No rescaldo dos acontecimentos de terça-feira, quando o país foi acordado com notícias de que a Procuradoria-Geral da República (PGR) estaria a investigar factos relacionados com as concessões de exploração de lítio nas minas do Romano (Montalegre) e do Barroso (Boticas), além de um projeto não identificado para uma central de produção de energia a partir de hidrogénio, em Sines – que teria sido apresentado por um consórcio que se candidatou ao estatuto de Projetos Importantes de Interesse Comum Europeu (IPCEI) -, importa esclarecer qual é, afinal, o verdadeiro valor que lítio e hidrogénio podem representar para Portugal.
Na perspetiva do professor João Joanaz de Melo, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (Nova FCT), o investimento em massa no hidrogénio não é “prioritário” e a exploração de lítio tem tido “voluntarismo exagerado” nas concessões a empresas, nomeadamente de origem estrangeira.
Além das investigações a decorrer à volta dos projetos de hidrogénio e lítio, em Sines, procuram-se ainda esclarecimentos relativamente à construção, iniciada no ano passado, de um centro de dados da responsabilidade da sociedade Start Campus. Com investimento previsto de 3,5 mil milhões de euros e criação de 1200 postos de trabalho diretos, o empreendimento deverá começar a operar em 2024.
No caminho para a transição energética, o lítio tem sido um dos principais protagonistas. Só nos casos concretos das minas do Romano e do Barroso, dois projetos aprovados este ano e agora sob escrutínio da PGR, estariam envolvidos montantes na ordem dos 910 milhões de euros, pelo menos.
A empresa Lusorecursos, que detém a concessão da mina do Romano, prevê um investimento inicial de 650 milhões de euros, enquanto no empreendimento do Barroso, a empresa britânica Savannah fala num investimento superior a 260 milhões só para infraestruturas e construção da mina a céu aberto, conforme noticiou o Jornal de Negócios em setembro.
No que diz respeito às estimativas de retorno, as receitas podem ir aos 500 milhões de euros por ano em Montalegre e a cerca de 300 milhões anuais em Boticas, ambas no distrito de Vila Real.
No caso específico do lítio, já é conhecida e está comprovada a sua utilidade para componentes eletrónicos, designadamente para as baterias, onde tem sido aplicado em grande escala. “Primeiro, importa saber o que temos”, diz João Joanaz de Melo, sublinhando que só depois se deve, então, decidir sobre a concessão ou não dos direitos de exploração.
Ainda assim, e embora o lítio seja a matéria-prima mais procurada para a atual geração de baterias, nada diz que em alguns anos não possa “vir a perder importância” face a novas soluções que venham a surgir no futuro.
Prevendo esta possibilidade, assevera que o lítio será, de facto, útil e pode contribuir para o desenvolvimento do país e para uma Europa com menos dependência externa, mas descarta a necessidade de deixar o país “todo esburacado. Explorar lítio em Portugal sim, mas na escala apropriada”.
Hidrogénio é pouco “maduro”
A aposta governamental no hidrogénio verde também tem sido forte, nomeadamente através da atribuição de verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Em declarações ao DN/DV, o especialista em Engenharia Ambiental reconheceu que os projetos ligados ao hidrogénio têm “valor”, mas considera que os processos de reconversão não estão ainda “maduros” o suficiente, pelo menos não para que se justifique o investimento de “grandes volumes de dinheiro público”.
Pesando prioridades, é da opinião de que os montantes aplicados pelo governo se deviam direcionar, por exemplo, para garantir a eficiência energética em todos os setores.
“O investimento em hidrogénio deveria servir para ganhar conhecimento, aplicado em projetos piloto, não em projetos megalómanos”, assevera. Embora tenha a certeza que de o hidrogénio faz parte do leque de ferramentas futuras, não se trata de uma “varinha mágica” – o risco é “muito grande”, quando se investe “grandes quantidades de dinheiros públicos” em soluções que são “piloto”, ainda não plenamente maduras quando comparadas com outras alternativas.
Adicionalmente, o docente da Nova FCT alerta para o excessivo uso da palavra “verde” associada à produção de hidrogénio. “É fácil pintar tudo de verde”, critica, referindo que não existe “nenhuma forma” de produção em massa isenta de impactos ambientais. Se o hidrogénio é, ou não, verde, dependerá “da forma como é produzido, onde e com que custos”.
De recordar que, atualmente, há dois grandes projetos de hidrogénio verde em Sines: o GalpH2Park, cujo investimento final de 250 milhões de euros foi anunciado no final de setembro pela empresa; e o GreenH2Atlantic, onde Galp e EDP trabalham em conjunto, juntando-se também com outras empresas, que prevê um investimento total na ordem dos 150 milhões de euros, dos quais 30 milhões de euros provêm de fundos comunitários – em 2021, o GreenH2Atlantic foi selecionado para receber financiamento do Fundo de Inovação da União Europeia.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Rui Manuel Ferreira / Global Imagens