Se dúvidas havia, então acabaram: António Costa e maioria PS frequentam um país; as oposições frequentam outro. No meio está um deputado, Rui Tavares, do Livre que António Costa vê agora como o único exemplo no Parlamento de uma “oposição distinta” e “responsável”.
O debate parlamentar do Estado da Nação, esta quinta-feira, revelou um oceano de diferenças irreconciliáveis entre os dois lados da barricada.
O primeiro-ministro (PM) abriu o debate justamente a fazer oposição à Oposição, dizendo que aqui só há “uma prioridade: o combate ao Governo e às soluções que apresenta”. E até admitiu que “nem sempre conseguimos”, “às vezes erramos” – só que sem “nunca desistir de encontrar soluções”.
“Portugal não foi este ano o país que as oposições previam, que empenhadamente anunciavam que ia ser e que – sejamos claros! – alguns anseiam desde 2015 que finalmente um dia seja.”
Assim, “Portugal não estagnou, Portugal não entrou em recessão, Portugal não regressou à estagflação” e, pelo contrário, “teve no primeiro trimestre o terceiro maior crescimento da União Europeia e as previsões de crescimento para este ano já variam entre 2,4 e 2,7%”.
E “o emprego está em máximos históricos, com 4,9 milhões de pessoas empregadas; e a inflação tem vindo a descer de 10,1%, em outubro, para 3,4%, em junho”.
Recado ao Presidente
Ou seja, “Portugal não foi este ano o país que as oposições previam, que empenhadamente anunciavam que ia ser e que – sejamos claros! – alguns anseiam desde 2015 que finalmente um dia seja”. E as oposições “nada propõem e tudo criticam”, falhando sempre as suas previsões.
Exemplo: “Ao longo do ano disseram que o mecanismo ibérico da eletricidade iria aumentar os preços, que a reabertura do mercado regulado do gás era irrelevante, que era ilusória a descida dos impostos sobre os combustíveis”, sendo que “a realidade é que com o conjunto das medidas adotadas pelo Governo o preço dos produtos energéticos teve em junho uma diminuição homóloga de 18,8%”, estando também comprovado pela ASAE que “o preço dos 46 produtos abrangidos pela redução do IVA baixou já 10%”.
“Continuaremos a governar a pensar nas pessoas, atentos aos problemas e focados em construir soluções, como fizemos ao longo deste ano parlamentar, para a proteção do rendimento das famílias portuguesas”, prometendo, deixando pelo meio um recado ao Presidente da República:
“A estabilidade política foi a opção dos portugueses há pouco mais de um ano. E é essa opção pela estabilidade que garante a continuidade da ação transformadora, o cumprimento dos compromissos com os portugueses, a execução de reformas essenciais à modernização do país e a melhoria de qualidade de vida dos portugueses.”
Porque – acrescentou – “para nós, Portugal só está melhor se os portugueses estiverem melhor”. E “se os portugueses pagam hoje menos dois mil milhões de euros de IRS; se os aumentos salariais vão além do negociado em concertação social, se as prestações sociais e pensões subiram acima da inflação; se a inflação já está a baixar, sobretudo nos preços da energia e em muitos bens alimentares; então podemos dizer que os portugueses estão melhor, que o país está a melhorar”.
“Se com José Sócrates os portugueses conheceram a bancarrota socialista, com António Costa os portugueses sofrem o empobrecimento socialista.”
O que veio a seguir à intervenção inicial do PM foi radicalmente antagónico.
Joaquim Miranda Sarmento, líder parlamentar do PSD, desafiou Costa a sair do “estado de negação” em que se encontra.
“Se com José Sócrates os portugueses conheceram a bancarrota socialista, com António Costa os portugueses sofrem o empobrecimento socialista”, começou por dizer. E depois apontou como exemplos a duplicação das prestações dos portugueses com os créditos à habitação, a “queda dos salários reais em 4% em 2022” ou o facto de metade dos pensionistas não conseguirem comprar todos os medicamentos de que precisam.
Pelo meio, fez um repto a Costa que este deixou sem qualquer resposta, a propósito das investigações judiciais às contas do PSD no tempo de Rui Rio: “O PSD não pactua com a impunidade, mas não vacila na defesa dos princípios do estado de Direito. O que aconteceu na semana passada foi muito grave, uma inversão daquilo que devem ser os papéis entre a justiça e a política. Várias pessoas, de vários quadrantes políticos, já se colocaram na primeira linha nesse combate, falta uma pessoa, que é Vexa, sr. primeiro-ministro.”
Miranda Sarmento acusou ainda o Governo de cobrar cada vez mais impostos, mas sem correspondência nos serviços públicos, que considerou estarem “em colapso”. “O senhor faz um truque, com as duas mãos tira aos portugueses em impostos e com uma mão, uma mão cerrada socialista, devolve um poucochinho”, disse, lamentando ainda os “casos, demissões e trapalhadas” do último ano.
Defendeu, a concluir, que o seu partido já é alternativa ao Governo e que, ao contrário do que disse o primeiro-ministro no seu discurso inicial, “não pode dizer que o PSD não apresenta medidas”, elencando várias em áreas como habitação, saúde ou impostos. “Podem discordar de tudo mas não podem negar que o PSD tem feito contributos importantes para a vida dos portugueses e desenvolvimento económico do país”.
“Mais desigualdades, injustiças, exploração, ataque aos direitos laborais e sindicais, degradação dos serviços públicos, baixo nível de investimento público, fragilização do aparelho produtivo, novas privatizações: esta é a realidade que o Governo, por mais que tente, não consegue esconder.”
A seguir, André Ventura, do Chega, interveio no estilo que o caracteriza. Primeiro disse que os sucessivos casos internos no Governo são sintomáticos de “degradação do espaço público”. E depois concluiu afirmando que Costa “quer fazer deste país a maior casa de alterne da Europa”.
A tirada da casa de alterne mereceu-lhe uma repreensão do presidente da Assembleia da República (“uma frase absolutamente excessiva num Parlamento”) e de Costa a resposta óbvia: o que o líder do Chega disse representa em si mesmo a “ilustração da degradação” que Ventura disse censurar.
Não deixou, no entanto, ao mesmo tempo, de brincar com o líder do Chega por este estar sempre a pedir demissões de ministros. Fê-lo falando das demissões (“com muita pena minha”) de Marta Temido (Saúde) e Pedro Nuno Santos (Infraestruturas) – supostos proto candidatos à sua sucessão na liderança do PS – dizendo que já reparou que agora, tendo deixado o Governo, eles “estão muito mais populares”.
Rui Rocha, da IL, também se referiu às crises internas no Governo acusando o PM de estar a “falhar como garante da estabilidade” e ainda “no combate à corrupção”. “Isto não são casos e casinhos senhor primeiro-ministro, como gosta de dizer, isto quando muito são casos e cravinhos porque o ministro Cravinho também deve explicações ao país de tudo aquilo que se passa na defesa e, portanto, estes casos e cravinhos não são estabilidade”, disse.
À esquerda, Pedro Filipe Soares, líder parlamentar bloquista, irritou Costa quando disse que “é uma mentira o que o senhor primeiro-ministro nos veio cá dizer hoje” sobre o facto de termos hoje uma economia mais qualificada. “Ao longo do último ano, 105 mil empregos de pessoas licenciadas foram destruídos”, acusou.
“Se não houvesse problemas para resolver, olhe, ia fazer outra coisa na vida.”
O PCP, por sua vez, falou, através da sua líder parlamentar, Paula Santos, do “caminho de empobrecimento geral da população” marcado por “intoleráveis contrastes” que está a ser percorrido.
“Mais desigualdades, injustiças, exploração, ataque aos direitos laborais e sindicais, degradação dos serviços públicos, baixo nível de investimento público, fragilização do aparelho produtivo, novas privatizações: esta é a realidade que o Governo, por mais que tente, não consegue esconder”, afirmou.
Portugal – disse – vive “intoleráveis contrastes”, com diferenças entre os “lucros escandalosos dos grupos económicos e a realidade do dia-a-dia de milhões de cidadãos”, ou entre “as estatísticas risonhas” e “propaganda das contas certas” e o “agravamento dos problemas do país” e “para recuperar o poder de compra dos trabalhadores e reformados, para investir nos serviços públicos, nunca há dinheiro, mas nunca falta para novos benefícios e privilégios fiscais (…) ou para desviar milhares de euros de fundos comunitários e recursos públicos para os fundos económicos”.
Inês Sousa Real, do PAN, insistiria com Costa na ideia de que os portugueses “não vivem no mundo cor-de-rosa do PS”, não se podendo ignorar já os efeitos da inflação. E António Costa responderia: “Se não houvesse problemas para resolver, olhe, ia fazer outra coisa na vida.”
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Tiago Petinga / Lusa