A seleção nacional empatou esta terça-feira (0-0) frente aos EUA, sendo eliminada do Mundial. Em Auckland, a equipa de Francisco Neto fez uma das suas melhores exibições de sempre, nivelando a partida contra a atual bicampeã mundial, mas o impensável ficou à distância de um remate ao poste de Ana Capeta.
Havia uma nuvem de incerteza no ar. Pairava a dúvida, a tensão, a possibilidade de uma das maiores surpresas da história dos Mundiais, tanto femininos como masculinos.
Já em tempo de descontos, a bola chegou a Ana Capeta. Naquele instante, os corações portuguesas pararam, o próprio tempo terá pausado no Eden Park. O remate pareceu demorar uma eternidade a chegar à baliza. Tranck. Poste.
Durante um encontro inteiro, não era fácil distinguir quem eram as bicampeãs mundiais, as rainhas do soccer, e quais eram as estreantes, vindas de um país que nem tem uma liga totalmente profissional.
Sim, havia o mediatismo e a qualidade individual de um lado, mas do outro apresentou-se personalidade, organização, crença, capacidade para estar mais de 90 minutos a nivelar um desafio disputado no Evereste da dificuldade.
A super favorita frente a uma adversária que, quando os EUA venceram o primeiro Mundial, em 1991, nem sequer tinha uma seleção nacional a competir.
Esse aroma quase a escândalo intensificou-se naquele minuto de Ana Capeta, a bola, o poste.
Portugal continuou a atacar até ao fim, as rainhas do soccer acabaram a perder tempo, minimizando-se perante as adversárias que se agingantavam.
O 0-0 termina a participação de estreia no torneio, ficando a faltar um golo para seguir em frente, para conseguir o que parecia impensável. Fica a frustração, o choro das jogadoras, mas também a sensação de que esta participação terá de marcar um antes e um depois para o futebol no feminino no nosso país.
Quem faz isto perante as melhores, perante um conjunto de elite, com anos e anos de financiamento e apoio estruturado ao mais alto nível, merece outro apoio estrutural, um reforço de uma aposta que na última década materializou muitos dos sonhos das jogadoras portuguesas.
Francisco Neto pediu a melhor versão de Portugal e, num templo do rugby como Eden Park, a seleção nacional mostrou rapidamente que responderia ao repto do seu treinador.
Depois das sete mudanças no onze do primeiro para o segundo encontro, o técnico baralhou e voltou a dar, fazendo regressar seis jogadoras ao onze — todas as que saíram menos Fátima Pinto, lesionada —, mas mudando a estrutura: desta feita, não houve três centrais, mas o regresso do 4-4-2 losango.
Os primeiros minutos trouxeram alguns sustos para Inês Pereira, quase sempre através de Alex Morgan, mas essas tentativas foram a exceção num primeiro tempo em que a equipa nacional mostrou, provavelmente, o seu melhor futebol de sempre. Jéssica, mais encostada à direita do que o normal, estava solta e leve, entusiasmando o público com toques de letra e túneis.
Mas, num relvado cheio de estrelas do soccer, foi uma craque da bola quem mais brilhou em boa parte do duelo. Kika Nazareth levitou pelo relvado de Eden Park, com receções de classe, fintas de corpo, imaginando rotas e desenhando possibilidades. Aos 16’, a melhor oportunidade do primeiro tempo surgiu quando a criativa lançou Jéssica Silva que, isolada, atirou ao lado.
Aos 23’, uma estatística surgiu nos ecrãs gigantes do estádio. Portugal tinha 94 passes completos, face a 55 das bicampeãs, que só tinham 42% de posse de bola.
Depois da central Naomi Girma falhar um passe, Vlatko Andonovski abriu os braços em protesto com a sua equipa. Nas bancadas, os milhares de adeptos norte-americanos, esmagadora maioria dos 42.958 espetadores, não escondiam a frustração.
Aos 39’, nova receção entre-linhas de Kika levou a criativa a atirar por cima. Em cima do descanso, Lynn Williams testou a atenção de Inês Pereira, mas o intervalo chegou com a sensação de uma equipa portuguesa a atuar a um nível altíssimo, demonstrando conforto e segurança contra uma potência do futebol.
No recomeço, a melhor chance para os EUA não demorou a surgir. Alex Morgan surgiu isolada, contornou Inês Pereira, mas Diana Gomes evitou o golo.
Havia a sensação de um duelo no fio da navalha: Portugal erguia-se até ao mais alto das suas capacidades, mas faltava algo de capacidade para criar a oportunidade clara que abrisse o caminho para o 1-0; os Estados Unidos sofriam, mas com tanta qualidade individual um golo pode estar sempre ao virar da esquina.
Os bancos entraram, depois, em ação. Para surpresa geral, Kika saiu — talvez ainda diminuída fisicamente depois da lesão que sofreu no amigável em Inglaterra — por Andreia Jacinto.
Do outro lado, entrou Rapinoe, gerando um nível de entusiasmo e de barulho no estádio que demonstra como a avançada é um símbolo, um ícone, mais do que uma das melhores jogadoras da sua geração.
Neto foi reforçando a aposta ofensiva, com Telma ou Capeta. Carole gerou incómodo na área rival, Morgan voltou a testar a atenção de Inês Pereira.
Até que chegou o momento dos descontos. Os olhos do mundo estiveram em Capeta, naquela situação, naquele poste que salvou as todas poderosas dos Estados Unidos, ali à mercê de Portugal.
Faltou um golo para o inimaginável. Mas o melhor para Portugal é, paradoxalmente, a metáfora dos centímetros que faltara ao remate de Capeta: aquela pareceu ser a distância para as melhores, tão grande em sentimentos, tão curta em nível competitivo.
Acabou a grande viagem no outro lado do mundo, mas a jornada para o futebol no feminino em Portugal tem de estar somente a começar a elevar-se a outra dimensão.
Fonte: Jornal Expresso / Portugal
Crédito da imagem: Hernani Pereira