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Alcoutim. A “terra com pouca gente” ainda pede uma ponte que a ligue a Espanha

Pouco passa das 15.00. A chuva parece estar a chegar, mas ainda não passou de uma ameaça. Há um som que percorre o centro de Alcoutim: o som do silêncio. Na praça central da vila algarvia existem cafés e restaurantes; repartições bancárias e até uma loja de eletrodomésticos. Uma oferta que, à primeira vista, não corresponde àquilo que se vê: uma pequena localidade com (muito) poucas pessoas.

A esta hora, até já os serviços da câmara municipal estão encerrados; há pouca gente nas ruas e, no restaurante onde almoçámos uma fritada de carnes (“um prato típico da região”, como conta o gerente), são os turistas que ocupam as mesas ali ao lado. À noite, o quadro não era melhor: além do sítio onde almoçámos, havia um restaurante aberto, com a sala vazia, que se foi enchendo aos poucos, mas nunca na totalidade.

Em época baixa, o impacto é maior, mas o despovoamento que assola Alcoutim é cada vez mais uma realidade. Desde a década de 1960, o concelho – um dos maiores do Algarve, com quase 600 km quadrados de área – perdeu cerca de 30% da população.

Segundo os dados dos últimos Censos, de 2021residiam no município 2523 pessoas; em 1960 os moradores eram mais do triplo: 9288. Desde então, tem sido sempre a perder habitantes. E, nesta altura do ano, o choque dessa realidade é maior, com a vila a estar praticamente deserta numa tarde do início de fevereiro.

Atualmente, Alcoutim é a quarta sede de concelho de Portugal Continental com menos população, superada apenas pelos municípios alentejanos de Mourão (2351 habitantes), Alvito (2280) e Barrancos (1438).

Na zona de Alcoutim, é frequente ver inúmeras referências à memória dos contrabandistas que por ali habitaram
Na zona de Alcoutim, é frequente ver inúmeras referências à memória dos
contrabandistas que por ali habitaram. Este mural em Guerreiros do Rio é um exemplo.

Depois de um primeiro contacto com a realidade da vila raiana, decidimos conhecer um pouco mais do concelho. Seguimos estrada fora, sempre junto ao Guadiana. Antes de nos decidirmos a voltar para trás por estar a começar a anoitecer, passamos por duas pequenas aldeias: Laranjeiras e, depois, Guerreiros do Rio. Além das (inúmeras) referências à memória dos contrabandistas que por ali habitaram noutros tempos, hoje o cenário é outro. Tirando um ou dois idosos por quem passámos, pouca gente se vê por ali também.

Ao DN, fonte da autarquia alcouteneja confirma que “tem sido sempre assim”. Como caracteriza essa fonte: “Somos uma terra com pouca gente, que vive sobretudo do turismo de natureza e sénior.” Atualmente, há um número considerável de habitantes – estrangeiros, sobretudo – que habitam em pleno leito do Guadiana, dentro de pequenos veleiros ou outras embarcações.

O concelho de Alcoutim, no interior algarvio, é um dos maiores daquela região.
O concelho de Alcoutim, no interior algarvio, é um dos maiores daquela região.
© Infografia DN

Do centro da vila, pelo meio das casas, vemos o que está para lá do rio: Sanlúcar de Guadiana, a pequena localidade espanhola que está ali tão perto e ao mesmo tempo tão longe. De barco (e sem carro), são apenas alguns minutos.

Mas o cenário muda se se quiser atravessar com algum veículo. Faltando ali uma ponte a unir as duas localidades, o caminho mais próximo entre Alcoutim e Sanlúcar é de mais de 70 quilómetros, havendo duas alternativas: ou se vai a Vila Real de Santo António (a cerca de 40 quilómetros) e se sobe até Sanlúcar; ou então é necessário ir a Mértola e cruzar a fronteira em Pomarão. 

Nem por isso as relações entre as duas localidades são prejudicadas, como conta a população de Alcoutim. Rafael, operador turístico responsável pela travessia de barco no Guadiana, explica que “faz-se muitas vezes a viagem” entre os dois lados, sobretudo porque “há um funcionário da câmara que mora em Sanlúcar e usa o táxi”.

Em conversa com o DN, tanto a vereadora Rosa Palma (que tem, entre outros, o pelouro da Cultura) e o presidente Osvaldo Gonçalves confirmaram que, apesar do impedimento físico de ter ali um rio a separar as localidades, “há muita colaboração”, sobretudo ao nível cultural. Há, até, no final de março, o Festival do Contrabando, altura em que as duas administrações locais colocam uma ponte flutuante no Guadiana e atravessam a pé.E a ponte, tão desejada há vários anos? “Estamos a trabalhar em conjunto”, disse o autarca, “para que se torne uma realidade”. O objetivo é que em 2025 já esteja finalizada, podendo assim as populações beneficiar da construção. Este é, aliás, um dos projetos inscritos no PRR.

O posto de combustível a 6 km e a terra sem gente

Já na manhã do segundo – e último – dia em Alcoutim, a realidade era ligeiramente diferente: havia mais gente a circular na vila, sobretudo trabalhadores municipais. A autarquia é, aliás, o empregador de uma grande parte da população alcouteneja que está em idade ativa, que, segundo os Censos, representa 46,2% de quem ali vive.

Célia, feirante que monta a sua banca perto do centro de Alcoutim, conta ao DN que, apesar do concelho ter sido sempre pouco povoado, a situação agravou-se nos últimos anos. 

“A juventude vai-se toda embora e isso nota-se. Quem chega à escola secundária, ou vai para Vila Real [de Santo António] ou então tem de ir para Mértola. Depois, os velhos morrem, e quem é que os substitui?”, lamenta.

Num concelho assim, como lhe correm as vendas? “Vende-se pouco. Aliado à falta de pessoas, há também a ameaça das grandes superfícies. Eu vendo aqui e em Martim Longo e é difícil.”

Durante os dois dias em que por ali contactámos com a realidade, algo que saltava à vista era a falta de serviços: combustível, por exemplo? O posto mais próximo fica a seis quilómetros de Alcoutim, algo que percebemos quando fomos a Martim Longo. Como é a vida ali? Ainda mais parada, com a população a ser ainda mais idosa do que em Alcoutim.

Segundo fonte da autarquia, a realidade chega a ser mais drástica, havendo já algumas aldeias do concelho sem qualquer habitante, algo que, assume toda a gente com que “é uma tristeza e uma preocupação pelo futuro” do concelho algarvio.

Fonte: Diário de Notícias / Portugal

Crédito das imagens: Leonardo Negrão / Global Imagens