Hora e meia sob um sol tórrido, mas também muito silêncio, apenas interrompido pelo Coro JMJ, dirigido pela maestrina Joana Carneiro, pelas Leituras do dia, lidas em espanhol, inglês e português, ou pelas palavras do Papa Francisco ou do Cardeal Patriarca D. Manuel Clemente.
No final, o som das palmas começou a chegar ao palco-altar, vindo do lado de lá do Trancão, onde terminava a sombra humana de mais de 1,5 milhões de peregrinos, até à explosão de um “Vivó Papa” e do grito que marcou esta Jornada Mundial da Juventude 2023, em Lisboa: “Esta é a Juventude do Papa”.
E mal Francisco deixou o altar, seguiram-se abraços, risos, choros, selfies até à hora de voltar a colocar a mochila às costas e começar a caminhar de regresso a casa, muitos com a mesma pergunta na boca: E agora?
“Agora, é assimilar tudo o que vivemos e praticar, porque não foi em vão que andámos a gritar: ‘Esta é a juventude do Papa'”, diz Rita, de 22 anos, da paróquia do Viso, em Viseu, um grupo de 27 jovens, que se diz muito ativo na forma de viver a Fé, e que teve a sorte de ficar no setor A, mesmo em frente ao palco.
Ali chegaram sábado, pouco depois de as portas do Parque Tejo abrirem, viveram o entardecer, conheceram jovens de outros continentes e de outras regiões do seu próprio país, trocaram memórias, ofertas e até “sonhos”.
“Dormimos pouco, mas acordámos com música e vimos o sol nascer e a vigília foi muito especial”, diz Margarida, de 17 anos, quanto ao “E agora?”, diz: “Nem sei. Foi tudo tão marcante que ainda não estou em mim, é um misto de emoção, nervosismo e cansaço também”. Rita continua: “Tudo o que o Papa nos diz é muito inspirador, só quem tenta seguir as palavras dele é que percebe o que significa o que andámos a gritar: ‘Esta é a juventude do Papa'”.
Para Tiago, de 21 anos, também da paróquia do Viso, foram as primeiras jornadas, onde “cada momento parecia ser mais importante que o outro. E a homilia desta Missa do Envio foi perfeita”. Acredita mesmo que esta JMJ 2023 o irá tornar “uma pessoa diferente”.
Ou melhor, “espero que torne todos os que aqui estiveram pessoas diferentes e que todos tenham descoberto a Fé”. Para ele ficam várias palavras e frases, como “”todos”, “todos somos diferentes”, “todos temos espaço na Igreja” e “não tenham medo”. Este final foi perfeito para mim”.
Alguns jovens que assumiram ao DN terem estado nesta jornada porque “Francisco é o Papa”, acreditam mesmo que ele veio a Lisboa para “reafirmar ao mundo a Igreja que quer”, argumentam.
Nestes cinco dias, o Papa Francisco dirigiu e repetiu várias palavras aos Jovens. Logo no primeiro dia, deixou-lhes uma mensagem: “Ponham-se a caminho”, “apressadamente”, mas não “ansiosamente”. “Sejam inconformistas”, “ousados” e “empreendedores de sonhos”.
Depois prosseguiu com mensagens dirigidas às ameaças da realidade virtual, uma realidade maquilhada, dizia, que os pode afastar do que “está à volta” e dos que sofrem. Falou-lhes da “caridade”, mas a que é praticada com “amor concreto”, porque só esta “é fundamental”, da inclusão, dizendo-lhes que “o único momento em que é lícito olhar alguém de cima para baixo é para o ajudar a levantar”.
Falou das fraquezas, das quedas até ao chão, lembrando-lhes que o problema não é “ir ao chão, o problema é permanecer no chão”. Pediu-lhes ainda que “sujem as mãos”, para “não sujarem às vezes o coração”.
Na Universidade Católica, onde esteve na quinta-feira, pediu aos estudantes que sejam uma “Geração de Mestres”, que cuidem da “Casa que é de todos”, lembrando uma das suas preocupações, as agressões ao ambiente.
No Parque Eduardo VII lançou a mensagem que os jovens mais retiveram: “Na Igreja há espaço para todos, todos, todos”, repetindo na Vigília que na “Na Igreja não há portas”. Na homilia de ontem, deixou novas palavras e expressões: “Escutai-O, porque só ele ilumina o caminho do amor”, “não tenhais medo, não tenhais medo”, “sigam em frente”.
Por fim, “obrigado”, “um obrigado a todos que organizaram a JMJ”, um obrigado “a Lisboa, que vai ficar na memória destes jovens como a casa da fraternidade e a cidade dos sonhos”, “um obrigado ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que nos acompanhou nos eventos destes dias, às instituições nacionais e locais pelo apoio e assistência que nos têm dado, aos bispos, sacerdotes, pessoas consagradas e leigos”.
Um obrigado a João Paulo II que pensou e concretizou este projeto que é a Jornada Mundial da Juventude, e ainda um obrigado aos avós de todos e aos pais das novas gerações e a quem lhes passou a Fé.
A meio da homilia, lançou um “quero dizer-vos uma coisa”, “não nos tornamos luminosos quando nos colocamos sob os holofotes, quando exibimos uma imagem perfeita e nos sentimos fortes e bem-sucedidos”.
“Resplandecemos quando, acolhendo Jesus, aprendemos a amar como Ele, porque esta é a verdadeira beleza que resplandece: uma vida que arrisca por amor”, explicando que, e como “escreveu um filósofo, a beleza da mensagem revolucionária de Cristo consiste em “encontrar amável mesmo o objeto não amável”.
Ou seja, “amar o próximo como é: não apenas quando está em sintonia connosco, mas também quando nos é antipático e apresenta aspetos de que não gostamos. Com a luz de Jesus, isto é possível! Vós, jovens, podeis amar assim e derrubar certos muros, certos preconceitos, levando ao mundo a luz do amor que salva”.
E aqui introduziu um novo verbo: Ouvir. “Precisamos de O ouvir, para acreditar que somos amados e acompanhados por um amor que nunca falha. E lembremo-nos disto: pôr-se à escuta do Senhor, permanecendo abertos às suas surpresas, torna-nos pessoas capazes também de nos escutarmos uns aos outros, de escutar a realidade que nos rodeia, as outras culturas, a voz sofredora dos pobres e dos mais frágeis, o grito da Terra ferida e maltratada”.
Francisco falou também na guerra na Ucrânia, pedindo aos jovens, ao longo destes dias que sejam “interventivos”, que “sejam protagonistas da mudança” e ontem rematou com a frase “sonhem com a Paz e vivam a Paz”.
Por fim, disse, “queridos jovens, gostaria de poder fixar nos olhos a cada um de vós e dizer: não tenhais medo! a vós, jovens, que quereis mudar o mundo e lutais pela justiça e a paz; a vós, jovens, que investis o melhor do vosso esforço e imaginação ficando porém com a sensação de que não bastam; a vós, jovens, de quem a Igreja e o mundo têm necessidade como a terra da chuva; a vós, jovens, que sois o presente e o futuro… precisamente a vós, jovens, é que Jesus diz: “Não tenhais medo””.
Foram três anos de preparação e de organização para cinco dias 16.ª edição da JMJ 2023. Francisco, de 86 anos, chegou debilitado, andou de cadeira de rodas, mas não deixou de ir onde queria ir, não deixou de dizer o que queria dizer, viveu dias de programa intenso, aproximou-se de quem o quis ver, viveu banhos de multidão, abençoou-o crianças e doentes, recebeu vítimas de abusos sexuais da igreja e pediu perdão, pela Igreja que desilude, a Igreja dos “maus comportamentos” e dos “escândalos”.
Ao longo dos dias, enganou o cansaço, promovendo a resistência, como que a dar o exemplo. A tal ponto que o cardeal patriarca, D. Manuel Clemente, disse-lhe, no Parque Tejo, que era “o verdadeiro jovem”. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que acompanhou o Papa durante estes dias, agradeceu a Francisco e a todos os portugueses, mesmo aos não crentes, “todos foram excecionais”.
No balanço final, fica a imagem de “um país acolhedor”, mas mais do que isso, de uma igreja que se quer “humilde” e não triunfal, por ter conseguido reunir mais de 1,5 milhões de pessoas, uma igreja fraterna e justa. Francisco partiu do aeroporto de Figo Maduro pelas 18:45 com destino a Roma, antes dirigiu-se ao Passeio Marítimo de Algés para agradecer o trabalho e o empenhamento dos voluntários que puseram de pé esta JMJ 2023, deixando-lhes uma última mensagem: “Sigam a onda”, fazendo alusão às ondas gigantes da Nazaré.
O Papa disse mesmo aos voluntários que eles foram os construtores de “uma onda humana”, com “a generosidade de Deus”, que eles foram “os surfistas do amor e da caridade”. Nestes dias “experimentámos Jesus, mas também foi um sim aos outros. Obrigado”. E, mais uma vez, “Não tenham medo, dilatem o coração”.
Os voluntários agradeceram-lhe. Um jovem, Francisco, de 24 anos, deu o seu testemunho, assumindo que era “de coração cheio que hoje estou aqui. Para alguns dos meus colegas foi a organização de mais uma jornada, para mim foi o meu primeiro trabalho a sério, uma grande experiência que me levou a olhar para mim mais aprofundadamente. Aqui conheci pessoas de todo o mundo, que hoje posso chamar amigos”. Saído da faculdade este ano para o mercado de trabalho, este Francisco diz que se vai lembrar sempre do que aqui viveu.
O cardeal patriarca também fez agradecimentos, ao bispo e voluntário número 1 desta JMJ, D. Américo Aguiar, depois aos voluntários, dizendo-lhes que conseguiram reunir em Lisboa a juventude mundial e que isso é “a profecia de um mundo que pode acontecer”.
A marca final foi deixada pelos voluntários que prestam serviços na área da Saúde, uma menina, com síndrome de Down entrega uma pulseira a Francisco, abraça-o e emociona-o. Agora, segue-se a vez da Coreia do Sul, em 2027, mais quatro anos. Durante este tempo, e já em outubro, a Igreja terá a Assembleia Sinodal, será tempo de ouvir as bases para caminhar para o futuro.
Os números da JMJ
1,5 milhões de pessoas
A esmagadora maioria peregrinos, de 180 países do mundo, 25 mil voluntários e cinco línguas oficiais.
1 milhão de hóstias
No Parque Tejo foram distribuídas um milhão de hóstias, estiveram presentes 700 bispos e 10 000 sacerdotes de todo o mundo.
1,2 milhões de pessoas fiscalizadas nas Fronteiras
A 200 foi recusada a entrada no noso país. 68.440 foram controladas, desde 22 de julho, nas fronteiras terrestres e 89.526 passageiros nas fronteiras marítimas. Nos aeroportos foram controladas 1.125.518 pessoas.
1275 peregrinos tiveram de receber assistência
Segundo a Proteção Civil e o INEM, 1275 peregrinos tiveram de ser assistidos, no sábado, no Parque Tejo, mais 427 do que na sexta-feira. 94 foram transportados ao hospital.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Reinaldo Rodrigues / Global Imagens