A associação Aqui Mora Gente, que reúne moradores dos bairros históricos de Lisboa, pede a “revisão urgente” da lei que instituiu o Licenciamento Zero. E exige uma atitude “mais proativa e enérgica das autoridades” na fiscalização da atividade de bares e restauração no casco histórico da cidade, em particular em bairros como a Bica, Cais do Sodré e Bairro Alto, três das zonas mais movimentadas da vida noturna lisboeta.
Numa Carta Aberta, que o DN ontem publicou e que a associação já enviou ao executivo camarário, à Assembleia Municipal de Lisboa e ao Ministério do Ambiente, estes moradores falam numa “situação insustentável”, com a “proliferação descontrolada de bares, restaurantes e estabelecimentos de diversão noturna”, em resultado das “distorções do chamado Licenciamento Zero”.
Um problema que “já atinge centenas ou milhares de pessoas e está a afetar gravemente o tecido social, económico e cultural” das zonas antigas da cidade.
“Mercê dos abusos à lei e da ineficiência da fiscalização, os bairros históricos da capital estão a degradar-se, a descaracterizar-se e a despovoar-se de moradores, transformando-se gradualmente num parque monotemático destinado aos visitantes”, alerta a associação, denunciando um processo que também “asfixia quaisquer outras atividades económicas e culturais” nestes bairros.
Na origem do problema, consideram os moradores, está o Licenciamento Zero, uma medida integrada no programa Simplex, com o objetivo de simplificar os processos de licenciamento de algumas atividades económicas, como os estabelecimentos de restauração ou bebidas.
Este quadro legal, que entrou em vigor em 2013, instituiu entretanto a figura legal da mera comunicação prévia como condição para o licenciamento de uma extensa lista de atividades de comércio, serviços e restauração. A fiscalização ao cumprimento das regras legais fica, assim, remetida para um momento posterior. Mas este sistema não está a funcionar, argumentam os moradores.
Para a Aqui Mora Gente – Associação de Moradores da Cidade de Lisboa, a simples “presunção do cumprimento escrupuloso das regras” por parte dos operadores já é, em si, discutível, mas “torna-se particularmente injusta quando o sistema está a operar sem quaisquer contrapesos, sendo muito permeável a abusos”.
“As autoridades competentes que deveriam fiscalizar os operadores e velar pela boa aplicação da lei não o fazem, ou fazem-no tarde e superficialmente, após denúncia, de forma frouxa e burocrática”, acusa a associação, que diz também que é “feita vista grossa a atropelos vários” – nomeadamente a alteração do uso das frações, muitas vezes destinadas a comércio, mas que acabam convertidas a “outras atividades para as quais não podem ter licenciamento camarário”.
Uma situação que permite a estabelecimentos de venda de bebidas contornar as limitações à abertura de novos estabelecimentos que existem, por exemplo, no Bairro Alto e na Bica.
Estes moradores querem, por isso – além da alteração da lei – que a Câmara de Lisboa, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a Polícia Municipal e a ASAE, tenham uma atitude mais ativa na fiscalização dos estabelecimentos.
“A CML não está connosco, está com o turismo”
Há muito que a associação Aqui Mora Gente vem alertando para os problemas causados pelo ajuntamento de milhares de pessoas noite adentro nas ruas do Bairro Alto, Bica e Cais do Sodré, um fenómeno potenciado pela multiplicação de pequenos espaços que levam a que o consumo de bebidas e os ajuntamentos se verifiquem, sobretudo, no espaço público. No topo das queixas dos moradores estão os níveis de ruído, o lixo e a insalubridade.
Isabel Sá da Bandeira, presidente da associação, que diz ter nesta altura cerca de uma centena de associados, salienta a abertura exponencial de dezenas de bares desde o fim da pandemia e acusa a câmara de não fiscalizar se estes estabelecimentos estão dentro da lei.
“Se a Câmara fizesse o seu trabalho, muitos não existiam sequer”, diz ao DN, insistindo que há frações destinadas a comércio ou armazéns transformados em estabelecimentos de vendas de bebidas.
“As coisas abrem e o ónus da fiscalização cai sobre os moradores. E a Câmara é sempre a última a chegar”, diz a presidente da associação de moradores, sublinhando que esta situação se arrasta há anos e que não se alterou com o atual executivo camarário: “Tínhamos alguma esperança, mas já percebemos que a Câmara não está connosco, está com o turismo, fala sempre nas atividades económicas, mas não nos moradores”.
Isabel Sá da Bandeira diz que entre quinta e sábado a situação nestes bairros é “uma loucura” e que há muitos residentes, até já estrangeiros, a sair devido a estas condições. “Há uma desertificação dos bairros”.
No ano passado a associação dirigiu uma queixa à Câmara de Lisboa sobre os níveis de ruído, recebendo como resposta que “não é exequível” fazer cumprir os limites de ruído nas zonas de diversão noturna da cidade”.
Resposta que deixou os residentes incrédulos. A Câmara acabaria por recuar e, na sequência, criou uma Linha Ruído para queixas de barulho – que, de acordo com o primeiro balanço, foi sobretudo usada pelos residentes da Freguesia da Misericórdia.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Gerardo Santos / Global Imagens