Leonor Beleza, presidente do conselho de administração da Fundação Champalimaud, é a vencedora deste ano do Prémio Universidade de Coimbra (UC), atribuído com o alto patrocínio da Fundação Santander Portugal e o apoio da Global Media Group, da qual o JN faz parte.
Numa decisão tomada por unanimidade, porque a jurista e conselheira de Estado “é uma personalidade de muito relevo a nível nacional e internacional”, com um percurso profissional “muito rico”, mas que incorporou sempre, nesse trajeto, a “defesa de valores que são muito caros à Universidade de Coimbra, que é uma universidade humanista”, nomeadamente a “inclusividade” – é também presidente da Associação EPIS – Empresários pela Inclusão Social – e a “igualdade de género”, como explica o reitor Amílcar Falcão.
O Prémio UC, no valor de 25 mil euros – dez mil destinam-se ao vencedor e os restantes 15 mil para uma bolsa de investigação numa área a indicar por Leonor Beleza -, é entregue no próximo dia 1, nas comemorações do Dia da Universidade, que celebra 733 anos.
Para a Fundação Santander Portugal – instituição bancária que desde 2003 tem um convénio com a UC -, “Leonor Beleza é uma premiada realmente notável”, sendo um “exemplo de constante superação e transversalidade”, tendo exercido cargos e desempenhado funções “em todas áreas contempladas pelo prémio: cultura, economia e gestão, ciência e inovação”, diz a sua presidente Inês Oom de Sousa.
Sublinhando, ainda, que a para a Fundação “a igualdade de género é um tema que lhe é muito caro”. Sendo que “o mérito de Leonor Beleza vai muito para além de ser uma mulher de destaque, merece o prémio por ser uma extraordinária personalidade pública”, frisa Inês Oom de Sousa.
Nascida há 73 anos, no Porto, Leonor Beleza é bisneta de uma médica (formou-se em 1891, impensável à época) – no podcast “Deixar o Mundo Melhor”, de Francisco Pinto Balsemão, sublinhou ser “uma privilegiada” -, tendo seguido os passos dos pais, juristas, ao licenciar-se em Direito, em 1972, pela Universidade de Lisboa. Que lhe determinaria o caminho na luta pelos direitos das mulheres. E que lhe abriria as portas para a vida política, através do seu colega de curso e amigo Marcelo Rebelo de Sousa.
Foi pelas mãos da Professora Isabel Maria Magalhães Colaço – “uma pessoa com um nível extraordinário, com muita importância na minha formação e na minha vida posterior”, contava no mesmo podcast -, na altura a única mulher doutorada em Direito no nosso país, que Leonor Beleza chega à Comissão de Revisão do Código Civil (1977).
“Foi muitíssimo estimulante e circunstâncias várias fizeram com que me fosse entregue explicar o que era aquela reforma e os direitos das mulheres”, recordava. Causa da qual nunca se separou. Entre 1975 e 1982, enquanto jurista, trabalhou na Comissão da Condição Feminina (hoje, Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género). Em 1974, no primeiro comício do PPD, a convite de Francisco Sá Carneiro, fala também sobre os direitos das mulheres.
Sendo a primeira mulher, como vinca, com “particular satisfação”, nas raras entrevistas que dá, a ser nomeada membro do governo no feminino. Assim aconteceu quando assumiu a Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (1982-1983). “Na altura, com a sua aquiescência [referindo-se ao entrevistador, Francisco Pinto Balsemão, que a convidou para o cargo], foi pedido ao presidente da República [general Ramalho Eanes] que me nomeasse como secretária de Estado e não secretário de Estado, como tinha acontecido até ali.
Foi uma vitória. Acho que as mulheres que são hoje membros do Governo nem sonham que para trás foi preciso obter essa pequena vitória”. Que se repetiria quando é nomeada ministra da Saúde, em 1985, no governo de Cavaco Silva, depois de passar pela Secretaria de Estado da Segurança Social, no governo do Bloco Central.
O embate no Ministério da Saúde…
Do ingresso na vida política, reconhece o papel do atual presidente da República, do qual é conselheira de Estado desde 2008, substituindo Manuela Ferreira Leite. E, para Marcelo Rebelo de Sousa, Leonor Beleza é “uma das melhores de Portugal”. Ligada à SEDES, fundada em 1970, desde cedo, foi precisamente numa reunião desta associação cívica que ficou a saber que o PPD iria ser criado. Esteve na fundação do PSD, partido onde viria a ocupar vários cargos dirigentes.
A entrada num “mundo completamente diferente” dá-se, como referido, em 1982. E a fase “mais dura” enquanto membro de governo acontece na pasta da Saúde, naquele que ficou conhecido como o “caso dos hemofílicos”, quando dezenas de doentes receberam sangue contaminado com HIV.
A acusação, deduzida pelo Ministério Público, contra dez pessoas, onde se incluía Leonor Beleza, pelo crime de propagação de doença contagiosa, acabaria por prescrever, conforme confirmado, em 2003, pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Naquela que foi uma das fases mais complicadas da sua vida, Leonor Beleza reconheceu, recentemente, em entrevista à jornalista Maria João Avillez, para a TVI/CNN Portugal, ter pago um preço elevado: “Que eu fiz tudo o que podia e sabia, estou absolutamente convencida disso. Também estou convencida que o ímpeto reformista era preciso e continua a ser preciso. Eu sei que às vezes se paga preços grandes. Paguei. Paguei. Quando penso nalgumas coisas que me aconteceram, não me sinto particularmente feliz com isso”.
… e o dia 28 de abril de 2000
Decidira nunca mais estar ligada à Saúde. Mas, em escassos segundos, um telefonema, a 28 de abril de 2000, obriga-a a rever a posição. Era António Champalimaud, que só vira uma única vez, a convidá-la para presidente da Fundação que deixaria em testamento e que é das maiores instituições de investigação na área da Saúde. Por que foi escolhida, nunca saberá, diz. Sabe, sim, que a sua vida mudaria radicalmente.
“Sou uma parte do braço que ele deixou para pôr em pé aquilo que ele queria”, confidenciou a Francisco Pinto Balsemão. “O meu lugar é aqui, a tentar fazer aquilo que eu consigo imaginar que ele gostaria que eu fizesse”, dissera a Maria João Avillez.
O feito está à vista de todos e é internacionalmente reconhecido pelos pares. Em 2012, a revista “The Scientist” elegeu a Fundação como o melhor local, fora do Estados Unidos, para os investigadores desenvolverem os seus trabalhos pós-doutoramento.
E, em 2021, a revista científica “Nature” colocou a Fundação Champalimaud no 4.º lugar do ranking mundial de instituições sem fins lucrativos na área da Inteligência Artificial.
Por isso, para Leonor Beleza a sua responsabilidade é para com a Fundação. Afastando-se de Belém, o que a faz inclusive sorrir. Aquando da atribuição do grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Lisboa, em 2021, Marcelo Rebelo de Sousa disse que “bem poderia ter sido uma das primeiras mulheres presidentes da República Portuguesa”.
Leonor Beleza não vê, como disse a Maria João Avillez, a “participação política como um lugar onde se vai trepando por aí fora até chegar lá acima”. E sobre ter contribuído para deixar o mundo melhor, disse a Francisco Pinto Balsemão: “Acho que o mundo me foi ajudando a ser eu própria melhor; tive o privilégio de contar com fatores que me empurraram para fazer coisas; pude fazer coisas, e isso foi um privilégio”.
Para o reitor da Universidade de Coimbra é, por isso, “uma honra” Leonor Beleza ser a vencedora da 19.ª edição do Prémio UC, “juntando-se a um conjunto de anteriores premiados” como o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, o cardeal José Tolentino de Mendonça, a investigadora e professora Maria de Sousa ou o compositor e pianista António Pinho Vargas, entre tantos outros, num prémio lançado em 2004 e que visa distinguir “pessoas de nacionalidade portuguesa que profissionalmente se tenham distinguido” em áreas como a cultura, a economia ou a ciência, mas também com “competências humanas importantes”, segundo Amílcar Falcão.
Com o apoio da Fundação Santander Portugal, numa parceria que se estendeu “por diferentes áreas, sendo de destacar os vários programas de bolsas dedicados a estudantes, o apoio à investigação colaborativa e a inovação pedagógica”, adianta, ainda, Inês Oom de Sousa.
Fonte: Jornal de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Carlos Manuel Martins/Global Imagens