A mudança do mecanismo do mínimo de existência do IRS, o patamar até ao qual os rendimentos do trabalho estão livres do imposto, pode dar um ganho anual, em 2023, de 425 euros, e um máximo de 500 euros, no ano seguinte, segundo a proposta do Orçamento do Estado (OE) para 2023. Vencimentos brutos mensais entre o salário mínimo – que no próximo ano sobe para 760 euros – e os mil euros serão os maiores beneficiários. Ou seja, a medida deverá abranger cerca de três milhões de trabalhadores, segundo as estatísticas da Autoridade Tributária.
“A reforma do mínimo de existência é a medida mais emblemática deste Orçamento que se reflete num ganho importante para quem se encontra nas imediações do salário mínimo”, disse ontem o ministro das Finanças, Fernando Medina, durante a apresentação da proposta do Orçamento do Estado para 2023. O governo demorou dois anos e meio a fechar esta medida, apurou o Dinheiro Vivo, dada a sua complexidade.
Então como vai funcionar o mínimo de existência a partir de 2023? Até agora, este patamar era aplicado depois das taxas do IRS para garantir que, no mínimo, o trabalhador teria, no momento da liquidação anual do imposto, o valor idêntico ao salário mínimo ou mínimo de existência: 9870 euros (705 euros x 14 meses) este ano e 10 640 euros (760 euros x 14 meses) em 2023. O problema é que vencimentos pouco acima da remuneração mínima e até mil euros acabavam por ser duramente penalizados.
Nos exemplos apresentados pelo governo, um vencimento de 10.555 euros em 2022, ou de 753,9 euros mensais, ao liquidar o IRS em 2023 ficaria apenas com o mínimo de existência referente a este ano: 9870 euros. Para eliminar esta distorção fiscal, o executivo decidiu aplicar o mínimo de existência a montante, antes do imposto. Ou seja, trata-se de um abate ou de uma nova dedução que se junta à dedução específica de 4104 euros e que permite reduzir o rendimento coletável sujeito a IRS, traduzindo-se em ganhos de rendimento no final que podem chegar aos 425 euros anuais.
“Em 2023, o benefício por titular será, em média, 195 euros por ano, atingindo cerca de 425 euros para os titulares atualmente mais afetados”, isto é, com rendimentos brutos entre 11.220 euros anuais ou 801 euros mensais e 13 mil euros anuais ou 928 euros por mês, segundo o documento. “Já em 2024, o benefício médio por titular aumentará para cerca de 230 euros por ano e o benefício máximo para cerca de 500 euros por ano”, segundo a proposta do Orçamento. A reforma só estará completa daqui por dois anos. Nessa altura, por exemplo, o benefício anual pode atingir os 490 euros para rendimentos brutos anuais de 11 456 euros ou 818 euros mensais.
Por esta via, o governo tenta compensar os trabalhadores já que a atualização dos escalões será de 5,1%, muito abaixo da inflação prevista pelo executivo para este ano, de 7,4%. Ainda assim, a proposta dá mais um alívio fiscal ao baixar em dois pontos a taxa marginal do segundo escalão do IRS de 23% para 21%. E, como consequência, a taxa média nos restantes escalões também baixa.
Analisando as simulações feitas pela EY para o Dinheiro Vivo, as alterações na tabela de IRS, excluindo o impacto da reforma do mínimo de existência, podem, no mínimo, levar a variações de mais 0,66% no rendimento líquido anual das famílias. Por exemplo, um solteiro sem filhos, com um rendimento bruto mensal de mil euros, que não tenha sido aumentado, terá, no próximo ano, um incremento anual do seu rendimento de 79,19 euros (0,73%). Um casal com dois filhos, com um vencimento de 2500 euros por mês, terá um aumento anual de 464,99 euros, mais 0,99% face a 2022. No caso de uma família monoparental, com um filho, com um salário de 1500 euros mensais, o ganho será de 141,65 euros, um aumento de 0,9%.
As tabelas de retenção na fonte também serão alteradas, criando-se uma taxa intermédia, de modo a aplicar uma tributação mais baixa sobre o montante do incremento salarial. O ministro das Finanças, Fernando Medina, revelou que “em breve, o governo vai publicar as novas tabelas”. Contudo, só entraram em vigor em julho de 2023 e não terão efeitos retroativos.
Prestações sociais aumentam
O Indexante dos Apoios Sociais (IAS) que serve de referência para várias prestações sociais como o subsídio de desemprego, abono de família ou rendimento social de inserção vai subir 35,5 euros para 478,7 euros, um crescimento de 8%, acima da inflação prevista pelo governo, de 7,4%. Trata-se do maior salto deste indicador desde que foi criado em 2006.
À boleia deste aumento, o valor mínimo do subsídio de desemprego vai subir 41 euros para 550,68 euros e o máximo cresce 88,75 euros para 1196,75 euros. Os escalões de rendimento para apurar o valor do abono de família também mexem com o aumento do IAS. Assim, o primeiro escalão passa a abranger rendimentos até 3350, 9 euros anuais, uma subida de 248,5 euros, o teto do segundo escalão aumenta 497 euros para 6701,8 euros brutos anuais. Isto significa que estes níveis relativos a famílias mais carenciadas vão passar a abarcar mais agregados familiares, beneficiando de um valor anual mais elevado do abono que vai de 149,85 euros até 41 euros.
“Este indexante é o valor de referência para o cálculo e determinação de diversos apoios sociais, tais como o abono de família, a prestação social para a inclusão, o rendimento social de inserção”, ou o subsídio de desemprego, “podendo impactar a vida de 1,6 milhões de beneficiários. Com a atualização de 8%, acima da inflação prevista, garante-se maior proteção social aos que mais precisam”, segundo o relatório do Orçamento do Estado.
Esta evolução do IAS também influencia a atualização das pensões, uma vez que sobe os patamares dos níveis de aumentos. Assim, haverá mais pensionistas, no próximo ano, a receber a atualização mais alta, de 4,53%. Até aqui este patamar abrangia prestações até 886 euros e agora sobe para 957,4 euros. A proposta do OE confirma o corte nos aumentos dos pensionistas que, em vez de seguirem a fórmula e aumentarem as reformas entre 8% e 7,1% vão aplicar uma atualização entre 4,43% e 3,53%.
O ministro das Finanças, Fernando Medina, admitiu, contudo, correções a estes aumentos, com subida dos valores em 2023, caso a inflação deste ano fique acima de 7,4%, o valor previsto. “Haverá naturalmente a correção relativamente a esse aumento, caso a inflação que conta, a inflação média sem habitação, supere em novembro as estimativas do governo”, disse Fernando Medina. “Acrescento, porém, que a acontecer essa retificação terá um efeito muito reduzido”.
O corte para metade na atualização das pensões, que levará a perdas futuras para os pensionistas, tendo em conta que a base de cálculo a parir de 2024 passa a ser inferior, é uma contrapartida pelo bónus de mais meia pensão que os reformados recebem este mês, no âmbito das medidas de apoio ao rendimento para mitigar os impactos negativos da inflação.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Gerardo Santos / Global Imagens