-Açores gozam supostamente de autonomia, como também gozarão o Chega-Madeira e Chega-Açores.

Só que o PAN da Madeira defende o mesmo ataque à agricultura que o nacional. É curioso que tenhamos um candidato do PSD por Santarém, que foi presidente da CAP e disse para não se votar no PS por causa do PAN. Temos um cenário de verdadeira prostituição política, em que os partidos fazem tudo para se manterem no poder.

O Chega também quer chegar a esses lugares.

Mas não quer vender a alma. 

Já disse ter a garantia de que haverá um Governo de direita se houver maioria de direita nestas legislativas. Quem lhe deu essa garantia de que “forças vivas do PSD nunca deixariam que o PS governasse” nessas condições? 

Tenho a garantia de forças vivas do PSD que conheço bem. 

São dirigentes do PSD?

Muita gente vai lutar para que isso não aconteça. Se acontecer, será por responsabilidade de Luís Montenegro e ele será responsabilizado por isso. Mas isso é com o PSD. 

Implicaria apear Montenegro?

Ninguém me falou de apear quem quer que seja. Falaram da garantia de construir uma alternativa. Mas olho com muita preocupação para o futuro de um partido de que fui militante e dirigente durante muito tempo. E hoje vejo-o a coligar-se com todos para se manter no poder, e com muita preocupação porque um partido começa assim e acontece-lhe como ao CDS. Rapidamente será comido pelo PS.  

Vê Luís Montenegro como um líder do PSD capaz de viabilizar um Governo do PS mesmo que haja uma maioria de deputados entre AD, Chega e Iniciativa Liberal?

É uma pergunta difícil.  

Acredita que pode acontecer? 

Quero acreditar que não, mas estou dividido, face ao que tenho ouvido. Se me perguntarem, ao dia de hoje, se Luís Montenegro poderá viabilizar um Governo do PS, diria que sim. Isto ainda pode mudar, e não vivemos de sondagens, mas a duas semanas e pouco das eleições sabemos que três partidos poderão constituir maiorias: o Chega, entre 16% e 21%, e o PS e o PSD, na casa dos vinte e tal por cento. As maiorias vão construir-se aqui, a menos que algum tenha um resultado surpreendente.

A opção do PSD é clara: ou um Governo à direita ou viabilizar o Governo do PS, sendo que neste momento acho-o mais inclinado para viabilizar o PS. Por essa razão é que Montenegro ainda não conseguiu clarificar se vai ou não viabilizar o Governo do PS se houver mais votos no PS e também me levantou suspeitas ouvir Nuno Melo dizer que se devia viabilizar o Governo do PS. Isto levanta suspeitas de que estão a preparar.  

Nuno Melo recuou depois…

Se houver uma maioria à direita, e quero deixar isto claro, mesmo que o PS vença, com mais um voto ou mais um deputado, vamos convocar todos os outros partidos para formar uma alternativa. Se os outros não quiserem, terão que assumir as consequências.

O país não pode ficar ingovernável. Imagine que existe maioria entre Chega, PSD e Iniciativa Liberal, mas um destes partidos recusa formá-la. Tem que se responsabilizar com alguma solução de Governo. Ninguém quer eleições de três em três ou de quatro em quatro meses. 

O Presidente da República falou na hipótese de haver miniciclos. Que leitura faz do papel dele?

Compreendo que esteja preocupado. Corremos o risco de entrar numa série de miniciclos políticos, mas a fragmentação é comum a quase todos os países da Europa. Há países com mais dificuldades, como a Holanda e a Bélgica, mas tem-se conseguido chegar a entendimentos.

Se os outros conseguem, porque é que não conseguimos? Tenho dado o exemplo de Itália, que tem partidos muito parecidos com os nossos. A Força Itália, os Irmãos de Itália e a Liga têm diferenças muito grandes, mas um objetivo em comum, que é formar Governo contra os socialistas, que lá são o Partido Democrata. 

A diferença é que os Irmãos de Itália e a Liga reduziram a Força Itália a um peso que o PSD não tem aqui.

Evidentemente, é um cenário diferente, mas a Liga sofreu uma queda eleitoral porque decidiu integrar um Governo que tinha forças de esquerda. Isto quer dizer que os partidos vão subindo e vão crescendo, mas tiveram capacidade de fazer compromissos.

O risco de o PS ganhar não é porque governou bem, mas porque uma parte do eleitorado menos político vê que à direita não há soluções enquanto o PSD – não estou a falar de Luís Montenegro em específico – não perceber que o Chega não vai desaparecer por magia e que os liberais também não. 

Com os liberais o PSD admite dialogar e até fazer uma coligação.

Dialogar com quem está com quatro ou cinco por cento é fácil. Com quem está com 20% é mais difícil, porque temos de ser responsáveis perante o nosso eleitorado e não podemos negociar da mesma forma. O outro partido tem que ter a humildade de perceber isso.

Será que não conseguimos chegar a um mínimo de convergência para formar um Governo? Se temos tudo na mão, mas vamos deixar o PS governar, não se admirem se nos penalizarem nas eleições seguintes. 

Em caso de impasse total, sem se chegar a uma solução de Governo, Marcelo deve promover um Governo de iniciativa presidencial ou partir imediatamente para novas eleições? 

A minha perspetiva, como jurista, é que os Governos de iniciativa presidencial ficaram sem espaço de legitimidade após as últimas revisões constitucionais. Ninguém compreenderá, pois o Presidente da República não é eleito para criar Governos.

Numa situação de impasse total o cenário até podia ser aceitável para a maioria dos portugueses, mas em termos de legitimidade política deixaria muito a desejar.

Marcelo Rebelo de Sousa tem sido muito claro a dizer que os partidos têm que se entender. Tenho sido muito crítico dele, mas foi o primeiro a garantir que não obstaculizaria uma solução que envolvesse o Chega. Dou-lhe esse crédito. Temos a responsabilidade de não deixar o PS a governar um país que está a ser ultrapassado por países do Leste.

Não somos a Itália, que pode estar sem Governo durante não sei quantos anos e a economia continua a crescer. Fui o primeiro, apesar de quase me revolver a alma e haver muitos militantes do Chega contra, a dizer que estamos disponíveis para uma convergência.

O outro partido por agora entende que não deve, mas se chegarmos ao momento de o Presidente da República nos perguntar se temos ou não temos solução, quem é que os portugueses vão culpar? Luís Montenegro e André Ventura. 

Diz que o eleitorado do Chega se revoltaria contra essa ideia. É um eleitorado de protesto apenas? 

É o eleitorado que viu na Madeira Luís Montenegro, que quando foi a Operação Influencer disse que o Governo caiu por dentro – andamos a dizer que é preciso uma limpeza há muito tempo e então parecia que estávamos num caminho conjunto -, dizer que mantinha a mesma confiança em Miguel Albuquerque.

Sejamos francos e honestos: a situação de Albuquerque é muito pior do que a de António Costa. Montenegro olhou para o lado e isso levanta-me a suspeita de que é tão parte deste sistema como António Costa. Mas qual é a outra solução para o Chega? É dizer que só governaremos em maioria absoluta? Sei que algum eleitorado gosta de ouvir isto, mas é irrealista.

Quando me deito posso sonhar com a maioria absoluta, mas não vai acontecer, pelo menos para já, e temos o dever de dar um Governo a Portugal. Se a direita se sente confortável e não dar Governo, eu não me sinto. Se não houver Governo por nossa culpa, se o PS governar, não nos podemos queixar, porque fomos nós que permitimos esta ingovernabilidade. 

Se não houver acordo admite negociar propostas caso a caso? Que linhas vermelhas traça?

No caso de o PS vencer, nós nunca viabilizámos um orçamento do PS e, portanto, a pergunta terá que ser posta ao PSD. Se perguntar se me vejo a viabilizar um Orçamento do Estado do PS, acho impossível.

Mas o Chega voltou no passado a favor de algumas propostas do PS. 

Não só do PS, como também do PCP e do Bloco. Ao contrário dos outros partidos, não voto por causa de quem faz a proposta. 
Viabilizaria um Orçamento do PS que aumentasse as pensões?
Nunca viabilizaria um Orçamento do Estado do PS, pois estão ali as escolhas políticas gerais.  

Voltando a um cenário de entendimento à direita, admite que haja contrapartidas da AD que não passem pelo poder executivo, como a eleição de um deputado do Chega para a presidência da Assembleia da República? 

É importante esclarecer isso…

…muito concretamente, gostaria de ver Diogo Pacheco de Amorim como segunda figura do Estado?

Era um bom presidente da Assembleia da República, mas outros nomes no Chega poderiam encabeçar a candidatura. A questão aqui não é participar no executivo. Nos Açores, aceitámos um acordo que não participámos no executivo, só que correu tudo mal.  

Hoje tenho muito pouca confiança nos executivos do PSD. Começámos a compreender que há reformas que só conseguimos se tivermos presença executiva. Honestamente, vejo difícil que haja um programa de Governo conjunto sem haver uma presença de Governo conjunto. 

Admitiu que a presença no Governo poderia não ser feita com militantes do Chega, e sim com independentes.  Já contactou alguns?

Levo as eleições muito a sério e só farei contactos depois do resultado eleitoral. Não quero partilhar nomes, pois não seria elegante, mas tenho alguns na cabeça. Estaríamos perfeitamente disponíveis para indicar pessoas em áreas fundamentais da governação, como a Saúde, a Administração Interna, a Agricultura e a Segurança Social, que poderiam nem estar ligadas ao Chega, mas que entendemos serem boas para o país. Isto também passa por quem ficar à frente.

É possível o Chega vencer, mas neste momento não é o mais provável porque estamos a duas semanas e pouco das eleições e há uma diferença de alguns pontos percentuais. Se a AD ficar à frente do Chega, cabe-lhe dizer se não quer nada com ninguém, vai avançar sozinha irresponsavelmente, e será responsável pela situação.   

O PSD atribuiu ao ex-líder do CDS, Paulo Portas, com menos votos do que as sondagens dão ao Chega, cargos como ministro de Estado e vice-primeiro-ministro, e as pastas dos Negócios Estrangeiros e da Defesa. Aceita menos do que isso para integrar um Governo? 

Não faço questão de ter lugar em Governo nenhum. Adoro ser deputado, adoro representar as pessoas no Parlamento. 
Tê-lo num Governo de direita não seria um sinal de estabilidade?
Talvez seja. Nunca disse isto, mas se tivermos que chegar a uma mesa de negociações há uma condição que não vai lá estar: André Ventura em qualquer lugar do Governo. Por isso, podem estar tranquilos.  

O primeiro programa eleitoral do Chega era muito mais liberalizante do que este. O que mudou? Foi um choque de realidade? 

É justo dizer-se que havia um cunho mais liberalizante. O Chega tem cinco anos e cresceu com a realidade, mas também com o património parlamentar.

Desde o minuto zero o Chega se apresenta no Parlamento como um partido de rutura, liberal na economia e conservador, mas com um cunho muito social, diferente de tudo o que a direita teve até agora. Por isso é que acabamos por convergir com a esquerda em matérias sociais.  

Ao contrário da AD e do PS, não se conhecem os autores do programa económico do Chega. Pegando na expressão do Rui Rio, quem é o Centeno de André Ventura? 

São vários os Centenos de André Ventura. Posso falar de Pedro Arroja, que é um economista conhecido e até escreveu um artigo sobre o aumento da pensão mínima a dizer que era perfeitamente possível com contas. 

O Chega propõe aumentar as pensões e atender às reivindicações de vários setores, dos professores, às forças de segurança, e reforçar os meios para o combate à corrupção. Estima-se que o custo total destas medidas esteja entre 10 e 20 mil milhões de euros. O combate à corrupção paga isto? 

Estimamos que o valor pudesse chegar a 11 mil milhões de euros em seis anos. Nos 20 mil milhões de euros estamos a falar da evolução de todo o cenário macro, nomeadamente do salário mínimo, mas teríamos que ver a 10 ou 15 anos. 

Admite que, se o Chega não conseguir governar ou influenciar a governação, corre o risco de acabar por se esvaziar?   

Nenhum dos partidos, mesmo os maiores, podem estar hoje seguros do seu resultado e do seu estatuto. Tenho dito isso a todos os que estão à minha volta: tanto vamos aos 21% como podemos passar para os 6%, ou até para menos. Nunca dou nada por garantido. Luto até ao último minuto, e quer tenha 21% ou 24%, 15%, 16% ou 10%, vou continuar a lutar no dia a seguir às eleições.

Talvez descanse um pouco, mas depois vão ver-me com a mesma energia e na mesma luta. Pode acontecer que o Chega não tenha o papel de charneira que acredito que vai ter, porque isso não depende dos resultados. Tal como pode acontecer que seja chamado a uma responsabilidade maior do que está à espera ou que outros se juntem para fazer um cordão ainda maior ao Chega. Estou preparado para todos os cenários.  

Suponho que considere o PCP e o Bloco de Esquerda tão extremistas e perigosos como muitas pessoas acreditam que o Chega é. Ficaria nervoso se esses partidos aparecessem com 20% nas sondagens?

O Chega quer reformas profundas na justiça e tem medidas fortes contra a corrupção, mas não quer sair da União Europeia, não quer sair do euro, não quer sair da NATO. 

Fonte: Diário de Notícias / Portugal

Crédito da imagem: Tiago Petinga / Getty Images