Navegar à bolina: “Navegar ora numa, ora noutra direção, obliquamente em relação à linha do vento, de forma a que o deslocamento da embarcação coincida com o rumo pretendido”, explica o site Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.
É, justamente, neste processo que se encontra a economia portuguesa, agora que está de partida, rumo a 2024, ano povoado de incertezas, de fraturas na globalização, que complicam a procura externa, as exportações e até o precioso investimento estrangeiro.
No ano que entra, começa-se a sentir a real e plena dimensão do embate “vigoroso” da subida das taxas de juro, com economias a vacilar, alguns países a capitularem com recessões (caso da importante Alemanha), níveis de confiança a cair, produção industrial a recuar.
Nesta metáfora, o navio (a economia tripulada por famílias, empresas e setor público), se não vai de vento em popa, terá de ir, como referido, à bolina, usando contrariedades a seu favor até chegar a 2025. Uma tese dominante, perfilhada desde as mais altas instâncias europeias, aos decisores nacionais, como o Governo, as empresas, a banca, o Banco de Portugal.
A inflação está a descer devagarinho, mas continua demasiado elevada para os cânones do Banco Central Europeu (BCE), o que significa que as taxas de juro, que subiram de rompante desde julho de 2022, podem ter de ficar em níveis historicamente elevados por mais algum tempo.
Mesmo que as taxas desçam em meados de 2024, como já se admite, não é de esperar um alívio completo e imediato, isto é, a reversão total do aperto histórico decidido em Frankfurt não vai acontecer.
Christine Lagarde, a presidente do BCE, deixou bem claro, na última conferência de imprensa sobre taxas de juro de 2023, que “não podemos, de forma alguma, baixar a guarda” em relação à inflação e, para mais, “não discutimos, de todo, descida de taxas” num futuro próximo.
A era dos juros muito baixos (quase zero), como a que vigorou durante seis anos até rebentar a guerra contra a Ucrânia, é definitivamente passado e, daqui em diante, apenas pode ser uma miragem.
“Assegurada a convergência para a estabilidade de preços, a política monetária deverá traçar um caminho previsível de redução das taxas de juro, mas longe dos tempos de taxas de juro de zero ou mesmo negativas”, clarificou Mário Centeno, num artigo de opinião sobre a “encruzilhada” em que se encontra a economia.
Até este final de 2023, Portugal parece ter resistido às crises. Primeiro, a pandemia, da qual ainda hoje se notam as cicatrizes, mas que foi sarada com recurso a abundantes fundos públicos europeus e nacionais, beneficiando de uma pausa nas regras draconianas do Pacto de Estabilidade para os défices e as dívidas públicas, que acaba este ano.
Em 2024, volta o pacto, que impõe défices baixos e excedentes e exige uma dívida pública de 60% do Produto Interno Bruto (PIB) ou menos. Em 2025 ou 2026 entra o seu sucessor, revisto e aumentado.
O Governo (o ainda ministro das Finanças, Fernando Medina) garante que as contas estão “certas” e que o país está preparado para passar nos sucessivos testes da disciplina e rigor orçamentais promovidos pela União Europeia.
Depois do excedente histórico, que segundo o Banco de Portugal, pode mesmo ficar acima de 1% do PIB em 2023, o saldo positivo deve manter-se em 2024, embora mais discreto (0,1% ou 0,2%).
A dívida continua muito elevada, mas em queda acentuada e já quase nos 100%. Portanto, observam avaliadores internacionais, como as agências de rating, a crise das Finanças Públicas parece ter-se dissipado, mas só assim continuará se o Governo continuar a aplicar fortes travões na despesa e a maximizar a coleta de impostos, como tem feito até aqui.
Depois, veio uma segunda crise: o choque brutal nos preços da energia e das matérias-primas (como os alimentos) que trouxe uma inflação nunca vista nos últimos 20 anos, desde que existe a Zona Euro. A inflação começou a retroceder, mas os danos causados são grandes e continuam a propagar-se 2024 a dentro.
A retoma da economia: uma sequela
Claro que este outlook é feito a partir de um ponto onde, olhando à volta, se percebe que alguma coisa mudou na economia. O emprego está em máximos de sempre, mas sem grande margem para crescer daqui em diante, as exportações, à exceção do portentoso turismo, estão periclitantes, porque os principais parceiros comerciais de Portugal, como a Alemanha ou mesmo a gigante China, experimentam dificuldades que até hoje desconheciam.
Ambas estão a aterrar e a procura dirigida a Portugal, uma pequena economia aberta que em muito depende da força e do ânimo dos clientes e investidores externos, já se ressente pela negativa.
Dentro de portas, Portugal lidará em 2024 com mais debates sobre como dar o salto para um modo mais tecnológico e “sustentável e verde”, sobre como desatar o nó apertado do grave problema da habitação e do custo de vida elevado.
Também sobre como rejuvenescer uma população em envelhecimento acelerado, sobre como é possível que, com tantos anos decorridos desde a troika e do programa de austeridade, com tanto emprego criado, de crescimento – tirando o colapso extraordinário da pandemia (-8,3%), a economia cresceu, em média, 3,9% em termos reais entre 2016 e 2022, contas do DN/Dinheiro Vivo.
Para memória futura, foi um tempo de lucros invejáveis de grandes empresas e empregadores, com contas públicas equilibradas (menção honrosa concedida por Bruxelas, o FMI, e as agências de rating) e de dívida muito alta para os padrões do Pacto de Estabilidade, é certo, mas a cair a olhos vistos, com aumentos significativos do salário mínimo.
Com um contingente crescente de jovens diplomados e qualificados, como Mário Centeno, o governador do Banco de Portugal, tem sublinhado vezes sem conta.
Como é possível, questionava-se, a pobreza e as desigualdades estarem a subir, o investimento público e privado continuarem tão fracos, o desemprego ter começado a aumentar (os inscritos nos centros de emprego do IEFP estão a subir há cinco meses consecutivos), como é possível que tantos salários não cheguem para pagar a prestação da casa ao banco;
Como é possível, havendo tanta procura, haver uma falta quase escandalosa de oferta de habitação a preços comportáveis, como se entende o país permanecer relativamente pobre no conjunto da Zona Euro, o clube de elite ao qual orgulhosamente pertence? Como é que a produtividade continua baixa e daqui não sai?
Espera-se que 2024 traga respostas. Às quais outras se juntam, e não menos relevantes: o plano económico e orçamental pensado pelo Governo PS e patrocinado pelo Presidente da República (PR), Marcelo Rebelo de Sousa, pode continuar incólume após as eleições de 10 de março? Se o mercado de trabalho está no seu máximo potencial, há tempo para criar condições para haver mais e novo emprego?
É certo que os fundos europeus, sobretudo o PRR – Plano de Recuperação e Resiliência (de execução mais urgente, um envelope extra de 22 mil milhões de euros, em cima dos restantes fundos ditos normais e clássicos) vão ser prontamente executados e em projetos de valor e produtivos?
Sobre isto, António Costa, ainda primeiro-ministro, mas cada vez mais leve sob o manto do cargo que irá deixar dentro de dois meses, replica as urgências e os avisos antigos do PR sobre os dinheiros europeus: “O país sabe uma coisa: gostem ou não gostem, o PRR está contratualizado entre Portugal e a União Europeia, e estamos obrigados a cumpri-lo ate 31 de dezembro de 2026.”
Recentemente, Mário Centeno lançou um novo mote para reacender o debate sobre os gostos de política económica que se colocam em 2024 e depois, recorrendo a outra metáfora chamou-lhe “encruzilhada”, como referido.
“Encontramo-nos perante uma encruzilhada, num dos melhores momentos da economia portuguesa, em resultado da transformação das suas instituições – legais, sociais e culturais -, que determinou a acumulação dos fatores estruturais de crescimento e sustentabilidade: capital humano, capital físico e conhecimento tecnológico”, diz o governador, que, como referido, destaca o número histórico de pessoas licenciadas e muito qualificadas, sobretudo jovens, que hoje o país tem ao seu dispor para produzir mais e melhor. Mas será que dá?
Produtividade, um problema
Vânia Duarte, do gabinete de estudos BPI Research, tem uma equação mais complexa. Segundo a economista, “Portugal continua a destacar-se de forma negativa entre os congéneres europeus no nível de produtividade”.
Recordando que em 2019 a economia “ocupava a nona pior posição no conjunto dos países da UE, com cada pessoa empregada a produzir o equivalente a 26.500 euros, substancialmente abaixo do registado, por exemplo, por Espanha (43.400 euros) ou Estónia (que, em 2010, tinha um nível de produtividade 18% inferior ao de Portugal e que, em 2019, se encontrava 23% acima, com cada trabalhador a produzir o equivalente a 32.700 euros)”.
“Apesar de não deixar de ser relevante o aumento verificado nestes dez anos (a produtividade em Portugal aumentou ligeiramente acima de 10%, o que implica um aumento médio anual em torno de 1%), também não é displicente mencionar que este foi o quarto pior desempenho entre os países da União Europeia.”
“Em Portugal, a melhoria da produtividade total da economia entre 2010 e 2019 ocorreu tanto pela subida da produtividade em praticamente todos os setores económicos, como pela alteração da estrutura do emprego, ainda que a melhoria da produtividade setorial explique a maior proporção”, acrescenta, no estudo agora publicado.
Em resumo, “Portugal enfrenta desafios significativos em relação à produtividade, revelando falta de capacidade de geração de valor e uma disparidade notável quando comparado com outros países europeus”.
E aqui destaca-se “a necessidade premente de estratégias e investimentos direcionados para impulsionar o desempenho económico do país e a melhoria do nível de vida da população”.
“É urgente uma mudança: se, nos próximos dez anos, a produtividade nos vários países europeus evoluir ao mesmo ritmo do verificado entre 2010 e 2019, Portugal cairia para a segunda pior posição, apenas à frente da Grécia”, conclui a economista.
O que dizem as empresas
Segundo a AEP – Associação Empresarial de Portugal, a maioria das empresas inquiridas no âmbito de um estudo feito pela AEP, que abrangeu cerca de mil organizações, “prevê manter, em 2024, o mesmo volume de negócios deste ano, apesar de temer que a instabilidade política nacional, a conjuntura internacional e a quebra do consumo possam influenciar negativamente a atividade”.
O presidente da AEP, Luís Miguel Ribeiro, refere que as empresas “estão na expectativa” sobre o que 2024 pode trazer. Dizem que “as taxas de juro, a elevada carga fiscal e a dificuldade em contratar trabalhadores qualificados estão entre as preocupações do tecido empresarial”.
Mas, “apesar de todas estas dúvidas, a maioria das empresas (59%) acredita que conseguirá, pelo menos, manter um volume de negócios idêntico ao deste ano, enquanto 30% calcula que haverá uma melhoria. Apenas 11% estima uma redução”.
Visto de fora
Visto de fora, centrando a avaliação no crédito da República, a mensagem parece ser de maior tranquilidade. “Temos sinais de que a tendência de crescimento de Portugal é mais forte do que a Moody”s atualmente espera, o que será positivo em termos de avaliação da qualidade de crédito [rating]”, nota Heiko Peters, analista principal da agência de rating Moody”s.
“Se o crescimento económico for mais alto, apoiado por uma execução mais eficaz dos projetos de investimento e de reformas macroeconómicas associadas ao PRR”, “as perspetivas de uma redução mais significativa e rápida do peso da dívida também contribuem para uma subida da notação”.
Em novembro, a Moody”s subiu o rating (qualidade da dívida) para um nível melhor do que o de Espanha, pela primeira vez na história deste tipo de avaliações. No entanto, Heiko Peters admite a incerteza de a redução da dívida poder ser um fogacho.
“Uma redução do peso da dívida menos rápida do que a que atualmente esperamos seriam negativas para o crédito. Esta situação poderá manifestar-se quer através de um crescimento económico significativamente mais baixo, quer através de uma política orçamental menos prudente”. “Esta última poderia ser impulsionada por reivindicações sociais de um aumento das despesas”, acrescenta o analista.
Além disso, “um período alargado de incerteza política poderá ter um impacto negativo no crescimento e prejudicar significativamente a implementação dos investimentos e das reformas do PRR, resultando em indicadores orçamentais e de dívida mais fracos”, avalia a Moody”s.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Orlando Almeida/Global Imagens